UOL Esporte Futebol
 
16/06/2011 - 07h00

MP aprovada na Câmara dá carta branca para Fifa alterar custos de obras da Copa

Roberto Pereira de Souza e Vinícius Segalla
Em São Paulo

Um grande buraco negro está sendo aberto com as novas regras para a contratação de obras e serviços necessários para a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil. A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira, em sessão noturna extraordinária, a Medida Provisória 527, apresentada pelo Planalto. O documento cria o Regime Diferenciado de Contratações, que flexibiliza a norma que regulamenta as licitações públicas, a Lei 8666/1993. Para ganhar força de lei, a MP ainda precisa ser aprovada pelo Senado, onde o governo tem maioria. A medida cria também a Secretaria de Aviação Civil, que englobará a Infraero e a Agência Nacional de Aviação Civil.

O  grande vilão do dinheiro público é o artigo 39 da MP 527. Por este artigo, o governo da presidente Dilma Rousseff  transfere poder à Fifa e a seu agente no Brasil, Ricardo Teixeira, presidente do comitê organizador da Copa e da CBF, para alterar projetos e refazer preços de obras contratadas.

“No geral, o documento é bom, mas o artigo 39 precisa ser controlado, porque o dinheiro público precisa de gestão pública. Os agentes da Fifa não podem decidir quanto uma obra de estádio ou aeroporto pode ou não custar”, explicou o advogado Ricardo Levy, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados e especialista em licitações públicas.

O texto do artigo 39 diz com clareza que serão permitidas, nos contratos assinados entre governo e empreiteiras, “modificações supervenientes decorrentes de normas ou exigências apresentadas pelas entidades internacionais de administração do desporto nos projetos básicos e executivos das obras e serviços referentes aos Jogos Olímpicos e à Copa do Mundo FIFA 2014, desde que homologadas, respectivamente, pelo Comitê Olímpico Internacional ou pela FIFA”.

“Este dispositivo faz com que as obras públicas brasileiras possam ter seus projetos modificados pela decisão de entidades internacionais. Todo o processo licitatório, feito para atender às necessidades da Administração Pública, poderá ser modificado para atender à vontade de dirigentes esportivos”, alerta Ricardo Levy.

O objetivo do RDC (uma norma extensa com 68 artigos em 40 páginas) é construir uma saída legal para agilizar as obras de estádios e infraestrutura para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, a maioria já atrasadas. A nova norma flexibiliza a legislação em vigor, que foi publicada em 1993, e divide a opinião de juristas e políticos, que apontam, por um lado, a necessidade de acelerar o ritmo das obras e, por outro, a de proteger o patrimônio público.

O Ministério Público Federal também critica o artigo 39 e outros pontos da MP. Por outro lado, advogados, juristas do governo e políticos da situação defendem o projeto. “Espero que os congressistas entendam que a Copa é daqui a três anos, e que é preciso mudar as regras de licitação se quisermos concluir todas as obras em tempo”, disse ao UOL Esporte o ministro Orlando Silva, dos Esportes.

A oposição, por sua vez, apregoa que o RDC oficializa tudo aquilo que se temia e  “que a Fifa está sendo investigada na Suíça por suborno de afiliados e compra de votos, e que qualquer projeto que envolva a entidade precisa de mais tempo de análise”. Denúncias de corrupção investigadas pela Justiça da Suíça envolvem os  brasileiros Ricardo Teixeira e João Havelange.

Durante a votação da MP na Câmara, o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) lembrou que pretendia abrir uma CPI para investigar as ações de Ricardo Teixeira, presidente da CBF, mas foi impedido pela base do governo. “O que se pretende  fazer é dar um cheque em branco ao governo, gerando uma insegurança jurídica jamais vista no país”, afirmou o deputado Duarte Costa (PSDB-SP), líder dos tucanos na Câmara.

AS 5 PRINCIPAIS MUDANÇAS NO RDC, SEGUNDO ESPECIALISTAS

1. Empreitada integral Modalidade que existe no mundo todo e, agora, será adotada no Brasil: a mesma empresa é contratada para formular o projeto básico e executá-lo, sendo responsável por todo o processo, até a entrega da obra, pronta para ser utilizada. Os críticos desta mudança afirmam que é uma temeridade deixar que uma empresa crie um projeto e decida quanto ele vai custar, tendo, assim, controle total sobre os recursos públicos.

Os defensores da mudança defendem que o novo texto legal garantirá a agilidade necessária para os empreendimentos.
2. Habilitação do vencedor da licitação A alteração se refere à habilitação das empresas que concorrem nas licitações. Pela legislação atual, antes da concorrência, as companhias entregam seus documentos de habilitação, que são aprovados ou rejeitados. O RDC prevê que a fase de habilitação passe para o fim do processo. Ou seja, as empresas concorrem normalmente, mas apenas a vencedora passa pela fase final de habilitação, diminuindo o tempo consumido com a análise desses documentos e com os eventuais recursos administrativos.
3. Redução da fase recursal Pelo RDC, os recursos serão impetrados no fim do processo licitatório, ao contrário da maneira como ocorre hoje, em que as empresas preteridas podem recorrer em diversas fases do processo.

Para o técnico em planejamento e professor da Universidade Federal do ABC Giorgio Romano, o RDC pode servir como ponto de partida para uma reformulação definitiva na legislação de obras públicas brasileiras. “Com as regras atuais, Brasília não estaria pronta até hoje. O Brasil precisa de um novo e mais moderno marco regulatório para os processos licitatórios. É uma pena que esta iniciativa venha através de medida provisória, na urgência da Copa, mas este debate precisa começar”.
4. Remuneração de acordo com o desempenho na execução da obra Os contratos de licitação a serem regidos pelo RDC poderão conter cláusulas de remuneração por mérito, criando, por exemplo, premiações para obras entregues antes do prazo final.
5. Pré-qualificaçao permanente, válida por um ano Permite que empresas mantenham dados cadastrais que a pré-qualifiquem a participar de uma licitação. Com isso, poderá ser reduzido o tempo entre o anúncio da licitação e a efetivação da concorrência. Para o advogado Ricardo Levy, “este item faz sentido e já existe em outros países. Mas sem um controle eficiente fechará as portas para as empresas menores”. Isso porque as exigências para a pré-qualificação podem ser excludentes de empresas de menor porte".

 

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