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Rodrigo Mattos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Corinthians e torcida mostram que Willian tem razão de sair do clube

Willian não faz mais parte do elenco do Corinthians - GettyImages
Willian não faz mais parte do elenco do Corinthians Imagem: GettyImages

14/08/2022 04h00

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Ao optar por deixar o Corinthians, Willian deixou claro que o principal problema foram os ataques sofridos por ele e por sua família. Nas redes sociais, resultados ruins viravam hostilidades ao jogador e até para suas filhas. Cássio sofreu algo similar. Tudo isso faz parte de uma escalada de violência no futebol brasileiro e sul-americana sem reação de clubes e entidades esportivas. As reações da diretoria e da torcida do Corinthians são uma demonstração dessa falta de compreensão do tamanho do problema.

O ex-meia da seleção brasileira voltou ao Brasil no ano passado para jogar no seu time de origem. Abriu mão de dinheiro do Arsenal. E, sim, foi bem seu remunerado no Corinthians com salário da estrela, direito que conquistou em sua carreira. O clube não ganhou títulos e as ameaças o cercavam como explicou em entrevista à Globo:

"Os motivos da minha saída são as ameaças que sofri, principalmente minha família. As ameaças nunca pararam. Sempre que o Corinthians perdia e se às vezes eu não estava bem no jogo, minha família recebia ameaça, xingamentos nas redes sociais. Minha esposa, minhas filhas, depois de um tempo começaram também atacar meu pai, minha irmã", contou ele.

Ameaças não são incomuns no futebol brasileiro onde há invasões de CT por torcedores, pedradas em ônibus, brigas na arquibancada e uma série de ofensas em redes sociais a todos os atores do futebol.

Com a rescisão consumada, o presidente do Corinthians, Duílio Monteiro Alves, deu uma entrevista ao canal do clube para explicar a saída do seu principal jogador. Não menciona em nenhum momento as ameaças, fala sobre uma falta de adaptação e infelicidade do jogador. E ressalta ainda a falta de rendimento esportivo de Willian.

"Infelizmente, eles não se adaptaram. Pediu sua rescisão. E nós no Corinthians entendemos que um jogador com esse custo, um custo elevado, fizemos um investimento muito grande. Fizemos um esforço muito grande, ele também. A gente fica chateado de não ter o Willian por mais tempo, até o final de 2023. Fica chateado de o rendimento não ter sido o que a gente esperava, ele também está. A gente entendeu como melhor para o Corinthians, para o Willian, por ser um valor alto, pela rescisão. Por não estar feliz, não está rendendo o que pode render", diz Duílio ao canal do clube.

Willian não se adaptou a ser ameaçado? Será que alguém tem que se acostumar a ter seus familiares atacados por falhas no campo de jogo? Era uma chance de o dirigente apelar a torcedores para que não se repitam essas atitudes lamentáveis. Passou em branco.

No sábado, no clássico diante do Palmeiras, a torcida do Corinthians hostilizou Willian com xingamentos e críticas. Vaias a um jogador são absolutamente normais quando seu rendimento é fraco ou quando uma atitude sua desagrada. Mas, lembremos, o jogador saiu do clube por ameaças e ataques constantes na internet a ele e sua família. Será que isso é normal?

Não deveria ser normal, mas virou rotina no futebol brasileiro. O esporte nacional tem jogado a violência para debaixo do tapete recentemente. Veja o caso do torcedor santista que entrou no gramado da Vila Belmiro e agrediu o goleiro corintiano Cássio. O STJD decidiu-se por uma pena de dois jogos e R$ 35 mil de multa. A punição vai ser cumprida na Copa do Brasil de 2023, provavelmente em jogos menores.

Sim, um jogador foi agredido dentro de campo por falha de segurança e o clube leva só dois jogos sem torcida. No passado, invasões resultavam até em perdas de mando por dez partidas, pena máxima prevista no artigo.

Na mesma semana, o Flamengo foi absolvido pelo STJD pelo arremesso de uma objeto no ônibus do Atlético-MG no confronto da Copa do Brasil. Naquele jogo, uma parte da torcida invadiu o estádio. A alegação do STJD é que os fatos ocorreram fora do Maracanã, portanto, o clube não teria culpa. Foi punido só com multa por atraso e objetos jogados no campo. Mas, em competições internacionais, os clubes são, sim, responsáveis pela segurança de jogadores rivais, árbitros e do perímetro do estádio.

Na Libertadores, o Velez Sarsfield enfrenta processo na Conmebol porque seus torcedores invadiram um setor do estádio e massacraram (não há outra palavra) familiares e dirigentes do Talleres nas quartas de final. A Argentina é um espelho para o Brasil no futuro. Houve sete internados após o jogo, um deles filho de dirigente do Talleres. Como se vê, as ameaças no Brasil a jogadores e cartolas, um dia, podem se tornar reais como já são no país vizinho. Ainda não se sabe se a Conmebol vai julgar o Velez antes do confronto com o Flamengo.

Em sua entrevista à TV Globo, Willian se mostrou espantado com a sequência de episódios. "Um dia pedrada no ônibus, depois um torcedor invade o campo com uma faca, outro dia torcida invade centro de treinamento, outro dia a torcida briga com os jogadores no aeroporto. A família, querendo ou não, fica preocupada com isso também. Sem dúvida nenhuma são esses os motivos. Não tem nenhum outro motivo, realmente são esses os motivos da minha saída do clube".

Ao final do clássico contra o Palmeiras, com a derrota, a mulher do lateral corintiano Fagner, Barbara Lemos, relatou que ela e seu filho de 12 anos receberam ameaças e xingamentos em redes sociais. O jogador, de longa carreira vitoriosa no Corinthians, cometeu uma falha no gol palmeirense. Por isso, algum torcedor (ou torcedores) se achou no direto de atacar verbalmente um menor.

Willian só percebeu a insanidade em que estamos vivendo no futebol brasileiro e decidiu não fazer parte dela. Está coberto de razão.