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Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

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Na Justiça, Chape prevê pagar só 35% de indenizações por queda de avião

Velório coletivo na Arena Condá após queda do avião que levava a delegação da Chapecoense, deixando 71 mortos e seis feridos - Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Folhapress
Velório coletivo na Arena Condá após queda do avião que levava a delegação da Chapecoense, deixando 71 mortos e seis feridos Imagem: Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Folhapress

03/06/2022 04h00

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Em processo na Justiça, a Chapecoense prevê pagar somente 35% dos valores das indenizações referentes ao acidente aéreo que matou 71 pessoas em novembro de 2016. A informação consta do plano de recuperação judicial apresentado pelo clube para tentar resolver sua crise financeira. Caso não haja objeção dos credores até 13 de junho, a agremiação conseguirá aprovar essas condições do pagamento de dívidas.

A Chapecoense, que disputa a Série B do Brasileiro, entrou com o pedido de recuperação judicial em janeiro deste ano. Recentemente, a Justiça abriu precedente para que clubes que não são sociedades empresárias adotem esse tipo de medida na Justiça.

No documento, o clube catarinense informou que o objetivo do plano é atender os credores e prosseguir com sua atividade futebolística. A ação tem o valor de R$ 79 milhões, soma estimada dos débitos da entidade.

No processo, a Chapecoense aponta que seus problemas financeiros começaram em 2017, após o acidente aéreo na Bolívia, no final do ano anterior. O avião fretado pelo clube da empresa Lamia sofreu o acidente quando voava para a Colômbia, onde enfrentaria o Atlético Nacional, pela final da Copa Sul-Americana. No total, 71 pessoas morreram entre jogadores, membros de comissão técnica, jornalistas e equipe da aeronave. Houve seis sobreviventes.

No documento, a agremiação catarinense admite que gestões do clube aumentaram em excesso os gastos com o futebol a partir de 2018 para se manter na Série A.

"Apesar da permanência na primeira divisão, o endividamento da Chapecoense passou a sofrer com um crescimento exponencial. Ainda que fosse preciso um planejamento de muita austeridade financeira, o Clube sofreu com os percalços decorrentes de investimentos incondizentes com a capacidade econômico-financeira do clube", dizem os advogados do clube.

De fato, há uma lista grande de dívidas por direitos de imagem e comissões de intermediação de jogadores na ação de recuperação judicial da Chapecoense. Ou seja, ao contrário do período antes de 2016, quando tinha gestões austeras, a agremiação gastou além de suas receitas.

Diante dessa situação, a Chapecoense propôs à Justiça um plano de recuperação com descontos significativos em suas dívidas. Pela proposta, haverá 65% de descontos nos valores de ações trabalhistas ganhas contra o clube. Neste pacote, estão as ações de familiares por indenizações pelas mortes no acidente aéreo na Bolívia. A Chapecoense, como empregadora, era responsável pela segurança de seus funcionários.

Na lista de credores, há 24 pessoas com a descrição: "Ação trabalhista - Acidente". Os valores das dívidas somam em torno de R$ 24,6 milhões pelo levantamento feito pelo blog. Há indenizações que totalizam mais de R$ 3 milhões. Todos estão incluídos na Classe I de credores, isto é, de ações trabalhistas, que têm prioridade para receber na Justiça por serem verbas alimentares.

Pela proposta, a Chapecoense pagaria apenas em torno de R$ 8,6 milhões para essas ações pelo acidente. Esse montante seria quitado em até 12 meses da homologação do acordo de recuperação judicial. Ou seja, os familiares dos mortos deixariam de receber em torno de R$ 16 milhões. É preciso ressaltar que esses são os valores lançados pela própria Chapecoense e ainda precisam ser referendados pela Justiça.

Além disso, há duas ações trabalhistas de sobreviventes do acidente: os jogadores Alan Ruschel e Neto. O zagueiro Neto, que encerrou sua carreira após o acidente, tem dois valores a receber em um total de R$ 408 mil, sendo uma parte de saldo de salário. Pelo desconto proposto, ele só receberia R$ 143 mil.

Alan Ruschel teria um desconto maior no seu crédito, já que está dividido entre ação trabalhista e cível. No caso de valores por ação civil, são R$ 204 mil de dívida que sofreriam um desconto de 85%. Além disso, há uma rescisão trabalhista de R$ 154 mil que teria desconto de 65%.

Para ações trabalhistas novas, por inadimplência até três meses antes da recuperação, as regras são diferentes: há uma limitação de 150 salários mínimos para se aplicar o desconto de 65%. Quando o valor for maior do que esse, o desconto será maior: 85%.

O plano de recuperação da Chapecoense prevê descontos de 85% para os credores de outras classes: com garantia real, quirografários, microempresas e empresas de pequeno porte. Há ainda a previsão de uma carência de 36 meses para começar a pagar. A quitação ocorrerá em 120 parcelas, isto é, 10 anos para pagar os valores com descontos.

Em sua justificativa, a Chapecoense afirma que esse é o plano possível para o clube. Essa é a posição do clube na ação:

"Através deste plano, a Chapecoense busca não somente atender aos interesses de seus credores, mas, também, prosseguir com sua atividade futebolística, gerando resultado positivo, renda, empregos e aumentando seu valor econômico agregado, preservando os postos de trabalho existentes, e, ainda, incentivando a atividade praticada.

A solução ora exposta representa a melhor fórmula encontrada pelos consultores para permitir a continuidade e manutenção do Clube, trazendo atratividade aos credores, eis que a existência de um surplus financeiro (superávit) canalizado para pagamento de dívidas, demonstra o interesse do Clube em honrar seus compromissos o quanto antes", afirma o documento dos advogados da Chapecoense."

O plano foi proposto no mês passado, com publicação do edital em 12 de maio. Assim, os credores têm 30 dias - até 13 de junho - para apresentar objeções. Não houve nenhuma manifestação formal até agora. Se isso se mantiver, a Chapecoense terá a aprovação do seu plano judicial.

O advogado Pedro Teixeira, especialista em recuperação judicial e extrajudicial e falência, afirma que os descontos propostos pela Chapecoense são acima dos parâmetros normais vistos neste tipo de processos.

Veja abaixo sua análise sobre o caso:

"Nas recuperações judiciais, o desconto na Classe I não é tão comum justamente por envolver verba alimentar. Nesse caso, além de existir a peculiaridade das vítimas do acidente, o clube propõe descontos bem superiores à média praticada em processos de recuperação de empresas comuns. Em suma, apesar de não conhecer o caso concreto que levou o clube a apresentar essa proposta, o crédito sofreria um desconto de 65% (para pagamento em 12 meses) e se o mesmo crédito, ainda sim, for superior a 150 salários mínimos, o saldo sofreria novo desconto de 85% (para pagamento em 10 anos com 36 meses de carência). Eu sou entusiasta da recuperação judicial/extrajudicial como forma de preservar a atividade do agente econômico em crise, mas acredito que não deveria haver espaço para abusos."

No processo, os advogados da Chapecoense, Felipe Lollato e Francisco Effting, dizem sobre a proposta de recuperação judicial: "Assim, entendem os profissionais envolvidos na elaboração do plano que as condições nele apresentadas são as que menos impactam negativamente na receita da Chapecoense e nas relações negociais mantidas com seus credores, pois elaborado com base em critérios técnicos, econômicos e financeiros, sendo o mais condizente possível com a realidade dos fatores micro e macroeconômicos que se refletem nos negócios da Recuperanda."

O blog procurou os advogados da Chapecoense com perguntas sobre o processo e publicará sua posição assim que tiver respostas.