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Rodrigo Mattos

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Tese de Bolsonaro de igualar Copa América às Eliminatórias não para de pé

Jair Bolsonaro faz pronunciamento em rede de TV e rádio - Reprodução
Jair Bolsonaro faz pronunciamento em rede de TV e rádio Imagem: Reprodução

03/06/2021 03h30

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Desde que aprovou a Copa América no Brasil, o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), justifica a decisão pela realização de jogos das Eliminatórias da Copa e da Libertadores no país. Repetiu essa tese em discurso em rede nacional. "Seguindo o mesmo protocolo da Copa Libertadores e Eliminatórias da Copa do Mundo, aceitamos a realização, no Brasil, da Copa América", disse ele, ao final do pronunciamento.

A tese não tem origem no próprio governo, e sim na Conmebol. Em comunicado na quarta-feira, para tentar rebater críticas à Copa América, a Conmebol afirmou: "Entretanto, ao mesmo tempo, não há o mesmo questionamento das eliminatórias, que, só esta semana terão 10 partidas com as mesmas seleções nacionais". A comparação entre Eliminatórias e Libertadores tem sido usado como argumento da confederação sul-americana.

Bem, primeiro, ressaltemos que as Eliminatórias não deveriam estar acontecendo no formato extenso atual em meio a uma pandemia de coronavírus que atinge a América do Sul de forma dura. Deveriam estar suspensas ou reduzidas. Dito isso, trata-se de uma competição de natureza bem diferente da Copa América.

As Eliminatórias só têm um jogo em cada país por vez com a visita de uma delegação, isto é, no máximo 50 visitantes. Fora árbitros e delegados, o staff costuma ser de locais. As estadias dos estrangeiros são curtas: cerca de três dias. Há maior circulação entre países porque jogadores vêm da Europa para as seleções, o que também ocorrerá na Copa América.

No caso da Libertadores, é um procedimento parecido sem as viagens da Europa. Os times passam, às vezes, apenas dois dias nos países em que jogam como visitantes. São, portanto, no máximo 50 ou 60 pessoas, mais os árbitros e delegados.

A Copa América é uma competição que envolve um número bem maior de pessoas, estadia mais longa e estrutura mais complexa. São previstas 650 pessoas das delegações que virão para o Brasil, 65 de cada país. Some-se a isso staff da Conmebol, de parceiros, árbitros de todo o continente. Há uma estimativa de fontes da organização de que serão entre mil e duas mil pessoas viajando para o Brasil, além da organização.

A competição começa em 13 de junho e se prolonga até 10 de julho. Portanto, a estadia desta estrutura dura um mês no país. Não por acaso, este tipo de competição costuma ter um comitê organizador próprio local responsável por interação com governos, movimentação etc. São hotéis inteiros fechados para staff da competição.

Na versão reduzida do Brasil, serão quatro cidades sede com foco no Centro-Oeste - Brasília, Goiânia, Cuiabá e Rio de Janeiro - e deslocamentos constantes para realizar 28 partidas. Qualquer um que tenha ido a competições deste porte sabe que não se compara a partidas isoladas em um país.

E não é verdade que na Copa América vão ser usados os mesmos protocolos da Libertadores e das Eliminatórias como disse Bolsonaro. Primeiro, lembremos que a competição foi aprovada pelo governo brasileiro sem que houvesse um protocolo sanitário de fato determinado: o Ministério da Saúde reconheceu que ainda iria elaborar regras com a Conmebol.

Segundo, a confederação sul-americana já sinalizou com algumas regras que usaria na Argentina e são diferentes das Eliminatórias e Libertadores. Em um documento para a associação de jogadores, a Conmebol falou em criar uma bolha para a competição. Não existe isso nas Eliminatórias.

Outra promessa é tentar dar uma dose de vacina para todos os participantes da Copa América, campanha que está atrasada e não conseguirá imunizar completamente o grupo. Enfim, também não existe vacinação obrigatória na Libertadores.

Além disso, a Conmebol usa a Libertadores como se fosse um sucesso de condução de protocolos alegando que as infecções em testes ficaram abaixo de 1%. Ora, isso não impediu um Flamengo com toda a delegação em surto de covid no Equador na competição do ano passado. Não evitou um Grêmio em surto igualmente no mesmo Equador em 2021. Não impediu que o Independiente chegasse ao aeroporto de Salvador com jogadores infectados na Sul-Americana. Ou que o River Plate não tivesse goleiro para jogar uma partida por um surto generalizado antes de pegar o Santa Fé.

E o que acontecerá se houver um surto de covid em meio a uma competição com todos os jogadores, árbitros, dirigentes concentrados em hotéis comuns? Isso não aumenta consideravelmente a chance do surto se alastrar? Lembremos, o Brasil é um país com a média de mortes por covid em dois mil por dia, e especialistas apontam a possibilidade de uma terceira onda quando nem saímos da segunda.

É por este risco que a Conmebol tenta fazer promessas maiores sobre a Copa América do que as regras das Eliminatórias. Não há comparação do risco entre as duas competições. E não é preciso ser da Globo para perceber isso.