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Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

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São Paulo vai negociar com Globo por receitas de TV iguais a rivais

Dani Alves usa camisa sem patrocínio master - Divulgação/SPFC
Dani Alves usa camisa sem patrocínio master Imagem: Divulgação/SPFC

26/03/2021 04h00

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Nos últimos cinco anos, o São Paulo teve apenas a 5ª maior receita recorrente entre os grandes clubes brasileiros (isto é, desconsideradas vendas de jogadores). O clube tem contratos de TV do Brasileiro piores do que Corinthians e Palmeiras. Não foi capaz de alavancar parceiros para pagar nem parte do salário de Daniel Alves.

É diante dessa realidade que se inicia o trabalho do diretor executivo de marketing, Eduardo Toni. Em entrevista ao blog, ele explica os planos para mudar essa quadro com atuação em acordos de TV, no sócio-torcedor e em patrocínios.

A principal receita dos clubes brasileiros vem dos contratos de televisão. Ao assumir, o presidente são-paulino, Julio Casares, disse que almejava uma renegociação do Brasileiro com a Globo, embora frisasse que respeitaria os acordos vigentes. Isso porque o São Paulo foi o único grande da capital que não teve mínimo garantido no pay-per-view da Série A.

"Esse é um pleito muito justo, ter garantias mínimas", diz Eduardo Toni, ressaltando que essa conversa com a Globo ainda vai ocorrer. Em 2019, último ano em que é possível fazer uma comparação, o São Paulo foi apenas o sétimo colocado em receitas de direitos de transmissão e de premiação, segundo levantamento da EY.

Outra questão é tentar aproveitar a imagem de Daniel Alves que atualmente é credor de R$ 12 milhões do São Paulo. O diretor de marketing reconhece que é "lenda" acreditar que só marketing paga o jogador e que o clube perdeu um timing de explorar sua imagem ao máximo. Mas negocia para buscar, sim, parceiros associados ao jogador para levar recursos para o São Paulo.

Blog: Há um projeto para reformar o sócio-torcedor. O clube pode não querer divulgar os planos ainda. Mas qual a ideia geral do novo sócio-torcedor? Vai se focar em benefícios por ingressos? Planos mais baratos para adesão em massa?

Eduardo Toni: De uma forma geral, no papel de marketing, o nosso projeto é trazer o maior número de parceiros especialistas na área de atuação. Especificamente para o sócio-torcedor, estamos com a Feng que é um desses parceiros. Estamos profissionalizando, terá uma empresa de license (licenciamento), pois o São Paulo tem faturamento abaixo do que pode trazer. Fizemos um processo de concorrência. Estamos fazendo as escolinhas de futebol. Isso feito por funcionários que não tinham braço para trabalhar. Estamos trazendo parceiros para construir cases de sucessos.

Blog: Em relação ao sócio-torcedor especificamente...

Eduardo Toni: O sócio-torcedor é uma fonte muito importante de renda. Nós fomos pioneiros, tivemos um número muito expressivo de sócios. Entre idas e vindas, isso acabou se perdendo. Hoje era feito pelos funcionários, internamente. Pretendemos ter o lançamento do novo plano no final de abril, início de maio. Um programa totalmente reformulado, os planos, as quantidades, os valores, os descontos, a interação digital. É mais um relançamento. O grande benefício é o desconto no preço de ingresso. Muitos clubes têm problemas com ingressos, mas temos o Morumbi que é o maior estádio privado. Nosso mote não é só dar desconto de ingressos. Para começar a construir, fomos falar com os são-paulinos. Com pessoas que já foram sócias, que nunca foram. Fizemos cinco ou seis focos groups, pesquisa quantitativa. Levantamos números que a torcida considerava importante, interação digital com matchday. Vamos ter de valores mais baratos até valores mais altos que terão descontos mais agressivos e produtos e serviços diferenciados. Não é focado apenas no desconto de ingresso. Queremos oferecer conteúdos digitais aos sócios.

Blog: Quantos sócios o São Paulo tem atualmente?

Eduardo Toni: No último número, devemos ter em torno de 30 mil ativos pagantes. Por causa da pandemia.

Blog: Quais são as metas de sócios?

Eduardo Toni: A gente não tem um número fixo. Tem alguns cenários, futebol acontecendo tem um impacto, e tem um impacto ter público. Ambicionamos chegar a três dígitos.

Blog: Após a chegada da atual diretoria, com o final do Brasileiro, o São Paulo não renovou com seu patrocinador máster Banco Inter. Por quê? Como estão as negociações de um patrocinador máster?

Eduardo Toni: O trabalho de patrocínio é o grosso da receita de marketing do São Paulo. É fator crítico de sucesso. Precisamos ter nas nossas camisas empresas grandes. Não se chegou a um acordo porque entendemos que a marca São Paulo valia mais do que estava recebendo. Se os valores não eram bons para os dois lados, não valia a pena continuar. São Paulo quer trazer empresas de ponta de volta ao mercado do futebol, empresas internacionais e globais. Temos falado com muitas empresas. Apresentamos um novo modelo de negócios, não temos uma tabela de preços. Tem uma empresa interessada, é entender quais são as dores dessa empresa, montar um projeto que se enquadre nessa empresa, redes sociais, relacionamento, ativações da marca. Dentro de nosso portfólio, oferecemos para adequar ao cliente. [Estamos] Tentando trazer empresas de grande porte do futebol. Por que a Chevrolet está no Manchester e não patrocina no Brasil? Já são marcas conhecidas é o que dizem, mas por que não está no Brasil? Estudar o mercado nacional, internacional. Neste momento, temos negociações avançadas para patrocinador máster. Naturalmente, a pandemia impactou nisso em um momento final para negociação. Já tínhamos feito reuniões com presidentes dessa multinacional. Estávamos na fase final. Quando entramos nessa fase da pandemia, a empresa optou por esperar.

Blog: O que interrompeu foi o fato de o futebol estar ameaçado de parar ou os efeitos da pandemia na própria empresa?

Eduardo Toni: As duas coisas. O futebol é o que dá mais repercussão. Mas, de uma forma geral, toda empresa reavalia todas as suas estratégias. A empresa parou porque o futebol parou e porque iríamos reavaliar.

Blog: Quanto está previsto de receita de patrocínio para o ano de 2021?

Eduardo Toni: O orçamento foi feito em um cenário [que] já se apresentava de pandemia em 2020. São valores conservadores, mas, infelizmente, o que era conservador está se tornando realista. Já passou quase um quarto do ano, o cenário econômico do país está muito ruim, as empresas não estão operando em plena. (Informa que não pode revelar os valores do orçamento)

Blog: Em sua primeira coletiva, o presidente do São Paulo, Julio Casares, disse que gostaria de renegociar o contrato do Brasileiro com a Globo para que fosse adequado ao tamanho do São Paulo. Há margem para renegociação visto que há um acordo assinado até 2024 e a Globo tem tirado dinheiro do futebol?

Eduardo Toni: Entendo isso de uma forma muita clara. Independente de Globo e São Paulo, entendemos o que o São Paulo representa no mercado internacional. O São Paulo é o clube mais conhecido fora do Brasil. É o que tem mais conquistas internacionais. É natural que coloquemos o São Paulo no maior patamar possível. Entendo que a Globo renegocia contratos, vimos movimentos em que perdeu o futebol, a Fórmula 1. Acho que é uma movimentação bem benéfica para o mercado. A Globo é o maior player. Sem se referir diretamente a ela, estamos buscando um patamar que o clube pode estar. Entendemos o posicionamento do São Paulo. Vamos mostrar com dados, com números. As forças das redes sociais, inclusive em negociações como a Globo. Para que a gente ganhe o que entendemos ser o justo para nós.

Blog: Os contratos de TV Aberta e Fechada do Brasileiro têm remunerações padrão para todos os clubes, distribuídos por fatias iguais, de posição na tabela e de exibição. Há diferença no pay-per-view onde os outros times da capital, Corinthians e Palmeiras, obtiveram valores mínimos garantidos e o São Paulo não. É por aí a negociação?

Eduardo Toni: Esse é um bom ponto. Com todo respeito ao Corinthians, Palmeiras, Flamengo, Vasco, temos a importância do mercado do São Paulo. Esse é um pleito muito justo, ter garantias mínimas. Buscar receitas igualitárias aos outros clubes. É uma questão que vamos abordar. A gente ainda tem três meses de gestão. Estamos atacando várias frentes de gestão. Mas isso está no nosso radar e vai chegar.

Blog: Há uma grande mudança na forma de exploração de direitos de transmissão no mundo como um crescimento do streaming. Na sua visão, como é a melhor forma de exploração de direitos de transmissão?

Eduardo Toni: Você tem a mudança para o VOD (Vídeo por demanda), você assiste ao que você quer, na hora que você quer, foge desses horários. O vídeo revolucionou. O esporte tem uma característica diferente porque é ao vivo e o público quer assistir na hora que está passado. Streaming chegou para ser uma nova plataforma. Pode atrair um novo público que não está ali, minha filha talvez não saiba mais mexer no controle remoto. Tenho clareza que o streaming tem importância no esporte e vai mudar a forma de arrecadação dos clubes. Clubes na Europa têm seus streaming em conteúdo e é uma fonte de receita em crescimento. É um caminho sem volta. Hoje a principal detentora tem todos os direitos. Será que não vai chegar o momento que o clube vai negociar seus jogos no streaming direto? Esse é um caminho sem volta. Pode mexer nesse negócio da arrecadação. Apostaria que, no médio prazo, vai acontecer.

Blog: São Paulo é favorável a uma negociação coletiva ou individual dos direitos de transmissão?

Eduardo Toni: Um grupo negociando você ganha força. Algumas negociações individuais podem acontecer. Na TV Aberta, um grupo pode negociar. E, no streaming, cada um cuida do seu. Pode haver um mix das coisas. Alguns canais de distribuição.

Blog: Nesta semana, foi noticiado que o São Paulo tem uma dívida de R$ 12 milhões com o Daniel Alves gerada na gestão passada. Essa dívida existe porque uma parte do salário do jogador deveria ser paga com projetos de marketing que nunca se concretizaram. O que ocorreu? Ainda é possível explorar a imagem do Daniel Alves para pagar parte dos seus salários?

Eduardo Toni: Daniel Alves é um dos principais ativos do São Paulo. É o jogador com maior número de conquistas. Tem força nas redes sociais, tem mais de 30 milhões de seguidores. Se entrega em campo, treina. É um marco e um ícone. Essa gestão já assumiu com essa questão: deveria ter sido feito um plano em 2019. Não era para pagar toda a conta, esse negócio que camisa paga jogador é um pouco de mito. Mas, na semana que ele foi apresentado, tivemos uma explosão do número de camisas, tivemos um crescimento de sócio-torcedor. Depois, precisava buscar ativações e, infelizmente, não conseguimos. Não se conseguiu concretizar esse plano. Hoje, estamos, sim, buscando: esse assunto não está esquecido. A gente tem algumas propostas, a possibilidade de ter o Daniel Alves como um parceiro. Estamos tentando trazer um investimento para dentro do clube. Mas o impacto da sua chegada já foi perdido. Houve um evento no Morumbi em que ele entrou em campo, beijou camisa. Durou meia hora e botamos 65 mil pessoas. Infelizmente, perdemos esse timing. Continuamos atrás e falando com pessoas.

Blog: Mas você acredita nessa tese de que dá para pagar um jogador com o marketing gerado por ele?

Eduardo Toni: Tem muita lenda. Essa história que o Cristiano Ronaldo chegou à Juventus e se vendeu 1 milhão de camisas na Ásia, tendo a achar que isso não é bem verdade. Claro, Cristiano é uma marca global, mas não é fácil. Não é fácil arrumar empresas para pagar todos os custos de um atleta desse. Impossível? Não é impossível, mas é difícil.

Blog: No período em que o São Paulo ganhou títulos sem sequência, de 2005 a 2008, o clube ficou com a imagem marcada por ser o soberano. Há alguma intenção da nova diretoria de criar uma nova marca?

Eduardo Toni: A gente nunca quis passar isso (soberano). Essa não era a pegada do São Paulo. O São Paulo fez um DVD sobre as conquistas do São Paulo nesse período porque vivíamos uma época de soberania. Intercalava conquistas. O São Paulo lançou um DVD que tinha esse título soberano. A gente conversa aqui dentro que esse termo tem um pouco de empáfia, cria uma antipatia. O São Paulo é o clube da fé, que a moeda que para em pé. A gente não tem uma pretensão de continuar essa marca de soberano. Quer se afastar de prepotência.