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Rodrigo Mattos

Gerson poderia deixar campo por racismo: ficou e ganhou mais do que um jogo

Gerson, do Flamengo, comemora seu gol diante do Santos pelo Brasileirão - Jorge Rodrigues/AGIF
Gerson, do Flamengo, comemora seu gol diante do Santos pelo Brasileirão Imagem: Jorge Rodrigues/AGIF

21/12/2020 04h00

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É preciso que se diga de cara que não cabe a jornalistas dizer a alguém que sofre preconceito como agir. Sair de campo e paralisar uma partida, como fizeram jogadores do PSG e do Istambul na Liga dos Campeões, é um ato que marca e obriga as entidades a se questionarem sobre o racismo. Enfrentar quem praticou a injúria em campo, seguir em campo e ganhar um jogo improvável igualmente gera uma discussão na sociedade.

Foi a opção do meio-campista Gerson, do Flamengo. Ele acusa o colombiano Índio Ramirez de lhe dizer: "Cala boca, negro". Essa frase, por óbvio, significa que você, negro, tem que ficar calado diante de mim, branco, porque eu lhe sou superior. Não há outra leitura.

Não há imagens que mostrem a ofensa, nem a arbitragem viu qualquer coisa (aliás, o árbitro Flávio Rodrigues parece ter ouvidos seletivos). Porém, parece bastante improvável, para dizer o mínimo, que Gerson fosse inventar um fato desse durante um jogo para justificar levar vantagem. Que fosse simular a sua indignação em campo, sua boca trêmula, fosse encenar uma entrevista pós-jogo revoltado, fosse escrever um texto contra o racismo.

Mas a tese do usar o racismo para levar vantagem foi o que insinuou o então técnico do Bahia Mano Menezes para Gerson. Os áudios captados pelo Sportv são claros: mostram ele primeiro chamando a acusação de Gerson de "malandragem" e, depois, o treinador pede sua expulsão por ofensa.

Essa é a praxe do futebol mundial - não só brasileiro - em relação a casos de racismo. O árbitro faz pouco caso porque nunca foi algo que as entidades lhe disseram que era importante - Flávio Rodrigues cumpriu esse papel -, e membros do time do ofensor se omitem ou ignoram - Mano cumpriu esse papel e ainda tentou levar vantagem esportiva.

Gerson fez o que lhe era possível. Foi o melhor em campo, disparado, fora os poucos minutos em que esteve desestabilizado pela ofensa. Levou seu Flamengo alquebrado e com um a menos a uma vitória improvável. Enfrentou o seu ofensor - chamemos de suposto ofensor aqui só porque ainda há uma investigação -, criou um caso. E, no fim, relatou tudo, se posicionou, de forma sóbria, correta, altiva.

Gerson ganhou o domingo de todas as formas que lhe foram possíveis. Quem o ofendeu saiu como uma derrota para lembrar por longo tempo.