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Rodrigo Mattos

É ignorância criticar atos de torcidas por democracia pelo passado violento

01/06/2020 14h36

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Não foram poucas as vezes em que torcidas organizadas foram críticas neste espaço, inclusive com pedidos de punições pesadas. Análises feitas após atos violentos, e de ódio a rivais, praticados por esses grupos. Isso não ocorreu no domingo quando os torcedores foram para as ruas no Rio de Janeiro e em São Paulo para defender bandeiras pro democracia, primeira manifestação de rua neste sentido na epidemia.

É certo que o ideal, neste momento, era que não houvesse aglomeração nenhuma seja lá com que viés por conta da disseminação crescente do coronavírus no país. Mas não se pode ignorar que há uma ameaça real à democracia nas falas autoritárias do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores.

Diante desse cenário, as torcidas - organizadas ou não - estavam no seu direito ao sair às ruas pedindo democracia para se contrapor aos seguidos protestos pedindo intervenção militar e ditadura. Estavam lá torcedores do Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo na capital paulista, e do Flamengo, no Rio. Há relato também de manifestação de atleticanos em Minas Gerais.

Foi como riscar um fósforo, como definiu um dos membros da Gaviões da Fiel, para ver se a sociedade cresce um movimento.

Ora, só um alienado pode acreditar que o esporte - e principalmente o futebol - está alijado das discussões da sociedade brasileira. Como esporte mais popular por aqui, reflete tudo que há no país, sejam discussões políticas, racismo, desigualdade social, direitos de minorias, entre outras pautas que já ocupam a esfera de nossa sociedade.

Neste contexto, as torcidas exerceram o papel que se espera delas que é se posicionar e sair em defesa de um bem maior que é a democracia. Não faz sentido e é fruto de ignorância criticar esses atos baseado nos episódios violentos anteriores das torcidas. São organizações complexas com problemas - inclusive criminais, sim - e que por isso não se limitam a uma só face.

O UOL mostrou recentemente uma organizada do São Paulo que ajudou um corintiano morador de rua a achar sua família. Fora que há torcidas criadas recentemente que não têm histórico de violência e se concentram em torcer e no bem no clube, como exemplos surgidos nos clubes cariocas como Vasco, Fluminense e Flamengo.

Não há nenhum relato de repórter ou de policiais militares que tenha partido dos torcedores qualquer provocação ou ataque inicial aos manifestantes bolsonaristas. Pelo contrário, saíram do lado dos apoiadores do presidente as incitações, inclusive com uma senhora com a bandeira do Brasil filmada com um bastão de beisebol. Imaginem se um dos torcedores com a camisa da Gaivões da Fiel estivesse com um bastão com taco de beisebol provocando rivais. Qual seria a abordagem da polícia?

Como reação, a PM de São Paulo retirou delicadamente a manifestante armada e passou a jogar bombas nos torcedores organizados que reagiram com paus e pedras. Veja que, com todos os pecados que têm torcidas organizadas, é bem comum que os conflitos em estádios comecem com bombas arremessadas por policiais quando ainda não há caos. São vários relatos neste sentido e imagens em arenas pelo Brasil.

Há um temor de que manifestações como as das organizadas - que, repita-se, foram pacíficas enquanto não provocadas - gerem reações das PMs e uma justificativa de uma escalada autoritária por parte do governo federal. Ora, se as torcidas ou qualquer um não pode sair à rua para dizer o que pensa, e só a apoiadores do presidente é permitido se manifestar sem repressão, então já está posto o autoritarismo no país.

As torcidas exerceram um dos papéis mais relevantes de sua história neste domingo ao lutar por um bem que vai além do seu time e é o próprio direito de se expressar. Lutaram portanto contra uma violência.