Topo

Rodrigo Mattos

Flamengo age como corporação fria na tragédia do CT, não como clube popular

08/02/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Na véspera da data de um ano do incêndio do CT do Ninho do Urubu, que matou dez garotos da divisão de base, o CEO do Flamengo, Reinaldo Belotti, estabelecia que familiares só poderiam fazer homenagens depois das 16 horas para não atrapalhar a preparação dos jogadores para um jogo irrelevante do Estadual do Rio. O local onde ocorreu a tragédia, um estacionamento, sequer tem contato direto com os espaços onde ficam os atletas. Diante da repercussão, o dirigente recuou.

A posição do executivo rubro-negro é um retrato da atitude padrão que teve a diretoria do clube durante esse ano após a tragédia do Ninho. Tratam o caso como se fosse um estorvo a ser revolvido no caminho da grande corporação que se tornou o Flamengo.

Desde que os dez meninos morreram, o clube contratou assessores de imprensa que gravavam os familiares após sessões de conciliação, talvez para avaliar os danos à imagem do clube. E contratou advogados especializados em indenizações por morte cuja primeira proposta era a mais baixa possível pela jurisprudência, entre R$ 300 mil e R$ 500 mil. Pressionado pela opinião pública, triplicou o valor.

A questão do valor correto das indenizações é discutível após o clube ter aumentado a oferta. Pode-se argumentar que o Flamengo paga acima da jurisprudência, e do outro lado os advogados podem alegar que, pelas circunstâncias, deveria ser muito mais - o Ministério Público pediu R$ 2 milhões, mais pensões. Mas, sem discussão, é a distância mantida pelo Flamengo das famílias.

Quase todas as entrevistas de familiares dos dez garotos mortos foram permeadas por reclamações da falta de acolhimento, de contato da diretoria do Flamengo neste período. No depoimento mais lúcido que li, o pai de Bernardo Pisetta, Darlei Pisetta, contou não sentir mágoa da instituição Flamengo, mas, sim, de sua diretoria. Disse só ter sido cumprimentado pelo presidente Rodolfo Landim, no dia do incêndio.

"Um simples bater nas costas da diretoria depois faria todo efeito, toda a diferença. Esperamos até hoje o bater nas costas. Esse gesto faria toda diferença. Cara, embarca num avião uma semana depois, vem conversar com as famílias. Vem aqui em casa 'Olha Darlei, aconteceu um acidente, vamos apurar o que aconteceu. Quanto às indenizações, os advogados vão conversar, mas nós estamos aqui para prestar todo apoio possível", disse Darlei aos repórteres do UOL.

Era simples assim. Faltou ao Flamengo contratar empatia, se apresentar, entender o sofrimento dos familiares, sofrer junto. Chamar essas famílias para viver o clube se assim quisessem e frequenta-las também. Transformar as famílias em uma parte do clube como eram os garotos. Que um funcionário, um dirigente fosse encarregado desse papel.

Ao colega do UOL Mauro Cezar Pereira, Rodrigo Dunshee de Abranches, vice do Flamengo e encarregado da parte jurídica, alegou que o contato com familiares quando há uma disputa é complicado e tem que ser mediado por advogados. Mas todos os parentes dos garotos mortos que falaram nesta semana se mostraram abertos e esperançosos que o clube tomasse essa iniciativa. Ora, era só preciso procura-los. Ficou claro que os dirigentes rubro-negros não se esforçaram para isso.

Internamente, a diretoria rubro-negra costuma justificar que é preciso proteger o clube, financeiramente e de imagem. Que agora o clube funciona como uma empresa, tem procedimentos. Essa postura profissional, empresarial, é correta ao gerir as finanças do clube o que permitiu o salto do Flamengo nos últimos anos.

Mas não cabe esse tipo de atitude medida passo a passo quando se trata com pessoas que sofreram tanto por uma tragédia que ocorreu nas dependências do clube e que matou seus filhos enquanto estavam sob responsabilidade da agremiação rubro-negra, ainda que tenha sido um acidente (responsabilidade é diferente de culpa e a polícia não concluiu o inquérito). O Flamengo não é uma corporação. Sua grandeza está em ser um clube popular que acolhe a todos, principalmente os que sofrem por ele.