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Renato Mauricio Prado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Entrevistas de Abel expõem a era mesozoica em que vivem nossos treinadores

Em menos de um ano no Brasil, Abel Ferreira foi campeão da Copa do Brasil e da Libertadores - Cesar Greco/Palmeiras
Em menos de um ano no Brasil, Abel Ferreira foi campeão da Copa do Brasil e da Libertadores Imagem: Cesar Greco/Palmeiras

Renato Maurício Prado

18/03/2021 10h54

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Nas diversas entrevistas que deu esta semana, o técnico Abel Ferreira, do Palmeiras, expôs de maneira cristalina, ainda que involuntária, a era mesozoica em que vive a maioria absoluta dos treinadores brasileiros. Chegou a ser constrangedor comparar suas respostas e explanações com o que costuma dizer e fazer a turma daqui.

Estudioso, a ponto de confessar, constrangido, que levou três livros de seu patrício José Mourinho, para ler na lua de mel (o que lhe valeu um puxão de orelhas da esposa), ele já devorou obras de Pep Guardiola, Jürgen Klopp, Jorge Jesus e Telê, entre outros.

Queixou-se, inclusive, da falta de uma bibliografia esportiva mais farta sobre os trabalhos dos técnicos daqui que procurou, mas não achou. O livro sobre o lendário ex-treinador do São Paulo (bicampeão da Libertadores e do Mundo) e da inesquecível seleção brasileira de 1982 foi o único que encontrou.

Às vésperas dos jogos contra o River Plate, pelas semifinais da Libertadores que acabaria por conquistar, Ferreira mandou comprar e dissecou também o livro de Marcelo Gallardo (treinador do River) de onde, confessa, extraiu até jogadas que já utilizou com sucesso no Palmeiras, no clássico contra o Corinthians.

Alguém, em sã consciência, imagina Vanderlei, Felipão, Renato, Mano, Abel Braga, Cuca e tantos outros brazucas bem-sucedidos por aqui, fazendo o mesmo? Luxemburgo não se cansa de dizer que não vê nada de novo no futebol e que "tudo o que está aí" ele já fazia há muito tempo? Pois é...

Foi muito interessante ouvir ainda o português explicando que não se apega ferrenhamente a nenhum tipo de tática específica. Dependendo da partida, do adversário, da escalação que manda a campo e do regulamento, ora pode orientar seus jogadores a utilizarem mais o jogo posicional, ora o funcional (que chama de propositivo), ora o reativo (como enfrentou o River Plate, na Argentina, numa das melhores exibições do Palmeiras, sob o seu comando).

Um bálsamo para quem, como eu, se irritou tantas vezes com o catalão Domènec Torrent repetindo, monocordicamente, que jogava daquela maneira (posicional) há 13 anos e não via o porquê mudar - apesar do evidente incômodo que tal estratégia gerava nos jogadores do Flamengo.

Meu companheiro Menon disse, certa vez, numa das lives que fizemos juntos aqui no UOL, que ainda achava Abel Ferreira melhor nas entrevistas do que no trabalho em si. De fato, sob o seu comando, o Palmeiras alternou ótimas atuações com desempenhos decepcionantes (como no Mundial de Clubes). Mas os títulos da Libertadores e da Copa Brasil me parecem o bastante para atestar a qualidade de seu trabalho.

É verdade que o time de Abel, mesmo com sua tríplice coroa (Paulista, Libertadores e Copa do Brasil), não se aproximou do altíssimo nível de excelência técnica e inovação tática (em termos de futebol daqui) do Flamengo de Jorge Jesus (tríplice coroado com o Carioca, o Brasileiro e a Libertadores).

Mas será muito interessante ver como o seu trabalho prosseguirá com sua inquietude em aprender e tentar mudar para evoluir:

- Se jogas sempre da mesma maneira, mais cedo ou mais tarde, seus adversários acabam aprendendo como anular-te.

Jorge Jesus provocou uma revolução com o Flamengo. Abel Ferreira ainda não chegou a tanto com o Palmeiras. Mas já faz um bem danado ao nosso arcaico futebol.