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Renato Mauricio Prado

Num par ou ímpar de pelada, escolherei sempre Maradona antes de Messi

Maradona (foto), assim como Messi, atuou pelo Barcelona no início dos anos 80 - VI/Getty Images
Maradona (foto), assim como Messi, atuou pelo Barcelona no início dos anos 80 Imagem: VI/Getty Images

31/10/2020 04h00

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Não foi o melhor jogador do mundo, simplesmente porque ninguém, nem ele com toda a sua genialidade, conseguiu se igualar a Pelé. Ainda assim virou deus em seu país, onde há até uma igreja em seu nome. Não foi nem sequer um grande atleta em termos físicos, pois treinava somente quando queria e isso era bastante para jogar tudo o que jogava. E como jogava!

- Na semana em que ele aparecia duas vezes no centro de treinamento, comemorávamos, pois sabíamos que o bicho estava garantido - me contou, certa vez, o Careca, grande amigo e parceiro nos tempos gloriosos do Napoli, bicampeão italiano, campeão da Copa da Uefa, da Copa da Itália e da Supercopa da Itália, entre 1987 e 1990.

Não foi campeão do mundo aos 18 anos porque César Menotti o achava imaturo e arrogante, embora na Argentina já houvesse um clamor de parte da imprensa e da torcida por sua convocação. As más línguas dizem que o vaidoso treinador não queria ninguém que pudesse lhe fazer sombra e o "pibe", sensação do Argentinos Junors, seria bem capaz disso.

Não ganhou a primeira Copa que disputou, em 1982, mesmo sendo o grande reforço dos campeões do mundo quatro anos antes, porque o time envelhecera e Menotti fez questão de se manter fiel à maioria dos titulares de 1978 - acabou derrotado pela Itália e pelo Brasil, sendo expulso nesse último confronto, ao agredir Batista, com um coice, inconformado com o banho de bola brasileiro, no Sarriá.

Não se abateu com o insucesso e, à frente de uma seleção argentina apenas mediana, então dirigida pelo amigo Carlos Bilardo, ganhou a sua Copa, em 1986, tornando-se o grande protagonista do torneio. Seu segundo gol contra a Inglaterra, uma autêntica obra-prima, é considerado o mais espetacular da história dos Mundiais. Sua "mano de Dios", no primeiro gol, nessa mesma partida, não seria possível em tempos de VAR, mas causou furor e foi decisivo. Sua performance individual no México é vista por muita gente como a maior da história da principal competição do futebol mundial.

Não voltou a levantar a taça quatro anos depois, na Itália, mas, uma vez mais à frente de uma Argentina com pouco brilho, chegou à grande decisão, desclassificando o Brasil, nas oitavas de final, com uma jogada antológica, na qual deixou pelo caminho uma fila de brasileiros, antes de tocar para Caniggia driblar o goleiro Taffarell e empurrar para a rede.

Não conseguiu disputar toda a Copa de 94, flagrado no antidoping e eliminado da competição, após duas atuações espetaculares, desta vez à frente de uma boa equipe. Revoltado, até hoje acusa o falecido presidente da Fifa, o brasileiro João Havelange, de tê-lo traído, pois a substância (efedrina) que usara para possibilitar o seu impressionante processo de emagrecimento (perdeu 13 quilos em curto espaço de tempo) teria sido autorizada por ele, para que pudesse disputar o Mundial, que a Fifa temia ser um fracasso de público nos EUA. Estrelas, como Maradona, eram fundamentais para divulgar o torneio e encher os estádios.

Não foi um bom técnico, embora tenha chegado a dirigir a seleção argentina - onde, nas eliminatórias, se desentendeu com Riquelme e protagonizou o maior vexame futebolístico de seu país: a humilhante goleada de 6 a 1, sofrida diante da Bolívia, em La Paz. Classificou-se na última rodada, graças a um sofrida vitória por 1 a 0, sobre o Uruguai, em Montevidéu, mas ainda assim, na Copa da África do Sul, sua figura barbada, roliça e de terno e gravata, à beira do gramado, era tão focalizada quanto a dos melhores jogadores em campo. Uma estrela. Como sempre.

Não foi, fora das quatro linhas, um bom exemplo para ninguém, viciado que se tornou em cocaína e no álcool, sobremaneira depois que encerrou a carreira. Imagens constrangedoras de sua figura obesa, muitas vezes fora de si, correram o mundo, despertando pena. Mas nem por isso a idolatria diminuiu, principalmente em seu país, onde é visto até hoje como o maior jogador que o futebol já produziu. Dizer, na Argentina, que Lionel Messi é melhor que ele soa a blasfêmia, sacrilégio - resultado direto dos desempenhos de ambos com a camisa da seleção.

Não sei se Messi entrará para a história como o melhor jogador argentino de todos os tempos. Para os mais jovens, já o é. Mas, pra mim, ainda precisa ganhar uma Copa. Como protagonista. Não tenho dúvidas, porém, de que seja como for Don Diego Armando Maradona, que acaba de fazer 60 anos, continuará a ser um personagem muito mais rico no mundo do velho e violento esporte bretão.

Não somente por seu futebol mágico, espetacular e absolutamente imprevisível (em termos 'artísticos', como diria Jorge Jesus, mais vistoso que o de seu genial compatriota), mas por tudo o que representa, inclusive esse seu lado tão humano, cheio de falhas e contradições.

Não tenho dúvidas: num par ou ímpar de pelada, escolherei sempre Dieguito, antes de Lionel. No papo posterior, na mesa de um bar, então, nem dá pra saída. Quem tem as melhores histórias pra contar?