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Renato Mauricio Prado

Bolsonaro e Landim: toma lá, da cá

Presidentes de Vasco (Alexandre Campello) e Flamengo (Rodolfo Landim) com o presidente Jair Bolsonaro e um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro - Reprodução/Instagram Flávio Bolsonaro
Presidentes de Vasco (Alexandre Campello) e Flamengo (Rodolfo Landim) com o presidente Jair Bolsonaro e um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro Imagem: Reprodução/Instagram Flávio Bolsonaro

19/06/2020 04h00

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Dentro da sua conhecida obsessão por fazer o país afrouxar as regras do isolamento social e ensaiar uma volta à normalidade, a despeito dos quase 48 mil mortos e 1 milhão de contaminados, o presidente Jair Bolsonaro sempre viu no futebol um instrumento poderoso, que poderia ajudá-lo a fazer a população "comprar" sua ideia.

Igualmente obcecado, mas por encontrar novas formas de aumentar o faturamento do Flamengo, o presidente Rodolfo Landim enxergou, em meio à pandemia, uma oportunidade. Atrás dela, aproximou-se do Palácio do Planalto e empunhou a bandeira da volta do futebol, enfim concretizada na última quinta-feira, com a vitória do rubro-negro sobre o Bangu, na penúltima rodada da fase de classificação da Taça Rio.

No mesmo dia, mais cedo, Bolsonaro publicou uma Medida Provisória que, numa canetada, transfere os direitos de negociação de transmissão dos jogos de futebol aos clubes mandantes - o grande sonho de Landim e seus pares, fato que acabou muito mais comemorado nas redes sociais rubro-negras que os gols de Arrascaeta, Bruno Henrique e Pedro Rocha, garantindo a classificação antecipada do Fla às semifinais.

Tal decisão, tomada sem consulta aos demais clubes brasileiros (!!!) ou à própria CBF, pode, entretanto, nem ser colocada em prática. Precisará ser aprovada no Congresso e, até que isso aconteça, corre risco de ser contestada na Justiça, pois os campeonatos previstos na atual temporada e nas próximas, até 2024, já tiveram seus direitos legalmente vendidos.

Tentando forçar a imediata entrada em vigor da MP, o Flamengo se fez de ingênuo e atribuiu ao Bangu, como mandante, os direitos do jogo, prontamente cedidos por esse à TV. A Rede Globo, porém, não mordeu a isca. Sem contrato com o rubro-negro, se transmitisse a partida, estaria, de certa forma, validando a nova lei e não poderia se queixar se o clube da Gávea resolvesse transmitir (como pretende) o seu próximo jogo, agora como mandante, diante do Boavista. Se houver essa tentativa, a Globo a embargará judicialmente.

Nas semifinais e finais, por se tratarem de jogo único em campo neutro, em princípio, não deveria haver mandantes. Mas não se espantem se o presidente da Federação, Rubens Lopes, grande aliado de Landim nessa volta apressada do Estadual do Rio, arrumar um jeito de atribuir ao Flamengo um mando de campo. E, neste caso, haverá nova briga na Justiça, pois a Globo tem todos os demais participantes sob contrato.

No meio de toda essa pendenga, o maior prejudicado é o torcedor rubro-negro, que segue privado de ver o seu time em ação. Os fãs incondicionais da atual diretoria dirão que não se importam, pois, ufanistas, acham que tudo vale a pena para que o clube consiga ganhar rios de dinheiro, se distanciando ainda mais dos rivais e se tornando uma espécie de Bayern de Munique tupiniquim.

Pode ser até que consiga. Mas não creio que isso ocorra já, nem tão cedo. Não através dessa Medida Provisória lançada como moeda de troca para que o Flamengo capitaneasse a volta do futebol, em meio à maior mortandade da história do país.

É provável que, no futuro, o rubro-negro encontre formas de turbinar consideravelmente os seus ganhos com os direitos de transmissão, especialmente no streaming - e estão aí mesmo a Amazon, o Netflix, o Facebook, o Google e outros players dispostos a entrar no jogo. Mas duvido que seja agora, com essa MP feita às pressas e que, certamente, será muito modificada ou mesmo anulada no Congresso.

Em tempo e voltando ao que interessa: o Flamengo sentiu a falta de ritmo (algo natural após tanto tempo parado), mas ainda assim teve bons momentos e venceu com extrema facilidade, como se estivesse fazendo um coletivo. Mesmo sem marcar, Gabigol foi o destaque. Entraram ainda, dentro da nova regra de cinco substituições, Tiago Maia, Vitinho, Michael, Diego e Pedro Rocha.

Na melancólica noite do retorno do futebol (no mesmo dia em que morriam, no hospital de campanha, ao lado, mais duas vítimas do coronavírus), a impressão que ficou é que o Flamengo é mais favorito que nunca nesse Estadual, agora marcado pela insensibilidade em relação à tragédia que vivemos e Bolsonaro e Landim fingem que não existe.