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Renato Mauricio Prado

Os timaços que me marcaram - Parte 1

Renato Maurício Prado sobre a Holanda de 1974: "A mais revolucionária equipe da história do futebol" - Werner Baum/Getty Images
Renato Maurício Prado sobre a Holanda de 1974: "A mais revolucionária equipe da história do futebol" Imagem: Werner Baum/Getty Images

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Em época de tantas reprises de jogos históricos, resolvi revisitar as minhas memórias, para relembrar os times que mais me encantaram nessa já longa estrada da vida. Não vou fazer nenhum tipo de ranking, nem me preocupar em classificar "os melhores" que vi em campo. Farei apenas um "replay" de emoções que essas equipes me causaram pelo futebol encantador e, por vezes, avassalador que praticavam. Vamos lá? A ordem será meramente cronológica - ou seja, obedecendo às épocas em que impactaram a minha vida de amante do velho e violento esporte bretão.

O Cruzeiro de Tostão

Lembro-me como se fosse hoje do espanto de meu pai com o que víamos na TV preto e branco à nossa frente. À media que os gols iam saindo, nos entreolhávamos, de boca aberta e queixo caído, como a perguntar um para o outro: que time é esse? O tal time vestia azul (na telinha aparecia cinza) e, no Mineirão, ia massacrando impiedosamente ninguém menos que o Santos de Pelé! Cinco a zero, no primeiro tempo! Seis a dois, ao final da partida, a primeira da decisão da Taça do Brasil de 1966.

Nunca tínhamos visto Gilmar dos Santos Neves, o grande goleiro bicampeão do mundo em 1958 e 1962, pela seleção brasileira, e em 1961 e 1962, pelo Santos, buscar tantas vezes a bola no fundo das redes.

- Ah, mas em São Paulo será diferente - preconizou, incrédulo, o "velho", antes de ir dormir.

Claro, pensei eu. E, novamente juntos, sorríamos na partida de volta, no Pacaembu, quando o Santos abriu 2 a 0, no primeiro tempo, com Pelé gastando a bola. Veio, porém, a segunda etapa e os mineiros, comandados por Tostão, Dirceu Lopes e Natal viraram para 3 a 2, ganhando o título e chocando o Brasil. Foi a minha primeira grande surpresa no futebol.

O time-base do Trem Azul: Raul, Pedro Paulo, William, Procópio, Neco, Piazza, Dirceu Lopes, Natal, Evaldo, Tostão e Hilton Oliveira. O técnico era Airton Moreira. Nunca mais esqueci aquelas duas noites, que provocaram também o meu primeiro grande deslumbramento no futebol. Tostão e Dirceu Lopes se firmariam a partir daí como grandes craques do futebol brasileiro e Raul, anos mais tarde, se transferiria para o Flamengo, onde foi tricampeão brasileiro, campeão da Libertadores e do Mundo.

Jamais esquecerei aquele Cruzeiro e aquelas duas partidas.

O Botafogo Bi-Bi em 1967/1968

Dirigido por Zagalo, então um jovem treinador, foi uma das bases da seleção brasileira que viria a ser tricampeã mundial, em 1970. Era uma máquina de jogar bola. Me fez sofrer muito, como torcedor, pois surrava costumeiramente o Flamengo, com requintes de crueldade.

Minha pior lembrança: Taça GB de 68 (na época era uma competição à parte do Campeonato Carioca): na última rodada, a duras penas, o Flamengo do batuta Silva conseguiu arrancar um empate heroico com o poderoso alvinegro por 0 a 0 e, por ter melhor campanha, passou a depender apenas de um outro empate com o Bonsucesso, num jogo anteriormente adiado, para conquistar o título.

Empolgado, o rubro-negro chegou a dar uma volta olímpica e o folclórico zagueiro Onça jogou camisa, calção e meiões para os torcedores da geral - voltou para o vestiário só de sunga. A certeza da conquista do Flamengo era tamanha que o Botafogo resolveu fazer um amistoso em Brasília, no final de semana seguinte.

Na quarta-feira seguinte, veio a surpresa. Apesar de dominar amplamente o jogo e criar inúmeras chances para marcar, o Fla não conseguiu balançar a rede do Bonsuça e acabou derrotado por 2 a 0, gols de Morais em dois contra-ataques. Já no Distrito Federal, a delegação alvinegra recebeu um telegrama: "Voltem porque o Flamengo perdeu"!

Foi necessária, então, uma partida extra para decidir quem seria o campeão da Taça GB. E desta vez prevaleceu a lógica: Botafogo 4 a 1, com show de Zequinha, ponta-direita que foi criado no Flamengo e tinha sido trocado com o Botafogo por Zélio - um perna-de-pau medonho.

O time base desse Botafogo espetacular era Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Waltencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Jairzinho, Roberto e Paulo César Caju. Havia ainda reservas de primeira categoria como Afonsinho, Nei Conceição, Zequinha e Ferretti. As maiores armas dessa máquina eram os lançamentos em profundidade de Gérson para Jairzinho, os dribles desconcertantes de Paulo César Caju e o faro de artilheiro de Roberto.

Um pesadelo para o meu coração de torcedor, um colírio para os meus olhos de apaixonado pelo futebol.

A Seleção brasileira de 1970

Na primeira Copa a que o Brasil assistiu pela TV, um show inesquecível daquela que, para muitos, foi a melhor seleção brasileira de todos os tempos. Cada vitória era comemorada com um carnaval nas ruas. Gérson e Jairzinho repetiam sua jogada mortal dos tempos de Botafogo; a patada atômica de Rivelino aterrorizava goleiros; Tostão, improvisado como centroavante, desnorteava zagueiros como o excelente inglês Bobby Moore, campeão do mundo, quatro anos antes, Carlos Alberto parecia uma locomotiva na lateral direita e havia... Pelé, no auge da forma!

Pelé fazendo gols decisivos, dando passes açucarados para que os companheiros marcassem e protagonizando jogadas que não acabaram em gol, mas entraram para a história, como a "boca" sem bola, no goleiro uruguaio Mazurkiewicz ou o chute do meio-campo que fez Vicktor, arqueiro da Tchecoslováquia, voltar correndo, desesperado, em direção à sua baliza, enquanto a bola chutada pelo Rei passava caprichosamente bem próxima ao seu travessão.

Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gerson; Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivelino (com Paulo César Caju entrando como titular, no lugar de Gerson, na partida mais esperada do Mundial, contra a Inglaterra) foram responsáveis pelas minhas primeiras grandes alegrias no futebol. Até hoje paro diante da TV para ver qualquer vídeo-tape daquela Copa, no México. E confesso, chorei, como bezerro desmamado, na despedida do Rei do Futebol da seleção, num amistoso contra a Iugoslávia, no Maracanã, em 1971.

Por favor, não me venham com essa bobagem de compará-lo a Maradona ou Messi, ou repetirei Bruno Henrique: é outro patamar.

O carrossel holandês

A primeira grande transformação tática que presenciei no futebol aconteceu na Copa da Alemanha, em 1974. Transmitido a cores para o Brasil (em 1970, fora em preto e branco), aquele Mundial mostrou ao planeta que havia uma nova, surpreendente e encantadora forma de jogar bola. E a equipe que a praticava vestia laranja.

Comandada pelo genial Johan Cruyff, a Holanda trucidou um a um os seus adversários até à final - inclusive o campeão mundial, Brasil, batido inapelavelmente por 2 a 0, na semi. E mais que os triunfos holandeses, impressionava como eram conseguidos. Seus jogadores não guardavam posição fixa, avançavam, juntos, como enxame de abelhas, para roubar a bola do adversário, e deixavam os atacantes rivais em quase todas as jogadas em impedimento.

Faz parte do relicário de imagens sagradas do futebol a imagem do supercraque uruguaio Pedro Rocha absolutamente perdido ao ser cercado por inúmeros holandeses no mesmo lance. Ficou sem a bola e o rumo.

Reza a lenda que, enviado por Zagallo, para espionar os jogos do adversário, o preparador físico Paulo Amaral, se exasperou ao tentar traçar num papel a movimentação dos jogadores holandeses e irritado acabou jogando fora a folha em que rabiscava o esquema tático de Rinus Michels, limitando-se a resumir para o técnico:

- É um time de pelada!

Zagallo também não levou fé:

- Jogam o tico-tico no fubá - disse em entrevista, referindo-se a forma de jogar do Ameriquinha do Rio, com muitos toques de bola e pouca efetividade.

Deu no que deu. A "Laranja Mecânica" foi à final, perdeu da pragmática Alemanha de Franz Beckenbauer, mas conquistou o coração dos torcedores e modificou o futebol no mundo inteiro, embora nunca mais ninguém tenha conseguido replicar com perfeição aquela maneira alucinante de jogar do time de Rinus Michels.

Sem Cruyff, a Holanda ainda seria vice-campeã mundial, em 1978, na Argentina. O time que ficou na memória de todos, porém, foi mesmo o de 1974: Jan Jongbloed; Wim Suurbier, Arie Haan, Wim Rijsbergen e Ruud Krol; Wim Jansen, Johan Neeskens e Van Hanegem; Rob Rensenbrink, Johan Cruyff e Johnny Rep. Técnico: Rinus Michels.

A mais revolucionária equipe da história do futebol.

Em breve

Na próxima coluna, A máquina de Francisco Horta, o Internacional de Falcão, o Flamengo de Zico, o Barcelona de Guardiola e por aí vai... Aguarde

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferente do que foi informado anteriormente, o técnico do Cruzeiro de Tostão era o Airton Moreira e não o Aimoré Moreira. E faltou o jogador Rogério na ponta-direita do time Botafogo Bi-Bi, de 67/68. Os erros foram corrigidos.