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Renato Mauricio Prado

Guerra política pode levar Sampaoli ao Flamengo

Técnico Jorge Sampaoli comanda treino do Santos em junho de 2019 - Ivan Storti/Santos FC
Técnico Jorge Sampaoli comanda treino do Santos em junho de 2019 Imagem: Ivan Storti/Santos FC

07/01/2020 12h34

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A demissão do gerente Paulo Pelaipe, contra a vontade do vice-presidente Marcos Braz e de todo o departamento de futebol do Flamengo, é apenas o primeiro tiro de uma guerra velada que já vinha sendo travada nos bastidores do clube rubro-negro há algum tempo e estava latente, disfarçada pelo estupendo sucesso do time dirigido por Jorge Jesus.

O português pode ser, inclusive, uma das próximas vítimas, e, nos corredores da Gávea, há quem aposte que o argentino Jorge Sampaoli já está apalavrado e assumirá a equipe campeã carioca, brasileira e da Libertadores ainda no início desta temporada.

As duas facções, na verdade, se digladiam desde a saída de Abel. Uma é liderada pelo vice de relações externas, Luiz Eduardo Baptista, o Bap, responsável direto pela contratação do antigo treinador e visceralmente contrário à saída dele; a outra, por Marcos Braz, vice de futebol e, com razão, ardoroso defensor de Jesus. Eles nunca foram simpáticos um a outro, mas agora a animosidade aflorou de uma forma que será difícil contornar.

Como pano de fundo da disputa, a longo prazo, estão as próximas eleições rubro-negras, daqui a dois anos. Nos planos da atual diretoria, naturalmente, há a reeleição de Rodolfo Landim e a previsão de uma sequência com o próprio Bap. Por isso, o sucesso de Marcos Braz no futebol começou a incomodar os chamados membros "puros-sangues" da chamada chapa azul original.

Braz, é importante lembrar, nunca foi desse grupo. Chegou, inclusive, a ser pré-candidato nas últimas eleições e acabou cooptado, para facilitar a vitória de Landim e trazer à nova diretoria exatamente o que faltava à anterior, de Eduardo Bandeira de Mello: conhecimento profundo do mundo do futebol, algo que os azuis nunca tiveram e ainda não têm - basta ver a total inabilidade na questão do pagamento dos prêmios dos funcionários, após as conquistas no Brasileiro e na Libertadores, gerando um clima de insatisfação geral, em Doha, às vésperas da disputa do Mundial.

Rememorando: os jogadores abriram mão de 30% de seus prêmios para distribui-los entre os empregados do Ninho do Urubu - seguranças, porteiros, secretárias, faxineiros, massagistas, roupeiros, jardineiros etc. Em princípio, os dirigentes aceitaram. Na hora de pagar, entretanto, quando fizeram as contas e perceberam que servidores humildes chegariam a ganhar até dez vezes o valor de seus salários, consideraram um absurdo e quiseram rediscutir os valores, postergando o pagamento. Diante do mal-estar geral entre os jogadores, acabaram voltando atrás e aceitando o combinado. O vazamento desse problema é, supostamente, o principal motivo da demissão de Pelaipe.

Voltando à escaramuça política, o fato é que as contratações certeiras e os títulos em sequência aumentaram consideravelmente o cacife de Marcos Braz, colocando-o numa posição de destaque superior à de Bap e, por vezes, até à do próprio presidente Landim. No momento, entre os próprios jogadores e os torcedores, o vice de futebol só é superado em prestígio pelo técnico Jesus, sua cria. Não é difícil imaginar, portanto, o efeito disso numa personalidade narcisista e egocêntrica como a do vice de relações externas.

Tal fogueira das vaidades, a curto prazo, pode causar ainda um dano bem maior: a saída de Jorge Jesus, que se tornou grande amigo de Paulo Pelaipe, a ponto de o ex-gerente de futebol ter sido o único convidado do técnico para uma festa em sua homenagem, realizada após as conquistas do ano, no restaurante Flashback, que fica no Leblon e pertence ao ex-presidente rubro-negro Kleber Leite. Posteriormente, durante as férias, Pelaipe esteve, inclusive, em Portugal, visitando o treinador português.

Se a saída dele já parece motivo suficiente para desagradar Jesus e levá-lo a não querer renovar o contrato, que vence em maio, é praticamente impossível crer na permanência do técnico, caso Marcos Braz também deixe o comando do futebol.

Tal terremoto, entretanto, não é visto como uma catástrofe por Bap e seus seguidores. Até pelo contrário, pois, assim como não gosta de Braz, o ex-presidente da Sky também não morre de amores pelo português. Criticou-o duramente, ao vivo e em grupos de WhatsApp, após a derrota por 3 a 0, para o Bahia, no Brasileiro, e se o Flamengo não tivesse eliminado o Emelec, nos pênaltis, na Libertadores, teria, com certeza, desfraldado a bandeira de sua demissão.

Bap e Wallim sempre foram ardorosos fãs de Sampaoli, que chegou a ter um pré-acordo com a dupla, antes das eleições em que ambos acabaram derrotados por Bandeira de Mello. Colocá-lo no lugar de Jesus, já nesse início de temporada é o sonho de consumo do vice de relações externas.

Para isso, entretanto, precisará se livrar de Marcos Braz e convencer o presidente Rodolfo Landim (sobre o qual tem grande ascendência) a enfrentar a ira da torcida, que já pichou os muros da sede da Gávea com frases como "Fora Bap!", "Fechados com Braz" e "Fora X-Tudo" (agência que cuida do marketing do clube, indicada pelo vaidoso cartola).

Beira o inacreditável, mas menos de um mês depois do segundo melhor ano de sua história, o Flamengo mergulha numa crise gigantesca, com final absolutamente imprevisível. Conflito, acima de tudo, gerado por escusas ambições políticas e pela soberba de um dirigente que sonha ser o Eurico Miranda da Gávea - com todos os defeitos e nenhuma das qualidades do falecido cartola vascaíno.

Momentos de Jorge Sampaoli no Santos