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Renato Mauricio Prado

Renato Mauricio Prado: Do amor a Jesus ao ódio a Neymar

Jorge Jesus observa o time do Flamengo durante jogo contra o Santos - Thiago Ribeiro/AGIF
Jorge Jesus observa o time do Flamengo durante jogo contra o Santos Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

16/09/2019 12h00

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O técnico português Jorge Jesus, no Flamengo, e Neymar, no Paris Saint Germain, viveram momentos de brilho intenso em seus últimos jogos, mas provocaram reações diametralmente opostas nas torcidas de seus clubes.

Jesus conduziu o time rubro-negro à vitória que lhe garantiu o título simbólico do primeiro turno do Campeonato Brasileiro ao bater, em um jogo taticamente irretocável, o Santos de outro treinador estrangeiro que faz, como ele, ótimo trabalho por aqui: seu xará argentino Jorge Sampaoli. Já Neymar foi o protagonista de um triunfo suado do PSG ao marcar um golaço, de pernas pro ar, já nos acréscimos.

O lusitano ouviu de um Maracanã lotado juras de amor, expressas no apaixonado coro "Olê, olê, olá, Mister, Mister". O brasileiro escutou xingamentos de toda a sorte e em vários idiomas e leu ofensas chulas no Parc des Princes, mesmo depois de salvar sua equipe de um empate constrangedor com o fraco Strasbourg. Que contraste!

Amor declarado

É impossível, mesmo para aqueles que não torcem pelo Flamengo, deixar de admirar a beleza e a eficiência do futebol praticado pela equipe de Jorge Jesus atualmente. O time é estelar, não há dúvida, mas a forma com que o treinador o armou e, principalmente, o faz jogar é que o torna ainda mais encantador. Já são seis vitórias seguidas no Brasileirão e 100% de aproveitamento no Maracanã.

Não resta dúvidas de que o grupo que recebeu de Abel (e que já era forte) foi consideravelmente reforçado, no meio do ano, com as chegadas dos laterais Rafinha e Filipe Luís (até que enfim, laterais de verdade) e do "curinga" (como ele mesmo gosta de chama-lo) Gerson (que baita jogador ele se tornou). Mas a forma que Jesus encontrou para abrigar, harmonicamente, todos os talentos entre os titulares poucos técnicos ousariam pôr em prática.

Jogando em bloco, como os mais modernos times europeus, o rubro-negro acertou aos poucos a defesa (que era inicialmente o seu ponto fraco) e já são quatro jogos sem sofrer gols, embora tenha enfrentado adversários como Palmeiras e Santos, seus mais próximos perseguidores na tabela.

Junte-se a isso um poder ofensivo avassalador (vide o número de gols e assistências do trio Gabigol, Bruno Henrique e Arrascaeta) e chega-se à fórmula que tem feito tanto sucesso após a Copa América. Talento aliado à arrojada e aplicada disposição tática. Combinação normalmente rara por aqui.

Desde o Flamengo que venceu a Copa União em 1987, com Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Aílton e Zico; Renato Gaúcho, Bebeto e Zinho, não se via um time rubro-negro tão forte do goleiro ao ponta-esquerda. Não há pontos fracos individualmente. Até o há pouco tempo contestadíssimo Wiliam Arão passou a jogar uma barbaridade com o "Mister". E, ressalte-se, agora de primeiro volante, fazendo a torcida esquecer rapidamente Cuellar.

De Diego Alves a Arrascaeta, todos sabem tratar a bola com carinho e intimidade, mas nem por isso deixam de lutar pela redonda durante os 90 minutos. E, sob a orientação de Jesus (fato ressaltado em entrevistas dos próprios jogadores), passaram a praticar um futebol taticamente moderno, eficiente e, delícia das delícias, especialmente vistoso.

Como bem ressaltou Rafinha, na roda de vestiário, após a vitória sobre o Santos, o Flamengo ainda não ganhou nada. Mas, pela primeira vez na década, parece, de fato, ter chances reais e palpáveis no Brasileiro e na Libertadores. Basta continuar evoluindo.

Porque, como repete sempre Jesus, o grande responsável pelo milagre rubro-negro, há sempre o que corrigir e melhorar.

Amém!

Ódio alimentado

Escrita em português e estendida no alambrado do Parc des Princes, a gigantesca faixa sugeria ironicamente que o pai de Neymar negociasse o filho na Vila Mimosa (antiga zona de prostituição do Rio de Janeiro). Não há mais dúvidas: os torcedores franceses passaram a nutrir enorme antipatia - no caso dos mais fanáticos, ódio mesmo - pelo craque brasileiro. Não bastasse a provocação por escrito, seu nome foi estrepitosamente vaiado quando os alto-falantes do estádio anunciaram a escalação

E como reagiu Neymar ao enfim estrear na temporada pelo Paris Saint Germain? Para começar, fez questão de ser o último a entrar em campo, de cara amarrada, sem esboçar um sorriso sequer até a bola rolar. Vaiado durante os 90 minutos, sobremaneira quando se aproximava da torcida para cobrar os escanteios, acabou decidindo o jogo, ao apagar das luzes, com um lance de gênio - fez o solitário gol da vitória parisiense de meia-bicicleta. Uma pintura. Pouco antes, havia mandado uma bola na trave (em um corner), e pouco depois ainda balançaria a rede outra vez, em gol anulado por impedimento de Di Maria.

Conseguiu, assim, as condições perfeitas para, na entrevista pós-jogo, iniciar uma tentativa de reconciliação com os franceses. Mas, novamente, como reagiu Neymar? Apresentou-se à imprensa com um ar arrogante, por vezes debochado, e confirmou que, por vontade própria, teria deixado o clube. Culpou o emir que preside a instituição pelo fracasso nas negociações e disse, com um sorriso irônico, que a partir de agora para ele todos os jogos serão "fora de casa", ressaltando que, após o golaço decisivo que marcou, os torcedores "TIVERAM" que o aplaudir...

Decididamente, a cada dia que passa, o caso de Neymar me parece mais perdido. Dentro de campo, inegavelmente, é genial. Mas fora dele, demonstra um prazer todo especial em ser odiado, inclusive no Brasil. Cheguei a pensar que, focado apenas na bola e fazendo a diferença, ele poderia se recuperar na França. Depois do que vi nessa reestreia em Paris, já tenho sérias dúvidas se isso será possível.

Por mais que jogue bem e ajude o PSG a ganhar a tão sonhada Liga dos Campeões, a impressão que ficou é que, se continuar a demonstrar tamanha arrogância, o sentimento da torcida será a de que o seu time ganhou APESAR dele, e não por causa dele. E, mais que nunca, os postos de heróis caberão a Cavani e Mbapeé (momentaneamente ausentes).

Alguém tem dúvida de que, a menos que ele gaste a bola e demonstre um mínimo de simpatia, as hostilidades continuarão? E que, em caso de qualquer insucesso, o vilão do time já estará escolhido?

Para que tudo isso, Neymar? Para que?