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Renato Mauricio Prado

Réveillon

01/01/2019 04h00

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Encontraram-se naquele local do túnel onde a luz e a sombra se confundem. Lá fora, fogos espocavam e a algazarra era total. Na solidão daquele corredor, porém, o silêncio era quase absoluto.

- Eu já vou.

Com a camisa empapada de suor, o mais velho buscava nos olhos do mais novo ao menos a solidariedade dos que chegam. O jovem, entretanto, parecia apressado. Tinha a camiseta igualmente encharcada, mas o que transpirava em seu corpo era o suor da ansiedade, não do cansaço.

- Como está o jogo? - limitou-se a perguntar nervosamente.

- Duro, como sempre - foi a respostas do que saía.

Mecanicamente, o garoto ajoelhou-se ao pé da escada que dá acesso ao campo, benzeu-se com um rápido sinal da cruz e já ia se levantando para galgar o primeiro degrau quando o outro pegou-o pelo braço.

- Espera.

Na cabeça do mais velho vinha a imagem de um tempo não tão distante assim. A mesma situação, o mesmo encontro. Só que então era ele o mais jovem.

- Estamos perdendo ou ganhando? - lembra-se de ter perguntado ao que, na ocasião, saía.

- Nem perdendo, nem ganhando. Apenas jogando - foi a enigmática resposta que recebeu.

Recebeu e não entendeu. Na verdade, nem queria entender. Tinha pressa de jogar. Pressa idêntica à que fazia com que, agora, o garoto tentasse se desvencilhar do seu braço.

- Mas o que você quer afinal? - perguntou-lhe o jovem.

O que queria? Talvez lhe contar do tropeção que levara ao assomar à escadaria e que o fizera entrar em campo catando ridículos cavacos no ar, divertindo os torcedores. Quem sabe lhe dizer da enorme desilusão ao ver anulado o seu mais belo gol - perfeitamente lícito e que só mesmo a insensibilidade de um juiz mal-intencionado como aquele poderia invalidar...

- E então? - insistiu o garoto, já puxando nervosamente o braço, ante o seu silêncio e a sua demora.

Então... então descobriu num relance, não havia o que dizer. Havia também lembranças maravilhosas, como a magia efêmera de um drible curto que nem redundou em gol, mas fez levantar a arquibancada e o seu moral. Havia toda a beleza plástica de uma jogada esculpida lance por lance e que não entrou, mas explodiu num magnífico chute no travessão. E havia, enfim, a paixão de 365 dias jogados incansavelmente.

- Vai, joga com paixão! - foi a única coisa que sussurrou antes de mergulhar definitivamente no escuro do vestiário, enquanto o outro irrompia, iluminado, no campo de jogo.

Nem perder, nem ganhar. O importante - descobria naquele instante - era mesmo jogar. Jogar, de forma apaixonada e alucinante, mais um ano no jogo da vida.

Que importa o placar?

Feliz 2019!