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Rafael Reis

REPORTAGEM

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Volante do tetra boicotou Copa América e saiu dos planos da seleção

Mauro Silva foi titular da seleção na conquista da Copa-1994 - Divulgação/CBF
Mauro Silva foi titular da seleção na conquista da Copa-1994 Imagem: Divulgação/CBF

05/06/2021 04h00

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Mauro Silva teve uma longa e vitoriosa história com a seleção brasileira. O ex-volante passou dez anos defendendo a equipe canarinho, foi titular na campanha do tetra da Copa do Mundo, em 1994, e participou de duas Copas Américas e uma Copa Ouro.

Mas o fim da sua trajetória com o uniforme mais vitorioso da história do futebol mundial foi bastante atípico.

Duas décadas atrás, em 2001, Mauro Silva começou a se despedir da seleção porque se recusou a viajar à Colômbia para disputar uma das mais polêmicas edições já realizadas da Copa América.

O camisa 5 da campanha do tetra decidiu rejeitar a convocação do técnico Luiz Felipe Scolari e boicotar a competição continental por não acreditar que havia no país-sede garantias mínimas de segurança para jogadores e torcedores.

No começo do século, a Colômbia vivia um período de extrema violência, com direito a recorrentes conflitos armados entre o Exército nacional, guerrilheiros de esquerda e forças civis de direita.

Um atentado no primeiro semestre de 2001 matou 12 pessoas e feriu um ex-técnico da seleção "cafetera" chamado Javier Álvarez. Duas semanas antes do início da Copa América, as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) sequestraram o então vice-presidente da Federação Colombiana de Futebol, Hernán Mejía Campuzano.

Por conta dos episódios extremos, a Conmebol chegou a anunciar o cancelamento do torneio. Cinco dias depois, após pressão de patrocinadores e de empresas donas dos direitos de transmissão, voltou atrás e confirmou que o torneio seria disputado em um país à beira da guerra civil.

Duas das 12 seleções participantes (Argentina e Canadá) decidiram não participar do torneio. No Brasil, também houve conversas sobre um possível boicote. No fim, só Mauro Silva decidiu levar a ideia adiante.

"Quis mostrar a minha revolta com o fato de os interesses políticos e econômicos falarem mais alto. Se, há uma semana, a Colômbia não tinha condições de realizar a Copa América, por que agora tem? O que mudou? Foi pressão dos investidores? O interesse daqueles que teriam prejuízo com o cancelamento da Copa América é mais importante do que a vida humana?", disse o ex-jogador, à época, em entrevista à "Folha de S. Paulo".

Mauro Silva chegou a ir ao embarque da seleção para a Colômbia. Foi só no aeroporto que ele comunicou Felipão sobre sua decisão de não viajar.

"É preciso mudar a postura com o futebol. Há muita gente utilizando o nosso esporte por interesses políticos e pessoais. Não sei se a minha decisão isolada vai valer alguma coisa, mas cada um tem que fazer a sua parte."

Até o episódio do boicote, o volante campeão da Copa-1994 era visto por Felipão como figura essencial na construção do time que buscava classificação para o Mundial-2002. Mas, depois do episódio, o jogador perdeu espaço e só disputou mais uma partida pela seleção (contra a Argentina, dois meses depois do boicote).

Mauro Silva jogou profissionalmente até 2005 e encerrou a carreira no La Coruña, clube espanhol que defendeu durante 13 temporadas e que o tem até hoje como um dos maiores jogadores da história. Atualmente, ele ocupa o cargo de vice-presidente da FPF (Federação Paulista de Futebol).

Vinte anos depois, a Copa América está novamente sob ameaça de boicote. Originalmente programada para ser realizada em parceria entre Argentina e Colômbia, o torneio veio parar no Brasil depois que suas antigas sedes desistiram de organizá-la por conta da pandemia da covid-19 e de protestos populares.

Só que jogadores do Brasil e também de outras seleções estão insatisfeitos com a mudança de sede e a realização do torneio em um país que também vive uma pesada crise sanitária. Por isso, há o risco de que vários nomes importantes do continente e talvez até times completos resolvam simplesmente não participar do campeonato.