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Rafael Reis

REPORTAGEM

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"O racismo destruiu meu sonho de ser jogador de futebol"

Thiago Oliveira tentou carreira no futebol dos EUA, mas diz ter sido alvo de racismo - Acervo pessoal
Thiago Oliveira tentou carreira no futebol dos EUA, mas diz ter sido alvo de racismo Imagem: Acervo pessoal

03/04/2021 04h00Atualizada em 03/04/2021 20h42

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No final da adolescência, Thiago Rodrigues de Oliveira tinha planos bem detalhados de como pretendia construir sua vida profissional de adulto. A ideia era conseguir uma bolsa de estudos em uma universidade dos Estados Unidos, obter um diploma na área esportiva, ser draftado por alguma franquia da MLS e construir uma trajetória nos campos de futebol da Major League Soccer.

Por isso, o mineiro de Tumiritinga deixou de lado a vida normal de um aspirante a jogador profissional no Brasil: recusou convite para ingressar nas categorias de base do Democrata de Governador Valadares, um time tradicional do interior do seu estado e deixou de disputar competições estaduais.

O meio-campista teve certeza que havia tomado a decisão certa quando duas instituições de ensino superior lhe ofereceram as tão sonhadas bolsas para estudar e jogar no "soccer" norte-americano.

O que Thiago não imaginava é que os aceites da Missouri Valley College, em 2015, e da Peninsula College, em 2016, não seriam suficientes para ele conseguir um visto de entrada nos EUA . E que a cor da sua pele pode ter tido um papel determinante nessa decisão.

"Fui a dois consulados, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. Tentei vistos de turismo e de estudante. Uma das vezes, me disseram que eu não tinha vínculos suficientes no Brasil e que eles não tinham certeza que eu não voltaria para cá. Em outra, falaram que eu não era o tipo de estudante que eles queriam por lá", afirmou, em entrevista por telefone.

"Achei um pouco estranho porque as entrevistas foram muito monossilábicas e secas. Depois, conversei com um amigo que mora nos EUA há 30 anos, e a primeira coisa que ele me perguntou foi se os entrevistadores eram brancos. Eles eram. Então, percebi que fui vítima de racismo."

Além da questão racial, Thiago também acredita que sofreu um preconceito extra por conta de morar em uma região de Minas Geral que é famosa pelo pesado fluxo de migração (legal e ilegal) para a América do Norte.

"Sim, tem muita gente que foi para os Estados Unidos trabalhar usando visto de turista ou usando coiotes para atravessar a fronteira com o México. Mas, mesmo assim, eles continuam dando visto para o pessoal da minha região. Comigo foi diferente. Eles nem quiseram ver a carta de recomendação que o técnico do time de futebol da universidade escreveu. Todo mundo que escuta meu relato diz que, no meu caso, o principal foi racismo."

"Durante todo o processo para tentar obter os vistos, só tive uma conversa agradável e foi com o único negro que me atendeu. Ele foi o responsável por fazer uma pré-entrevista e brincou bastante comigo, disse até que eu deveria jogar o futebol deles", recorda.

Ao todo, Thiago passou três anos tentando ir para o futebol norte-americano universitário. Em 2017, quando desistiu de vez da corrida pelas bolsas, ele já tinha 21 anos e não podia mais disputar campeonatos de base que o credenciassem a ter uma carreira profissional nos gramados.

"Perdi três anos da minha vida. Posso dizer que o racismo destruiu meu sonho de ser jogador de futebol. Fico ainda mais triste porque meu pai, que era meu maior incentivador, sonhava em ver o filho dele em uma universidade. Só que ele morreu de câncer enquanto eu estava nessa batalha para ir aos EUA."

Depois da morte do pai e com pelo menos cinco anos de atraso, Thiago acabou entrando no ensino superior, mas aqui no Brasil mesmo. Ele atualmente cursa educação física em uma faculdade mineira. O futebol virou um lazer de fim de semana, uma atividade para praticar com amigos em peladas e campeonatos amadores da região.

Mas, apesar de tudo que viveu, ele ainda sonha em ir para os EUA. Depois de formado, pretende tentar novamente seu "american dream" para fazer alguma pós-graduação ou trabalhar como técnico/preparador físico em algum time de futebol por lá. Virou uma questão de honra.

Procurada pelo "Blog do Rafael Reis, a embaixada norte-americana no Brasil emitiu uma nota oficial sobre o caso:

"A lei do Estados Unidos não nos permite comentar sobre solicitações específicas de visto. Os EUA levam extremamente a sério o compromisso de tratar todos os solicitantes de visto com respeito e de forma justa. Não discriminamos indivíduos com base em raça ou outros fatores inerentes, e os cônsules responsáveis pela concessão de vistos recebem treinamentos e supervisão extensivas para garantir que esses valores sejam demonstrados em nosso trabalho.

Embora existam muitos fatores antes das decisões sobre vistos sejam tomadas, os EUA dão boas-vindas a indivíduos de todas as origens, e as instituições de ensino norte-americanas têm um compromisso com a diversidade em área esportiva e acadêmica e outros esforços. As seções consulares em todo o Brasil e no mundo trabalham arduamente para ser um modelo desses valores em nosso trabalho todos os dias."