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Rafael Reis

REPORTAGEM

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Ex-traficante supera passado na prisão e vira técnico da moda na Escócia

David Martindale é ex-presidiário e agora faz sucesso no futebol escocês - Divulgação
David Martindale é ex-presidiário e agora faz sucesso no futebol escocês Imagem: Divulgação

07/02/2021 04h00

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Onze vitórias e três empates nos primeiros 14 jogos de sua carreira, classificação para a final de uma Copa da Liga e uma ascensão que tirou o Livingston da zona de rebaixamento para fazê-lo sonhar com a classificação para uma competição europeia na próxima temporada.

Aos 46 anos, com apenas dois meses de experiência no comando de um time profissional de futebol e já uma longa série invicta no currículo, David Martindale já conseguiu se transformar no treinador da moda na Escócia.

Mas para mergulhar nessa nova carreira, ele precisou vencer uma batalha que parou o país.

Ex-auxiliar do Livingston, Martindale assumiu interinamente o cargo de técnico do time no final de novembro e passou dois meses sem saber se a SFA (Federação Escocesa de Futebol) lhe daria a licença de trabalho necessária para poder ser efetivado na função e trabalhar tranquilamente no esporte nacional.

O motivo do entrave é o seu passado. O treinador do momento na Escócia não tem ficha limpa na polícia. Muito pelo contrário: já foi condenado por envolvimento com o crime organizado, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Por isso, passou quatro anos trancado em uma penitenciária.

Ex-jogador frustrado das categorias de base do Rangers, um dos clubes mais poderosos do país, Martindale se aproximou de grupos criminosos de Glasgow depois que o bar que ele administrava pegou fogo.

Como o estabelecimento não tinha seguro, ele ficou com um prejuízo de 60 mil libras (R$ 443 mil, na cotação atual). Em dificuldades financeiras, viu na venda de drogas uma possibilidade de recuperar esse dinheiro, "sair do buraco" e ascender socialmente.

"Minha única motivação era ganhar dinheiro, ganância mesmo. Fui criado na periferia, em um conjunto de habitações populares. Lá, queremos nos tornar o cara que dirige uma BMW ou uma Land Roger, não o que vai de um trabalho para o outro e luta para conseguir pagar o aluguel", disse o treinador, em entrevista ao jornal inglês "Guardian".

Só que, em 2004, Martindale foi pego pela polícia. Dois anos depois, durante seu julgamento, declarou-se culpado e recebeu uma pena de seis anos e seis meses de prisão. E foi justamente essa experiência que o fez mudar de vida.

Com o direito de ir e vir cerceado, ele voltou a estudar e ingressou em um curso universitário de gerenciamento de projetos. Em 2010, quando deixou a prisão, foi contratado pela faculdade onde havia estudado graças a um projeto de reinserção social que a instituição possuía.

No mesmo período, voltou a se aproximar do futebol. Primeiro, atuando em uma liga amadora da Escócia. Depois, fazendo serviço voluntário em um clube também das divisões inferiores do país.

Quando chegou ao Livingston, Martindale era um autêntico "faz tudo": recolhia bolas e cones depois dos treinos, arrumava as cadeiras da sala de imprensa para receber os jornalistas e, de vez em quando, trocava ideias com o treinador da equipe.

Depois de fazer todos os cursos necessários para ser técnico, foi ganhando mais espaço dentro do clube. Em 2018, recebeu o primeiro convite para assumir o time, mas recusou por medo que o seu passado como presidiário "queimasse" a casa que havia lhe acolhido.

A segunda oportunidade surgiu no fim do ano passado. Depois da demissão de Gary Holt e com o time sofrendo para permanecer na elite escocesa, Martindale abraçou a missão para qual vinha se preparando e, já de cara, foi eleito o "treinador do mês" na competição.

O aval para seguir trabalhando veio no finalzinho de janeiro, quando a SFA decidiu que a ficha criminal do técnico não um empecilho para que ele pudesse comandar o Livingston.

"Sempre haverá obstáculos no caminho. Mas, tudo bem, não me importo com isso. Eu mesmo criei esses obstáculos. Tenho que trabalhar mais duro que outro homem que não esteve na prisão? É provável que sim, mas isso é justo."