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OPINIÃO

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Comunidade do futebol deve ouvir Lisca e recusar risco por diversão alheia

Lisca, técnico do América-MG - Reprodução/YouTube
Lisca, técnico do América-MG Imagem: Reprodução/YouTube

04/03/2021 12h23

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Então está combinado, jogadores e os demais envolvidos no futebol devem colocar suas saúdes e as de familiares em risco para distrair as pessoas durante a pandemia de covid-19. Isso é o que se entende da declaração de José Medina, que integra o Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo.

A afirmação foi feita por ele, na última quarta (3), para justificar a manutenção das partidas de futebol no estado, apesar do endurecimento das medidas restritivas para combater a transmissão do coronavírus.

"Até este momento, [o futebol em São Paulo] vai seguir o mesmo modelo cumprido na Europa, onde vários países decretaram lockdown e mantiveram o futebol e atividade esportiva sem plateia. Até agora, a decisão que temos é de manter as atividades da mesma forma que na Europa, até porque a população precisa de algum entretenimento nesse momento muito duro [da pandemia]", disse José Medina.

Ficou claro, né? A população precisa se divertir enquanto supostamente se protege. E a turma do futebol tem que se arriscar para assegurar essa diversão.

Poucas horas depois da declaração carregada de crueldade, o Corinthians, desfalcado por um surto de covid-19, empatou em dois gols com o Palmeiras em Itaquera.

Enquanto o jogo começava, o consórcio formado por veículos de imprensa informava que o Brasil havia quebrado novo recorde de registro de mortes em 24 horas em decorrência de complicações provocadas pela covid-19 desde o início da pandemia: 1.840 óbitos.

Nesse inferno, há gente como Medina que entende ser o papel de jogadores, treinadores, árbitros e demais envolvidos no futebol abdicar do direito de se protegerem em prol da diversão alheia.

O argumento de que os protocolos sanitários nos campeonatos são eficientes não cola. Se fossem tão bons não teriam acontecido tantos surtos nos times.

Quem permite que a bola continue rolando ignora que há nos clubes profissionais que fazem parte do grupo de risco. E que jogadores aparentemente saudáveis podem levar o vírus para familiares com comorbidades.

Tão triste quanto a frase que dá um papel macabro para os profissionais do futebol é a falta de reação deles.

Nesse cenário insano, coube a quem tem o apelido de Doido gritar contra o absurdo todo.

"É quase inacreditável que saiu uma tabela da Copa do Brasil hoje, com jogos dias 10 e 17, 80 clubes que nós vamos levar com delegação de 30 pessoas para um lado e para outro do país. O nosso país parou, gente. Não tem lugar nos hospitais, eu estou perdendo amigos, estou perdendo amigos treinadores, não é hora mais, é hora de segurar a vida. Aqui no Mineiro tudo bem, é mais perto, mas vai pegar uma delegação do Sul e vai levar pra Manaus, como vocês vão fazer isso? Presidente Caboclo, pelo amor de Deus. Juninho Paulista, Tite, Cléber Xavier, as autoridades, nós estamos apavorados, pelo amor de Deus", disse Lisca, que de doido não tem nada.

Antes do desabafo do técnico do América-MG, nesta quarta, havia morrido em Manaus Ruy Scarpino, treinador de 59 anos.

Será constrangedor se jogadores e técnicos não abraçarem a causa de Lisca.

É preciso que eles rejeitem a missão de se sacrificar por horas de distração dos outros. Sem uma revolta boleira, a loucura continuará.

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