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O dia em que Diego Maradona mimou Rivellino com passes e palavras

25.11.2020 - Faixa homenageia Maradona no estádio de Marselha em partida da Liga dos Campeões entre Olympique de Marselha e Porto, na França - Nicolas Tucat/AFP
25.11.2020 - Faixa homenageia Maradona no estádio de Marselha em partida da Liga dos Campeões entre Olympique de Marselha e Porto, na França Imagem: Nicolas Tucat/AFP

25/11/2020 18h00

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Numa manhã de sábado em 1998 acordei assustado com o interfone. Eram fotógrafo e motorista do "Notícias Populares" chegando na hora marcada para irmos até Campinas, na inauguração do centro de treinamento do ex-atacante Careca.

"Logo hoje, dia de gala, o despertador não tocou", pensei enquanto me aprontava, em jejum, para a rápida viagem.

O dia era especial porque Maradona estaria lá. E jogaria futebol. Ele tinha encerrado a carreira no ano anterior. A excitação do repórter em busca de uma boa história se misturou com a do fanático por futebol por poder ver de perto um mito em ação. Ok, ele estava aposentado, mas isso não importava para mim.

Chegando lá, alguém avisou para o grande grupo de jornalistas: "infelizmente, não temos lugar para a imprensa assistir ao jogo. Vocês vão ter que sentar à beira do campo mesmo".

"Felizmente", pensei eu. Imaginei, e até aqui acertei, que nunca mais rolaria de eu ver um gigante como Diego jogando de tão perto a ponto de poder levar uma bolada.

Terminei de arrumar meu canto ao lado do gramado e a bola já estava rolando. Obviamente, a primeira coisa que víamos naquele ângulo de visão eram as pernas dos jogadores.

"Cadê o Maradona?", eu me perguntava quando me peguei olhando para a bola rolando e as chuteiras atrás dela.

De repente, um daqueles pés tratou a redonda com intimidade e carinho que os outros pareciam nem sonhar que existia. Era "El Pibe" em sua relação romântica com a pelota.

Descobri, então, o jeito mais divertido de acompanhar aquela pelada, transformada em jogo de Copa do Mundo no meu imaginário.

A brincadeira consistia em reparar nos pés de Maradona, na maneira como ele tocava na bola e comparar com que os outros faziam. Seu toque nunca era de um jeito simples. Sempre tinha um efeito, uma assinatura. Depois dos passes mágicos eu seguia a bola. Quase sempre ela parava nos pés de Rivellino. Diego estava determinado a ser garçom do ex-corintiano. Parecia uma criança jogando ao lado do ídolo. A segunda parte da frase retrata a realidade.

Para mim isso era ótimo. Uma das minhas missões era relatar a idolatria de Diego por Rivellino.

Maradona concedeu entrevista coletiva depois de desfilar no gramado. Engraçado ver como ele se derretia por Rivellino. Se deixassem, Diego ficaria o tempo todo só falando de seu ídolo, que já havia sido mimado pelo argentino em campo.

Não tinha passado pela minha cabeça que um mito do esporte poderia idolatrar de fato um colega de profissão.

Foi a segunda desconstrução que Diego provocou em minha cabeça naquele dia. Primeiro, com seus passes que faziam a bola deslizar graciosamente, sutileza que não conseguia perceber pela TV, descobri que ele era muito melhor do que minha mente, treinada na adolescência para tê-lo como rival da seleção brasileira, admitia.

Lembro como na Copa do Mundo de 1982 fui "apresentado" por meus pais ao argentino que "seria o único capaz de nos tirar o título Mundial naquele ano". Antes de a competição começar, eu nem sabia direito quem era o italiano Paolo Rossi, que se tornaria no verdadeiro algoz do Brasil na Espanha.

Vibrei com a expulsão dele no jogo com a seleção brasileira. "Inimigo abatido", era o meu pensamento.

Com o passar do tempo, a rivalidade deu lugar para a admiração aos feitos de Diego em campo. Fora dele, não cabe a mim julgar. Só a lamentar por sua morte aos 60 anos nesta quarta-feira (25).