Mauro Cezar Pereira

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Na várzea, árbitros chegam a levar cachê maior do que em jogo do Brasileiro

por Rafael Porcari*

Tudo é relativo no futebol (e no Brasil em geral), em meio, contraditoriamente, ao que é absoluto. Esse pensamento reflete sobre a seguinte pergunta: afinal, os árbitros de futebol são profissionais hoje? Depende. E depende do dinheiro, das obrigações diversas, dos direitos e dos deveres. Vamos lá!

Um árbitro da Série B do Campeonato Paulista (a 5ª divisão estadual), ganha menos de R$ 1 mil, bancando vários de seus custos. Apita uma ou duas vezes por mês, e depois que o campeonato acaba, vai buscar "trocados" nos Sub-20, Sub-17? até Sub-13. Se bobear, suas entradas empatam com suas saídas, pois tudo é por conta dele, treino, material esportivo, suplementos, remédios, plano de saúde, etc.

Logicamente, não se vive de "campeonato estadual" nas divisões inferiores. Mas e os árbitros da elite do Campeonato Brasileiro? Aí é outra história: você recebe R$ 7.280 se for FIFA, por cada trabalho. O Brasil, por ser um país importante no contexto histórico do futebol, possui o número máximo de árbitros permitidos no quadro internacional: 10.

Se não for da FIFA, o valor também é vultuoso: R$ 5.250. Considere ainda: há as estadias, viagens de avião e outras situações mais confortáveis do que seus colegas de outras divisões e/ou torneios. E quem está na elite, apita muito mais do que os demais, porque a CBF dá ritmo de jogo e existe o chamamento para outros torneios importantes, incluindo Libertadores e Sulamericana, para os árbitros internacionais.

Se você apitar todos os sábados ou domingos e em algumas rodadas no meio de semana, certamente terá uma remuneração invejável para os padrões brasileiros. O bastante para pagar um personal trainer, usar um tênis de melhor qualidade para correr, tomar vitaminas de boas marcas e, durante a semana, "abdicar" de um trabalho rotineiro.

Mas isso é o ideal? Óbvio que não. Muitos árbitros da Série A vivem somente da arbitragem e, um ou outro, exerce uma atividade profissional compatível. Sejam eles militares que permitem troca de folgas, trabalhadores liberais que fazem o seu horário, empreendedores em geral ou, uma das mais numerosas atividades, professores de Educação Física.

Mas no geral eles vivem da renda do apito, sem a obrigação de "se entregar ao profissionalismo". E explico: no mundo ideal, um árbitro de futebol profissional teria um salário fixo e um percentual por jogo apitado. Suas escalas teriam um número mínimo e um número máximo de convocações, a fim de não ficar com poucas partidas e perder o ritmo de jogo, e ao mesmo tempo ter um período de descanso compatível para não sobrecarregá-lo.

Nessa situação, teria dias pré-definidos com treinos supervisionados pelos preparadores físicos da CBF, e outros de atualização de regras com a Comissão de Arbitragem. Tudo controlado, com relatórios de desempenho e profissionais qualificados (fisiologistas, psicólogos e instrutores).

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Evidentemente, nesse modelo você não teria outra ocupação profissional e, além das cobranças de preparação, teriam obrigações de carreira, como preservação de imagem em publicidades que não condizem à atividade, veto a atuação em jogos amadores e/ou festivos fora da jurisdição da CBF, e avaliações de desempenho constantes.

Alguém tem dúvida de que treinados, focados e com dinheiro no bolso, sendo funcionários comprometidos registrados na entidade, com benefícios como plano de saúde e outras assistências que empresas responsáveis oferecem aos seus colaboradores; a coisa melhoraria? Mas como é hoje? Os já citados árbitros da elite recebem como profissionais, mas não têm o comportamento (obrigações e deveres) como tal.

Um amigo me questionou: "Mas, se colocar na ponta do lápis, um árbitro FIFA pode ultrapassar R$ 50 mil por mês. E é ele quem vai decidir se o zagueiro que ganha R$ 1 milhão fez pênalti no atacante que recebe R$ 1,5 mi. Não é justo!"

Por muito tempo pensei assim. Mas lembre-se: não é o árbitro que leva milhares de pessoas no estádio, nem ele que vende camisas ou ainda que faz um gol. Mas é ele quem atrapalha tudo isso? Enfim: o árbitro nunca pode ser o protagonista, embora sem ele não aconteça o jogo. Ademais: o salário dos árbitros top, é muito acima da média salarial do brasileiro.

Não me esqueci das outras divisões: assim como jogadores que ganham pouco, ou trabalhadores menos bem sucedidos de qualquer ramo profissional; há árbitros que vão labutar e não se destacarão. Tentarão, insistirão e não conseguirão. É a vida. Ou melhor: é o mercado de trabalho. Na quarta divisão, não devemos esperar a mesma qualidade técnica (de todos os envolvidos) da primeira.

Voltando à elite: o árbitro de hoje, que não é cobrado profissionalmente, mas ganha como tal, sem os benefícios que deveria ter, tem um comportamento amador. Ele, após um jogo profissional, não faz um recuperativo adequado. Vide o sem-número de árbitros que trabalham nos jogos amadores ganhando muito dinheiro!

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É comum que, por estarem na mídia, sejam contratados por Prefeituras para apitarem em seus municípios como atrações (ou por ligas amadoras, ou associações esportivas). E a remuneração é muito boa! Às vezes, maior do que o jogo que apitou pelo Brasileirão. E funciona assim: você apitou no sábado em algum jogo pelo Campeonato Brasileiro, e no domingo será a grande estrela do campeonato amador de uma cidade do Interior.

Por ser a atração, pelo "sacrifício" de estar "se expondo" em uma partida de amadores, cobra caro (é comum que seja uma taxa maior do que a Série A, pois está se dispondo a sair do circuito profissional). Ou seja: faturam renda extra no dia em que deveriam estar no recuperativo. Com uma vantagem: nesses jogos, são paparicados, não são vaiados e tiram fotos com os jogadores e demais admiradores, sendo o momento pop-star.

Veja vídeo no canal ?Cartoloucos", abaixo:

Em um contrato de trabalho profissional, isso seria aceito? Não! Seria dia de descanso e/ou recuperativo. Vimos o que aconteceu com o juiz Felipe Fernandes de Lima, que no sábado à noite apitou Corinthians x Mirassol e no domingo cedo desmaiou em campo apitando um jogo amador em Brumadinho, após ter viajado de carro por toda à noite? Isso, sem dúvida, é falta de profissionalismo, para alguns, ganância; para outros, oportunidade de se fazer um pé-de-meia enquanto a carreira permitir.

Quem garante que todos os árbitros que estão em campo estão descansados e/ou treinados o suficiente para apitar o jogo? Ramon Abatti Abel estava apitando "dia sim, dia não". Lógico que ganhou muito dinheiro, mas? ele passou um tempo com a família? Descansou a saúde mental (imagine a pressão de apitar jogo importante duas vezes por semana)? Releu o livro de regras? Recebeu orientação/feedback das últimas partidas trabalhadas?

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Alguns dirão: é importante "cair nas graças da Comissão de Árbitros" para estar sempre escalado e não precisar do trabalho no dia-a-dia. Isso é uma meia-verdade, pois existe uma carência de árbitros acima da média, e qualquer um que consiga ir bem, acaba sendo escalado à exaustão. É a dura realidade do futebol brasileiro. Em suma: Não falta árbitro. Falta bom árbitro.

* ex-árbitro de futebol e comentarista de arbitragem.

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