Crise do Vasco expõe não só os erros de gestão, mas as fragilidades das SAF
Ler resumo da notícia

Por Bruno Chatack Marins
No dia 5 de maio de 2025, o Vasco da Gama e sua SAF (Sociedade Anônima do Futebol) apresentaram à Justiça um plano de recuperação judicial. O objetivo: tentar reorganizar mais de R$ 600 milhões em dívidas e evitar um colapso financeiro. Mas o conteúdo do plano chama a atenção -- e preocupa -- por uma série de razões. Mas o que realmente está acontecendo?
Depois de anos de má gestão e promessas não cumpridas pela 777 Partners, grupo norte-americano que assumiu a SAF do Vasco em 2022, a situação financeira do clube ficou ainda mais delicada. Além de não cumprir acordos, a empresa deixou um rastro de dívidas com jogadores, clubes e fornecedores.
A recuperação judicial aparece como último recurso. O plano tenta convencer os credores a aceitar novos prazos e condições para receber o que têm direito. Mas nem todos sairão satisfeitos. Resumidamente, o plano divide os credores em quatro grupos principais:
1. Trabalhistas (jogadores, ex-funcionários, etc.): para quem aceitou um acordo feito via mediação (os chamados "colaboradores"), o clube promete pagar tudo em até 10 anos, com correção monetária e juros baixos. Inicialmente, cada um receberá R$ 15 mil.
Já quem não aceitou o acordo será bastante penalizado: receberá só 8% do valor da dívida, à vista, corrigido pelo IPCA e limitado a 150 salários-mínimos. Isso significa um desconto de 92%.
Esse deságio chama muita atenção, já que, pela lei brasileira, dívidas trabalhistas deveriam ter prioridade e tratamento especial. Em situações normais, uma proposta tão dura dificilmente seria aprovada.
2. Credores com garantia real (como bancos com bens em garantia). A proposta é pagar 10% do valor devido em até 19 anos, com 3 anos de carência. Ou, se o credor atrasar a entrega de dados, receber 8% à vista.
3. Quirografários e pequenas empresas (fornecedores, bancos com créditos sem garantia e parceiros em geral). As condições são as mesmas dos credores com garantia: ou aceitam receber 10% em 19 anos, ou 8% à vista, dependendo da entrega dos dados bancários.
4. Credores esportivos (jogadores, clubes e agentes com decisões na CNRD). Estes poderão optar entre seguir o plano apresentado na Justiça ou manter os termos dos acordos firmados junto à CNRD. O problema é que, em 2023, o próprio Vasco firmou um acordo semelhante na CNRD -- envolvendo mais de R$ 60 milhões. E não cumpriu. Isso gera desconfiança sobre o o novo plano, será respeitado?
É possível afirmar que a proposta do Vasco é ousada e coloca muito peso sobre os credores mais vulneráveis, especialmente os trabalhadores. Reduzir uma dívida trabalhista em 92% dificilmente seria aceito em outras recuperações judiciais dita "comuns". Além disso, o histórico recente do clube, que não honrou acordos anteriores, o que levanta dúvidas sobre sua capacidade de cumprir esse novo plano.
Mesmo com mecanismos criativos, como leilões reversos e possibilidade de novos financiamentos, o sucesso depende de um fator crucial: confiança. E essa, o clube terá que reconquistar.
De forma geral, a crise do Vasco expõe não só os erros de gestão e as fragilidades do modelo SAF, mas também o desafio de manter clubes tradicionais financeiramente saudáveis em um ambiente cada vez mais profissionalizado. O plano de recuperação judicial pode ser a última chance de reorganização, ou mais um capítulo de incertezas para um dos clubes mais tradicionais do Brasil.
Não bastasse, as finanças do clube trazem um cenário ainda mais obscuro. Para o ano de 2024, o clube divulgou seu balanço financeiro de forma assustadoramente amadora. Um documento de 4 páginas, não auditado e que reportou uma dívida impagável de R$ 1,18 bilhão de reais, face módicos R$ 299 milhões de receita.
A atual gestão, que chegou prometendo uma reestruturação completa, vive entrelaçada em polêmicas, amadorismo e más decisões, colecionando tropeços dentro e fora de campo. O clube segue sem rumo, uma das maiores e mais fiéis torcidas do Brasil agoniza e o tempo parece estar se esgotando.
* advogado especialista em direito empresarial e gestão esportiva.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.