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Mauro Cezar Pereira

Sentado à beira do caminho, o desabafo de um vascaíno de tempos sem "ismos"

São Paulo 0 x 1 Vasco na final do Brasileiro de 1989: título vascaíno no Morumbi com gol de Sorato - Juca Rodrigues/Folhapress
São Paulo 0 x 1 Vasco na final do Brasileiro de 1989: título vascaíno no Morumbi com gol de Sorato Imagem: Juca Rodrigues/Folhapress

13/10/2020 04h00

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por Cal Gomes*

Aqui estou eu, mais uma vez, quebrando uma promessa. E, mais uma vez, me peguei sentado à beira do caminho, melancólico, como a canção do vascaíno Erasmo Carlos. Parei na estradinha de terra que dá aqui para o sítio, no interior do Espírito Santo, local do meu auto-exílio em que me encontro desde 2017, para pensar nos problemas do meu clube de futebol.

Quando o amigo Mauro Cezar Pereira me convidou para escrever um texto desabafo sobre essa interminável má fase do Vasco, um dos maiores amores da minha vida, relutei por umas duas dúzias de horas e por quase uma dezena de motivos. Um deles é que não desejava quebrar outra promessa. A de que só iria voltar a me estressar com o futebol quando esse tenebroso país estivesse enfrentando essa assustadora pandemia de maneira séria e responsável.

Porém, a dor que sinto por ver tantas mortes de irmãos brasileiros virando frios números, meras estatísticas, tem dado, nos últimos dias, passagem para que eu buscasse, outra vez, disfarçá-la, me aborrecendo com situações, digamos, mais amenas, menos graves, como as do meu time do coração. E, antes de começar, peço licença ao grande José Trajano para utilizar a expressão, que ele sempre faz questão de usar, do imenso Leonel Brizola, quando se refere ao seu tempo de estrada: "Eu venho de longe".

Mancuso, do Flamengo, e Edmundo, disputam a bola em 1997: ano de título nacional vascaíno - Reprodução - Reprodução
Mancuso, do Flamengo, e Edmundo, do Vasco, disputam a bola em 1997: ano de título nacional vascaíno
Imagem: Reprodução

Sim, meninas e meninos. Eu também vim de longe. Como torcedor apaixonado, sou do tempo de um Vasco vencedor. Times de jogadores espetaculares e comandados por treinadores que encheram nossa gloriosa história de títulos e vitórias. De 1970 para cá, desde que acompanho o meu clube, assisti Tim, Mário Travaglini, o saudoso amigo Paulo Emílio, Orlando Fantoni, Sebastião Lazaroni, Nelsinho Rosa, Jair Pereira, Joel Santana, Ricardo Gomes, e o maior vencedor de todos, Antônio Lopes.

Eles encherem a sala de troféus de São Januário de taças conquistadas com sangue, suor e lágrimas. E todos eles não precisaram que os seus valorosos nomes recebessem esse famigerado sufixo "ismo" como símbolo de um estilo de jogar futebol. Eles montavam seus times, treinavam seus times, e venciam com seus times.

A minha geração de torcedores vascaínos viveu, sorriu e chorou de forma não menos intensa, mesmo com as limitações impostas pelas épocas analógicas, sem acesso a todas essas variedades midiáticas que a de hoje possui. E é até compreensível que essa nova geração de vascaínos, carente de grandes títulos e de times brilhantes, crie fantasias no seu cotidiano das redes sociais, no seu imaginário, que lhe dê suporte para aguentar anos seguidos de derrotas e humilhações.

Romário conversa com o técnico Oswaldo de Oliveira no Vasco, em 2000 - Julio César Guimarães / Lancepress - Julio César Guimarães / Lancepress
Romário conversa com o técnico Oswaldo de Oliveira no Vasco, em 2000: time campeão brasileiro
Imagem: Julio César Guimarães / Lancepress

É aceitável que esse mundo paralelo seja criado para trazer um pouco de luz e brisa na sua realidade cada dia mais dolorosa, mas, ao mesmo tempo, é altamente perigoso que toda essa fuga da realidade que vive o clube seja utilizada por dirigentes golpistas, oportunistas, inescrupulosos e incompetentes que tomaram para si, de forma desonesta, arrogante, anti-democrática, o Vasco nestes longos e tristes anos de derrotas, frustrações e rebaixamentos.

Se é até aceitável, compreensível, que torcedores carentes utilizem raros e curtos momentos de sucesso como forma de escapismo da dura realidade que vivem com o nosso time, é condenável que setores da mídia e da imprensa esportiva sejam sócios, parceiros, dessa mentira em quem muitos apaixonados vivem..

Não é tolerável que muitos que deveriam entender todo o momento crítico que a sociedade brasileira, como um todo, atravessa, colaborem para que exageros, mesmo esses entre torcedores fanáticos e seus devaneios clubísticos, sejam normalizados, e que fatos não sejam analisados de forma séria e honesta.

Se não bastasse essa grande quantidade de torcedores, "influenciadores digitais", espalhados nas redes sociais e nos canais de vídeos, conduzindo, de forma perversa e alienante, uma legião de apaixonados vulneráveis, é duro constatar que uma parte significativa da imprensa, em busca de visibilidade, cliques, audiência, desça de suas responsabilidades jornalísticas, com a verdade e a seriedade, e se iguale aos que falam mais com o coração do que com a razão.

Romário SBT Vasco - Antônio Gaudério/Folhapress - Antônio Gaudério/Folhapress
Romário comemora o título brasileiro em 2000
Imagem: Antônio Gaudério/Folhapress

Não é tolerável que grande parte dessas centenas de analistas de futebol que se espalham pelos canais de TVs, de vídeos, pelos jornais, blogs, rádios, podcasts, se apoie em ondas movidas por torcedores das redes sociais. Se respeitem e nos respeitem.

E, para finalizar, digo que depois de anos, após o golpe arquitetado pelo nefasto Eurico Miranda, que colocou, através de um golpe sórdido, Alexandre Campello na presidência do clube, deixei de ser sócio do Vasco. Por isso, não votarei nas eleições de novembro, mas meu candidato, sem qualquer dúvida, é Jorge Salgado, que, na minha opinião, é o melhor preparado e com mais responsabilidade democrática e senso de união para que, finalmente, verdadeiramente, o clube seja reconstruído.

E se ele, ou qualquer outro, for eleito, de forma limpa e honesta, pelos sócios, voltarei a pagar o meu título e voltar a contribuir com o clube, como fiz durante anos. Até lá, continuarei sentado à beira do caminho torcendo para que o nosso Vasco, forte, vencedor, campeão, democrático, venha me buscar de volta. Saudações.

* publicitário e vascaíno

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