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Mauro Cezar Pereira

Dinheiro do futebol na TV bateu no teto, chegou ao limite, diz especialista

Bruno Maia, ex-vice-presidente de marketing do Vasco, durante entrevista  - Divulgação
Bruno Maia, ex-vice-presidente de marketing do Vasco, durante entrevista Imagem: Divulgação

16/05/2020 04h00

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Os valores dos direitos de transmissão dos jogos de futebol pela televisão atingiram níveis elevadíssimos nos últimos anos. Os atuais de custos são compatíveis com a realidade do mercado atual? Para o executivo de marketing Bruno Maia, a resposta é "não".

O blog entrevistou o executivo de marketing, especialista em inovação e novos negócios na indústria do esporte e apresentador do podcast "Daqui Pra Frente", que trata de tais temas. Ele é sócio da 14, agência de conteúdo estratégico e foi vice-presidente de marketing do Vasco da Gama.

Por que você afirma que os direitos de transmissão de futebol pela televisão bateram no teto?
Quem trouxe esse ponto foi Jaume Roures, fundador da espanhola MediaPro, em entrevista à AFP, no fim de abril. Ele aponta um problema que já vinha sendo discutidos em alguns painéis e eventos na Europa no fim de 2019, mas ainda estava meio restrito, o de que as cifras atingidas pelos custos dos direitos de transmissão do futebol mundial parecem ter atingido o teto para os próximos anos. Quase ninguém está falando disso, especialmente no Brasil. O cenário digital, as promessas de valorização de ativos e distribuição cada vez mais globalizada de todos os campeonatos insta dirigentes a planejarem receitas crescentes nos próximos anos para esta que segue sendo a maior fonte de financiamento dos clubes ao redor do planeta. Porém a conta está mais apertada e talvez já tenhamos até passado do teto. Provavelmente, já.

Quais as mudanças mais nítidas no mercado?
Vivemos na fase de diminuição das bases de consumidores ligados a TVs por Assinatura. Os números são estridentes neste sentido em todo mundo. Por outro, vivemos o crescimento das plataformas de consumo on demand e OTTs (sigla em inglês para "Over The Top", serviço de mídia de streaming oferecido via Internet), que permitem a venda direta ao consumidor e customização máxima da experiência de consumo de esportes. Uma das características desta nova etapa é a entrada de players globais na briga por direitos que viviam concentrados com empresas locais. Aí o futebol brasileiro deve ser envolvido, mudando sua forma de distribuição já na próxima janela, e a pulverização dos investimentos em mais modalidades e territórios.

O mercado ainda crescerá?
Em pesquisa lançada pela consultoria inglesa Ampere Analytics no fim do ano passado e apresentada no SportsPro OTT Summit, em Madri, o número de empresas comprando direitos esportivos apenas na Europa Ocidental ano passado chegava a 98, enquanto América do Sul e Central, juntas, ainda apresentavam 13 investidores. O mercado ainda vai crescer bastante. Só que isso não é suficiente para justificar otimismo na capacidade de se captar mais dinheiro com direitos.

A conta de empresas que transmitem especificamente por streaming e entraram há pouco no mercado fecha? Como?
Algumas experiências vem apontando para o estresse da conta entre investimento e retorno. Vamos a dois exemplos. Um deles é o DAZN na Itália, território na qual a plataforma de streaming é um dos principais detentores de direitos do campeonato italiano. Normalmente o campeonato local é a maior mola de conversão de vendas. Na citada pesquisa, a Ampere investiga o potencial de retorno dos investimentos no modelo da DAZN. Os estudos demonstram que, em 2019, 27% dos usuários de internet na Itália estariam dispostos a pagar para ter acesso a um dos campeonatos esportivos que estavam entre aqueles que o DAZN detinha para o país, como Serie A, La Liga, NFL, UFC, MLB, FA Cup, Libertadores, Ligue 1, entre outros. Mas isso não é suficiente para cobrir nem a compra dos direitos nacionais por lá.

São metas difíceis, não?
Simplificando o que o estudo de conversão apresentado na pesquisa mostra, se 50% das pessoas que declararam ter interesse nestes produtos topasse, de fato, adquirir uma assinatura, isso seria em torno de 2,2 milhões de italianos aderindo ao modelos nos próximos anos. Fora a excepcionalidade que seria uma taxa espetacular de conversão como a da simulação, a curva entre o aumento de receita com o da base de assinantes e os gastos com custos de direitos seria assim. Para poder corrigir a curva deficitária e atingir o ponto de equilíbrio, seriam necessários 5,6 milhões de assinantes. Ou seja, bem mais do que o dobro da população que se mostra interessada neste tipo de produto por agora.

E na Inglaterra?
Na Premier League, cujos direitos apenas para exibição interna no Reino Unido foram negociados a 1,5 bilhão de libras, a conta é parecida. Para recuperar este investimento a uma assinatura média de 10 libras por 12 meses, e lembre-se de descontar 20% de imposto; que é o valor médio cobrado hoje, é necessário uma audiência de 15,5 milhões de assinantes. Sendo que o número total de assinantes totais de TV por assinatura não chega a 10 milhões por lá. E desses, hoje, só 45% contratam algum pacote relacionado a esporte. Na melhor das hipóteses, se todos estes fossem convertidos ao modelo OTT, seria necessário quase quadruplicar o preço atual da assinatura, o que certamente geraria queda no número de vendas.

Qual seria o modelo mais adequado?
Uma conclusão é inevitável e encontra eco no que disse Roures: enquanto o mercado de TV por assinatura cai e o de streaming não se consolida, os valores atuais não têm como gerar o mesmo retorno aos seus investidores. No futuro, quando um modelo híbrido se assentar na rotina do consumo, misturando tanto a assinatura direta de conteúdos quanto a publicidade, tendo uma percepção de valor maior de quem paga que, então, se tornará mais tolerante a gastar mais neste produto, a coisa deve encontrar um caminho. Podemos observar, por exemplo, a subida de preços da assinatura do Netflix no Brasil nos últimos anos, graças ao fato do brasileiro estar cada vez mais entendendo e dando valor para este serviço.


E falando nisso, quanto aos preços, qual a tendência?
Estamos no meio dessa estrada, em um lugar onde pagou-se muito para manter-se um modelo de exclusividades ou para se criar vantagens competitivas de largada no mundo do OTT, mas que não irão se sustentar desta maneira, pois não viveremos um modelo monopolista. Fora que a quantidade de ofertas de conteúdo a disputar o bolso do consumidor será apresentada de forma diferente e não encontrará demanda proporcional. Co oferta maior que demanda, preços caem.

O futebol disputa esse dinheiro do torcedor/consumidor com outros segmentos?
Claro que vão existir outras formas de composição da receita para sustentar o modelo OTT e das TVs por assinatura, bem como a receita dos clubes tende a ser cada vez mais diversificada. O problema dessa frase é o verbo "tender". Ele não aponta quando teremos a conclusão e até lá, o que nos resta, objetivamente, é um teto bem claro a esmagar pela cabeça quem está abaixo dele. É recomendável fazer algumas contas e projeções para não contar com o ovo ainda dentro da galinha. E lembrar que, por maior que seja a paixão do torcedor, ela realmente disputa o bolso com todos os outros interesses dele e a conta nunca vai fechar por uma multiplicação direta entre a base potencial de consumidores e o valor cobrado a cada um deles. Não cola. As taxas de conversão são cada vez menores, pois há mais gente disputando, vários deles fora do futebol, inclusive.