Lucca, Mujica e o tempo

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POR LUCCA BOPP*
Aos 17 anos não podemos dirigir nem beber. Aos 17 anos, podemos votar, mas só se quisermos. Aos 17 anos estamos nos preparando para prestar vestibular. Para mim, que hoje tem quase o dobro dessa idade, parece outra Era Geológica. Mas ontem, aos 45 do segundo tempo no Morumbi, numa noite fria de Libertadores - impressões digitais são-paulinas - meu xará promoveu uma viagem no tempo. Lucca partiu pra cima dos zagueiros paraguaios e mostrou pra eles que somos livres aos 17. Mais: mostrou pra vinte milhões de torcedores que a irresponsabilidade adolescente ainda é uma ferramenta poderosa no futebol.
No primeiro toque na bola, Lucca driblou um zagueiro e caiu de um jeito meio estranho, revelando que ainda não tem a musculatura ideal para os profissionais. Mas conseguiu um escanteio, aos trancos e barrancos. Nessa fase da vida, tudo é aos trancos e barrancos: o primeiro beijo, a primeira vez, o primeiro boletim… e, ao que parece, o primeiro escanteio. O lance inaugural de Lucca como profissional do São Paulo foi só uma prévia do que faria cinco minutos depois. E já que estamos falando da passagem do tempo, o que são 5 minutos num jogo de futebol? O que pode acontecer em 300 segundos quando se disputa uma partida importante de Libertadores? Ninguém sabe, ninguém nunca saberá.
Li um artigo científico outro dia que dizia que a vida "passa mais devagar" quando somos mais jovens porque na infância e na adolescência estamos experimentando coisas pela primeira vez o tempo inteiro; estamos descobrindo o mundo. E, nesse processo, nosso cérebro leva mais tempo para assimilar os estímulos todos, provocando a sensação de que a vida demora mais. Quando crescemos e somos engolidos pela rotina do trabalho e do mundo corporativo, o tempo voa. Justamente porque o cérebro já automatizou a maioria das coisas que nos atravessam: o despertador, o metrô, o crachá, o restaurante por quilo, a planilha de Excel.
Pepe Mujica, um dos maiores seres humanos de todos os tempos e que nos deixou essa semana, nos ensinou que "triunfar não é ganhar; triunfar é se levantar todas as vezes que caímos." Lucca caiu no primeiro drible. Lucca fez o gol no segundo. Mujica também disse que "a única coisa que não se pode comprar é a vida." Por isso, o que Lucca viveu ontem não tem preço. Não existe nenhum são-paulino que não tenha sonhado em viver o que esse moleque viveu ontem. Quando gritaram o nome dele na arquibancada, pela coincidência do nome eu fiquei emocionado. Lembrei dos meus 17 anos, quando eu queria ter meu nome gritado no Morumbi enquanto o São Paulo era tricampeão brasileiro e metia medo em todo mundo. Hoje ainda somos respeitados, evidente, mas os tempos mudaram.
Lucca jamais vai se esquecer do que aconteceu ontem. Classificou o time do coração porque foi o que um adolescente tem que ser: teimoso, irresponsável, desobediente. Se duas vezes quase entrou em campo, mas teve que voltar pro banco, era porque seu destino estava desenhado para essa quarta-feira. Sua estreia teria que ser assim, para que sua primeira memória jogando pelos adultos do São Paulo tivesse esse capítulo. Os filhos e os netos do Lucca vão ouvir essa história. Serão adolescentes orgulhosos do avô.
O eleito herói do jogo tem mais espinhas na cara do que jogos como profissional. E o futebol, este velho cada vez mais cínico e carrancudo, rejuvenesce quando um adolescente desafia a lógica e faz coisa de gente grande.
Ontem, Lucca transformou a noite de Libertadores em noite de liberdade.
Azar do Libertad.
*Lucca Bopp é escritor e comentarista.
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