Sobre Adriano (o ex-imperador) e o Brasil

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POR RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO
A vida é muito curta para desperdiçá-la com livros medianos ou ruins. O problema é que há milhares de livros muito bons ou magníficos, que poderiam ocupar todos os dias (e noites) da vida de um leitor dedicado. Outro problema, ainda maior, é a escassez de tempo para dedicação, mesmo que não exclusiva, à leitura: trabalho, família, esportes e outras atividades prazerosas ou necessárias disputam o "bem" mais precioso de todo ser humano.
Por tais motivos, a escolha de leitura ou de releitura de obras essenciais não é uma tarefa simples. Toda escolha implica, necessariamente, muitos preterimentos, alguns temporários, outros, talvez, eternos, pois a lista de desejos somente aumenta, com novos lançamentos ou relançamentos.
Livros que envolvem futebol, por razões particulares, integram uma lista à parte, que é vencida, ou melhor, atacada (mesmo que não façam parte dos livros magníficos), sem método ou cronologia; a atração é passional, sobretudo. Não quer dizer que não sejam bons; ao contrário. Mesmo que não se enquadrem na categoria de alta literatura.
Nessa lista, e atrás de outros títulos, estava "Adriano: meu medo maior" (Planeta do Brasil, 2024). Considerando, ainda, a outra e maior lista, que reúne todos os demais temas de interesse, achei que o livro não seria lido antes de 2027. Mas não foi o que ocorreu, por "culpa" do músico Nando Reis, que o recomendou enfaticamente.
Para não interromper as leituras em curso ou para não furar a fila, criei um subterfúgio, introduzindo-o em momentos em que, de modo regular, não estaria lendo (o que significa que o lia, inicialmente, enquanto fazia outra coisa, como andar na rua). E logo me deparei com a pressa de vencer as quase 500 páginas de um relato em primeira pessoa que poderia, não fossem detalhes ou eventualidades (sorte ou azar), não ter existido. Ou ter tido um desfecho monumentalmente distinto.
Trata-se, a propósito, de um relato que, respeitadas as muitas peculiaridades, poderia se assemelhar a outros que, conforme o imaginário ou os padrões dominantes, tiveram final feliz: pobreza, dificuldades, esforços, superações, sucesso, riqueza, aproveitamento do sucesso associado à idolatria e legado.
Tais roteiros, com final feliz, são conhecidos do grande público e explorados, em diversas circunstâncias e atividades, em programas de televisão ou em matérias sensacionalistas, para lembrar que o trabalhador que ralar loucamente e se enquadrar no sistema pode, sim, conquistar seu espaço dentre os privilegiados. Mas, com Adriano, os capítulos que se seguiram à queda do seu império futebolístico foram mais mundanos (ainda assim, notáveis).
A narrativa se torna mais rica justamente por conta de tantas idiossincrasias e, em especial, pelo aparente descaso com a manutenção de certos símbolos que imperam em nossa sociedade capitalista e elitista. Ele foi o que, na infância, poucos concebiam que fosse; mas deixou de ser, após o estrelato, o que a maioria apostava que seria.
Apesar de tudo, Adriano teve a oportunidade de escolher entre se tornar um produto midiático e "monetizável" - e construir um império econômico - ou manter as origens; isso mesmo após os dilemas, as crises e o fim prematuro de sua carreira.
Talvez não tenha sido uma escolha, mas uma consequência de fatores ou eventos pessoais, psicológicos e de outras naturezas, que o levaram a seguir um caminho que a imprensa, os agentes que integram o sistema do futebol e os seus fãs não imaginavam (e, por isso, ainda ficam perplexos; afinal, ele poderia ter ganhado copa do mundo, bola de ouro e muito, muito mais dinheiro). Pouco importou (ou importa), para Adriano: ele foi e continua sendo, Adriano, o Imperador de suas decisões.
Ao contrário dele, a maioria dos meninos e meninas que nasce e vive em comunidades, de qualquer localidade ou região do país, passa longe de ter alguma perspectiva transformadora, social e econômica. Isto fica evidente quando Adriano relata a percepção que teve ao ser inscrito na escolinha de futebol do Flamengo, graças ao esforço quase sobre humano (para não dizer desumano) de sua família, especialmente de sua mãe e sua avó:
"(...) não é que eles eram diferentes. Eu é que não era igual a ninguém. Todo mundo com cara de riquinho. Dando risada à toa. Correndo na maior alegria como se fossem amigos desde a maternidade. Mulheres vestidas de branco na arquibancada. Mães emperiquitadas empurrando uns carrinhos que eu nunca tinha visto antes. Eu era o estranho naquele lugar. Isso ficou claro desde o primeiro minuto (...)".
Era e continua sendo.
A narrativa confirma, aliás, o que se defende neste espaço (não de modo singular, pois consiste, também, na bandeira de outras pessoas que lutam por uma sociedade mais justa): em países marcados pela desigualdade, o futebol talvez seja a única esperança de parcela relevante das populações desfavorecidas. E, como não há lugar para todos dentro de campo, ele deveria ser a via de conexão e de flutuação entre as camadas sociais.
Adriano, enfim, é um vencedor, em função de seu talento, evidentemente, mas, também, da vontade de sua mãe e de sua avó, e da sorte - como ele narra no livro. E uma exceção; que poderia se tornar regra se houvesse real interesse do Estado e da iniciativa privada na adoção de políticas e projetos voltados à educação e à inserção social pelo futebol.
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