Memphis Depay: amor ou ódio?
POR FELIPE DOS SANTOS*
Que a chegada do novo atacante do Corinthians é temerária em termos financeiros, já é escusado dizer.
Basta citar que a confirmação da contratação já fez a imprensa holandesa se informar um pouco mais sobre o clube brasileiro.
A revista "Voetbal International", mais prestigiada publicação sobre futebol nos Países Baixos, citou textualmente em matéria desta segunda: "O Corinthians espera trazer sangue novo em uma má fase. O clube está na zona de rebaixamento, e também tem problemas financeiros. No Brasil, também há dúvidas sobre como Depay será pago, dadas as dívidas altas. O principal patrocinador do clube - Esportes da Sorte, uma empresa de apostas -, estaria fortemente envolvida na vinda de Depay, segundo a imprensa brasileira. As autoridades brasileiras já teriam começado uma investigação sobre a influência de casas de aposta em clubes do país".
Para além desse fator extracampo, porém, convém dizer que Memphis Depay tem condições de despertar na torcida corintiana as mesmas sensações que desperta em seu país natal: amor e ódio.
No amor, é mais fácil reconhecer: Memphis é um bom atacante. Não é um craque, em absoluto. Mas um nome que é o segundo maior goleador da história da seleção masculina da Holanda - 46 gols, só quatro abaixo do recordista Van Persie -, que tem duas Copas do Mundo e duas Eurocopas no currículo, tem suas qualidades inegáveis. No ataque, oferece possibilidade de jogar em duas posições. Pelas pontas, onde começou jogando, e pelo meio do ataque. Mas como um atacante móvel, sem ficar parado na área. E se ganhar entrosamento para tabelar com um parceiro de ataque, jogará como melhor faz: dando velocidade aos avanços, com a bola nos pés.
Porém, o ódio está "ganhando". Porque as dificuldades de Memphis - como prefere ser chamado, em razão do abandono de sua família pelo pai que lhe deu o sobrenome - estão mais avolumadas nos últimos tempos.
Para começo de conversa, as lesões, principalmente as musculares, na parte posterior da coxa. No Atlético de Madrid, clube mais recente por que passou, Memphis sofreu quatro lesões nesse mesmo local entre 2023 e agora - no ano passado, em abril, maio e dezembro; neste, em abril. E isso influi em sua queda de produção pela seleção alaranjada.
Na Copa de 2022, por causa de outro problema muscular na coxa (sofrido em setembro daquele ano), só voltou a jogar no Mundial em si. E ainda assim, aos poucos. Na fase de grupos, 28 minutos na estreia da Holanda, contra Senegal; 45 minutos contra o Equador; 66 minutos, começando como titular, contra o Catar. No mata-mata, até marcou um gol - nas oitavas de final, contra os Estados Unidos -, mas não brilhou. Tanto que foi substituído no meio do tempo normal, contra a Argentina, nas quartas de final.
Na Eurocopa recém-realizada, a situação de Memphis Depay não mudou muito. Mesmo titular, foi altamente criticado pela torcida holandesa: considerado lento, esperando demais a bola no pé, sem acelerar contra-ataques, um nome que deveria até perder posição (mesmo que fosse para alguém menos técnico, como Wout Weghorst). O próprio Memphis reconheceu, contra a França (fase de grupos), que não vinha bem. Para piorar, na semifinal contra a Inglaterra, outra vez os músculos da parte posterior da coxa o atrapalharam: o atacante foi substituído já aos 35 minutos do primeiro tempo.
De mais a mais, mesmo bom jogador, Memphis nunca conseguiu se sobressair em situações exigentes. Em sua carreira, teve sucesso em clubes grandes, mas de menor responsabilidade: PSV e Lyon. No Manchester United e no Barcelona, decepcionou. E mesmo com mais utilidade no Atlético de Madrid, também não se estabilizou como titular. Na seleção holandesa, que defende desde 2013, tampouco: em más fases - ausências na Euro 2016 e Copa de 2018 - e eliminações - Euro 2020, Copa de 2022, Euro 2024 -, não conseguiu ser o nome que catalisasse uma reação da Laranja.
Com isso, fica mais difícil Memphis escapar do julgamento popular por algumas posturas fora de campo. Algumas, mais inofensivas, como a carreira musical (é um nome incursado pelo rap) ou mesmo o comportamento extravagante. Outras, mais impactantes para alguns, como sua proximidade com jogadores acusados de crimes. Ou mesmo punidos - caso de Daniel Alves e Quincy Promes (este, atacante holandês detido por tráfico de drogas). Mesmo que não tenha pago a fiança que liberou o brasileiro, boato que se popularizou, Memphis assume a proximidade, como em declaração dada ao jornalista - e biógrafo - Simon Zwartkruis, em março: "Sou amigo de outros jogadores com casos assim: Dani Alves, Benjamin Mendy. Se sou amigo de alguém, não deixo essa pessoa na mão nunca. Isso não significa que eu ache bom tudo que essa pessoa faz. Ou que eu saiba de tudo que a pessoa faz ou não faz. O Quincy Promes que eu conheço, vocês [jornalistas] não conhecem". Sem dúvida, um complicador num clube como o Corinthians, em que alas da torcida enfatizam as questões sociais - a malogradíssima contratação de Cuca que o diga.
Ainda assim, tecnicamente, Memphis pode ajudar. Muito provavelmente, seguirá no radar das convocações de Ronald Koeman, o técnico da Holanda - por mais que tenha defenestrado outro jogador (Steven Bergwijn) que preferiu se transferir para a Arábia Saudita, Koeman entende que Memphis é um líder do grupo atual holandês, gosta do jogador e já declarou que o mais importante é que ele tenha forma e ritmo de jogo, mesmo numa liga que disse "não conhecer muito" como a brasileira - "precisei olhar no Google para saber como as coisas estavam por lá", assumiu em entrevista nesta segunda.
No Corinthians, além dessas duas coisas, uma certa concentração e uma propensão a ser mais decisivo serão mais exigidas. Até pela necessidade cada vez mais urgente de se livrar do rebaixamento.
De certa forma, é a postura que terá assim que começar a jogar que definirá se Memphis Depay atrairá amor ou ódio da torcida alvinegra.
*Felipe dos Santos mantém, como diletante, o "Espreme a Laranja", blog dedicado a futebol holandês. Como profissional, é analista de dados.
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