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Antero Greco

Nos pés do Fla, o futuro do futebol do Brasil

"O Flamengo virou parâmetro de bom futebol - e ninguém deve sentir ciúmes" - Alexandre Vidal/Flamengo
"O Flamengo virou parâmetro de bom futebol - e ninguém deve sentir ciúmes" Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo

22/11/2019 04h00

Caro amigo, espero que o texto desta crônica semanal esteja superado, obsoleto e desnecessário em pouco mais de 24 horas. Torço de verdade para que isso ocorra.

Por quê? Vou explicar, se você tiver cinco minutos, não mais do que isso.

A torcida rubro-negra vive dias de expectativa e ansioso otimismo. Neste sábado, o time entra no gramado do Estádio Monumental, em Lima, com o sonho de colher o primeiro troféu de peso de uma temporada magnífica. Para tanto, precisa passar pelo River Plate, que não é adversário de fundo de quintal, mas um dos gigantes da América do Sul - e atual campeão da Libertadores.

Estou nessa corrente positiva com os amigos flamenguistas. Não por patriotismo, ufanismo, oportunismo, fanatismo ou qualquer sentimento do gênero. Não preciso disso.

Fico na agradável torcida por Arrascaeta, Bruno Henrique, Gabigol & Cia. por amor ao futebol. O mesmo amor que sentia, 37 anos atrás, quando via a seleção de Telê em ação.

E o que tem a ver um time de agora com a equipe que representava o País no Mundial de 82? Pra mim, tudo. E, como prometi lá no começo, vou justificar.

Imagine que o Flamengo perca o duelo com os argentinos. Hipótese que existe, ora bolas. Neste caso, não há meio-termo: ou dá vitória ou dá derrota, seja no tempo normal, na prorrogação ou nos pênaltis. É um risco, por se tratar de confronto único e porque o rival sabe jogar bola, não está na final por ter caído de para-quedas.

A constatação óbvia é a de que perder e ganhar faz parte de qualquer disputa - e não há como refutá-la. Claro que para o torcedor, independentemente do lado, essa hipótese está descartada; a equipe dele sempre haverá de se sair bem. Ok, porém, um irá amargar a frustração do vice.

Os desdobramentos é que me preocupam. Se o River perder (amém), não mudará grande coisa, nem na linha de conduta do clube nem no campeonato local tampouco na seleção. Os hermanos continuarão na toada habitual, com seus méritos e defeitos.

No caso do Flamengo, tudo muda de figura. A rapaziada de Jorge Jesus representa hoje o resgate de um jeito de jogar que já tivemos por aqui, que combina força, estratégia, habilidade, ousadia - e, claro, qualidade técnica. Chover no molhado dizer que dá gosto de ver esse time em ação. Basta gostar de futebol para admitir tal verdade.

Por causa do Flamengo, torcedores de grandes rivais têm cobrado de seus jogadores, treinadores e dirigentes postura idêntica. Certo que nem todos terão condições para uma guinada virtuosa; no entanto, vale essa mudança de perspectiva.

Se os outros se coçarem, o nível do futebol que se pratica por estas bandas há de melhorar. Se não de cara, ao menos em curto e médio prazos. Todos ganharão com isso, quem sabe até a seleção brasileira. O Flamengo virou parâmetro de bom futebol - e ninguém deve sentir ciúmes.

O receio que me angustia é o risco de uma derrota do Flamengo colocar pra baixo o movimento de reviravolta em conceitos de nosso futebol. Na hipótese de uma catástrofe, não faltará quem venha com o papo de que "futebol bonito é o que levanta taças", "não adianta jogar bonito e não ganhar nada", "vale é título, mesmo com gol de mão". E mais besteiras do gênero.

Essa praga há quase quatro décadas atrasa nossa vida, mesmo que no período tenhamos conquistado dois Mundiais. E surgiu depois que a seleção fabulosa, de Falcão, Sócrates, Júnior, Zico, Cerezo, Oscar e outros caiu por 3 a 2 diante da Itália, em 5 de julho de 1982. Aquela geração, junto com Telê, ficou marcada como "perdedora". Veja só que absurdo!

Para terminar, cito aqui a breve conversa que tive com um colega italiano, na tribuna de imprensa do desaparecido estádio Sarriá, em Barcelona, poucos minutos antes de Brasil x Itália. O colega, cujo nome esqueci, disse assim: "Greco, o Brasil precisa vencer, para o bem do Futebol."

O sujeito era um profeta. O Brasil perdeu, o futebol perdeu.

Que a história não se repita agora com o Flamengo. Basta um Sarriá em nossa história.

Que Jesus e seus rapazes voltem consagrados, para o futebol brasileiro ressurgir como se espera - e para, de novo, fazer o mundo dobrar-se a seus pés.