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Antero Greco

Rivalidade é a essência do futebol

Bruno Henrique e Guarín, durante partida entre Flamengo e Vasco -  Thiago Ribeiro/AGIF
Bruno Henrique e Guarín, durante partida entre Flamengo e Vasco Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

15/11/2019 18h51

O empate entre Vasco e Flamengo é assunto do momento. Só se fala disso. Os 4 a 4 da noite de quarta-feira foram exaltados em prosa, verso e memes, viraram tema nacional, suscitaram as mais diversas opiniões. Sempre elogiosas, para ambos os lados.

Teve já quem definiu o duelo como o acontecimento do ano - e pouco importa que bicho vai dar na semana que vem no tira-teima com o River Plate na decisão da Taça Libertadores.

Exagero merecido, pois se tratou de um jogão. Daqueles que por muito tempo serão lembrados, sobretudo pela emoção. Com razão. Teve gol do primeiro ao último minuto, literalmente e não na força de expressão.

Houve viradas e arrancadas heroicas para cada equipe. Teve até confusão depois, porque clássico que se preza não termina na assoprada final de apito; vai além, com cabeças e corações quentes.

Mas sabe o que jorrou pelo ladrão no confronto épico no Maracanã? Rivalidade. Sim, amigão, mais do que técnica, estratégia, entrega, habilidade, erros e sorte - esses temperos de praxe de qualquer jogo que se preze -, vascaínos e rubro-negros foram tomados pela tradição.

Talvez nem tenham percebido, foi intuitivo. No entanto, do instante em que pisaram no gramado até o momento em que voltaram para os vestiários, os 20 e tantos que suaram camisa sentiram que Vasco x Flamengo não é jogo comum, não é rotina para cumprir tabela, não é bater o ponto, dar o horário e ir para casa, como funcionário. Isso vale para joguinhos banais.

Por gentileza, não confundir com inimizades, guerras, carnificinas. Infelizmente às vezes, dão o ar da desgraça; mas daí creditamos ao fanatismo. E fanatismo, em futebol, religião e política, só desemboca em besteira e tristeza.

Rivalidade é sentimento vago - mistura de ciúme, competição e vontade de chamar a atenção -, em relação a alguém próximo. Repare que as grandes rivalidades ocorrem entre irmãos, parentes, vizinhos. Nos incomodamos mais com o brilho ou com a indiferença de quem está perto de nós do que de alguém distante. Isso acontece também entre ruas, bairros, cidades, estados, países.

Temos, por exemplo, mais gana de derrotar a Argentina do que a Itália ou a Espanha. Os 7 a 1 para a Alemanha doeram. Imagine se tivessem sido aplicados pelos argentinos? Nunca nos recuperaríamos da vergonha. Para nós pouco importa se os franceses foram ou deixam de ser campeões do mundo; não sendo os hermanos está tudo bem. (E eles ainda têm prêmios Nobel, Messi e o papa Francisco...)

A rivalidade no futebol é essencialmente doméstica - e assim deve prevalecer pelos séculos e séculos. O Flamengo tem diferenças com Atlético-MG? Grêmio? Palmeiras? Corinthians? Sim, tem com todos esses e outros, pelos mais variados motivos, e cresce ou diminuiu de acordo com o tempo e as circunstâncias. Hoje em dia, é mais como gremistas e palestrinos, por questões pontuais.

Mas a rivalidade com o Vasco, ou com o Fluminense, é eterna, insuperável. Incomparável! Não interessa se é jogo que vale taça ou amistoso de fim de ano; pouco importa se são veteranos ou meninos em campo. Vestiu a camisa rubro-negro, colocou a cruz-maltina, quando se encontram é final de Copa do Mundo. Ontem, hoje, sempre.

Por isso, episódios de superação são frequentes. Ou você acha, em sã consciência, que o Vasco de agora poderia encarar o Flamengo de igual para igual sem risco de tomar uma surra? Nunca, se tomarmos a lógica como parâmetro. Sempre, olharmos para a força da rivalidade. Não só encarou, como esteve perto da vitória, ora pois pois.

O papo aqui é a respeito da partida de anteontem, mas é atemporal e serve para outras contendas paroquiais. Vale para o Gre-NAl, para o Atle-Tiba, para Atlético-MG x Cruzeiro, para o Ba-Vi, para Re-Pa, para Palmeiras x Corinthians. Sabia que o dérbi paulista está na lista dos maiores clássicos do mundo, segundo um jornal inglês? Está, e esse jornal pelo visto sabe das coisas.

Acrescente o duelo da sua cidade, do seu bairro, que estará valendo como o "maior do mundo". Porque é o duelo entre patrícios, colegas, primos, irmãos que conta, que ocupa nosso cotidiano, que mexe com nossos brios. Não deixe morrer a rivalidade local; se isso acontecer, quebra-se o encanto do futebol.

Se o amigo permite, termino a crônica com a citação de uns versos de Alberto Caeiro, um heterônimos sob os quais se expressava o poeta Fernando Pessoa. Eles falam da importância do Tejo (o maior rio de Portugal) em comparação com o rio de uma cidade qualquer.

"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia."

Sacou?

Um viva aos 130 anos de República no Brasil!