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Antero Greco

Os ensinamentos de Jesus, o mister Jorge

Thiago Ribeiro/AGIF
Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

25/10/2019 11h16

A lista de portugueses famosos por nossas bandas tem desde Camões, Cabral, Pero Vaz de Caminha, Tomé de Souza, Marquês de Pombal, Dom João VI e D. Pedro I, a Eça de Queiroz (não confunda com falsificações), Fernando Pessoa, Eusébio, Amália Rodrigues, Raul Solnado, Figo, Cristiano Ronaldo. Tudo gente boa.

Eis que agora Jorge Jesus entra no bloco dos lusos conhecidos — e, no caso, admirado — no Brasil. Em menos de meio ano, o professor (perdão, o "mister") que o Flamengo foi buscar na terrinha conquistou os corações de milhões de nossos patrícios. Rubro-negros, antes de mais nada, mas também os que curtem um futebol bem jogado.

Pois, amigos, não há como negar que na atualidade quem joga o fino da bola na Terra de Santa Cruz é a equipa dirigida por Jesus. Por mais dor de cotovelo, não há como negar as evidência: por ora não há rivais para Gabigol, Bruno Henrique, Arrascaeta & Cia. Pelo menos não em casa.

Se ainda houvesse dúvidas, a atropelada no Grêmio na noite de quarta-feira as mandou para o beleléu. Os 5 a 0 parecem não ter convencido muito só o Renato Gaúcho, que creditou os gols do adversário a erros do time dele. Cinco erros, vejam só!!! Méritos do outro lado?! Pelo visto poucos. "Até grávida faria gols em nós hoje", disse o Portaluppi. Então, tá.

Mas, afinal, o que Jesus está fazendo de tão diferente, que ensinamentos ele trouxe para cá? O português não inventou a roda nem pôs em pé o ovo de Colombo. Ele apenas faz com que o Flamengo jogue de um jeito que um dia o próprio Flamengo já jogou. Assim como o Santos, o Cruzeiro, o Palmeiras, o São Paulo, o Botafogo etc e tal....

E o que é esse segredo? Combinação em doses equilibradas de arrumação tática e criatividade, de coletivo e individual, de aplicação e técnica. Simples, prático, mas que requer habilidade, concentração, trabalho. Jesus trouxe um "futebol moderno" ao Brasil com ingredientes que já foram usados, abusados e exportados pelo... Brasil.

Já disse o filósofo Pep Guardiola, quando lhe perguntaram qual o pulo do gato do Barcelona, na época de tantas conquistas. "Ué, jogo como vocês já jogaram um dia", repetiu para jornalistas brasileiros em diversas ocasiões.

E Jesus tem feito isso. Pegou um elenco bom, reforçado no meio do ano por Rafinha, Felipe Luís, Marí, Gerson, detectou quem se encaixava melhor às funções que desejava ver executadas, orientou a tropa, deu-lhe também continuidade e liberdade de ação e... naturalmente aflorou o que cada um poderia mostrar de melhor. Os resultados aparecerem e se consolidam, à medida que crescem entrosamento e autoconfiança.

Jesus não é um gênio. Ou seria, já que soluções geniais muitas vezes estão à nossa frente e não nos damos conta? Bom, escolha você, caro leitor. O fato é que ele mudou a cara do Flamengo e força os concorrentes a terem outro patamar de exigência.

O técnico do Flamengo também faz bem aos colegas brasileiros, por mais que torçam o nariz para ele. Não está a roubar-lhes mercado, como temem alguns. Mas mostra aos treinadores nativos como há necessidade de reciclagem, de mudança de conceitos e métodos de trabalho, como precisam sair da confortável rotina de futebol previsível, linear e estagnado.

Paramos no tempo não só por causa do inesgotável êxodo de talentos. (Claro que o empobrecimento de elencos pesa na formação de um time.) Marcamos passo porque técnicos consagrados, medianos e jovens se comportam todos da mesma maneira. Conformam-se ao calendário local, à mediocridade da cartolagem, ao comodismo dos resultados e até das seguidas demissões.

Isso mesmo: não se importam nem com os constantes e desrespeitosos pés no traseiro que levam. Porque sabem que, logo adiante, encontrarão guarida em outro clube. Para repetir o script: chegam como salvadores e inovadores; com pouco tempo, estão a seguir o roteiro habitual. Até se desgastarem, saírem e se recolocarem. Uma roda-viva interminável.

Jesus escancarou limitações dos técnicos daqui. E, com o respeito que ele merece, nem é personagem de ponta no mercado europeu. Tem renome em Portugal, porém sem ter chamado a atenção de gigantes do continente. Ou seja: se é visto como "normal" por lá e já impressiona tanto por aqui, o que dizer de outros "misters" mais badalados?

Não é complexo de vira-latas, não é puxar saco de gringo. Trata-se de constatação. Treinadores nascidos e criados aqui, cheios de medalha ou não, viram que o mercado exige aperfeiçoamento. E que sigam essa lição. Pois a presença barulhenta de Jesus (e de Sampaoli) abriu os olhos de cartolas e de torcedores. Eles agora exigem mais qualificação.

Não surpreenderá se logo tivermos mais estrangeiros a guiar nossos times. Quem sabe, um dia, até a seleção? Olho vivo, portanto, e sem medo: não vejam técnicos estrangeiros como ameaça, mas como instrumentos para os "de casa" mostrarem como podem ser tão bons ou melhores de quem vem de fora.

O desafio está posto.