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Torcida gay do Atlético se esconde em jogos e sofre até ameaça de morte

Página "Galo Queer" no Facebook - Reprodução/Facebook
Página "Galo Queer" no Facebook Imagem: Reprodução/Facebook

Luiza Oliveira

Do UOL, em Belo Horizonte

26/11/2014 12h07

O preconceito está enraizado no futebol desde que o mundo é mundo. Em especial a homofobia. Nos estádios, os cantos ofensivos aos adversários com xingamentos que remetam a questão sexual são tão comuns que se tornaram normais até na boca de mulheres e criança. Em Minas Gerais, uma torcida em especial luta contra esse preconceito, mas ainda é vítima das consequências mais drásticas dele.  

A torcida organizada do Atlético-MG Galo Queer defende a causa gay e o respeito à comunidade LGBT dentro do futebol. Mas ainda se vê de mãos atadas. Os integrantes têm muito receio de aparecer e vivem com medo diante das tantas ameaças que sofrem.

A torcida tem uma página no Facebook com quase oito mil fãs, mas não pode mostrar a cara nas ruas. Pelas redes sociais, os fãs sofreram sérias ameaças de morte e até de espancamentos. A maioria delas anônimas ou de integrantes da Galoucura, a principal torcida organizada do Atlético.

“Eles falavam. ‘Se vocês aparecerem no campo, vocês vão morrer. Se forem ao estádio, serão espancados’. Muitos eram torcedores comuns, mas muitos eram membros da organizada. É uma situação muito complicada, todo mundo sente muito medo mesmo”, conta um dos integrantes.

Em todos os casos registrados, foram realizados boletins de ocorrência e as ameaças foram encaminhadas para a polícia investigar, mas nada ainda foi feito. A criação do grupo gerou um impacto tão grande que até a torcida do Cruzeiro criou uma página na internet satirizando a Galo Queer para ofender os atleticanos.

Dessa forma, os integrantes só fazem encontros escondidos e, em uma imensa contradição, são obrigados a agir como se estivessem fazendo algo ilícito. Eles se reúnem em casas de amigos ou bares para ver os jogos, mas não usam acessórios ou qualquer coisa que remeta ao grupo. Os encontros nunca são divulgados publicamente para evitar qualquer tipo de violência.

“Recebemos ameaças sérias. Se alguém ficar sabendo onde estamos, pode ir querer ir e fazer alguma coisa contra a gente. Por isso não levamos bandeiras, adesivos nem nada”, conta Nathalia Duarte, uma das fundadoras da torcida.

A preocupação é ainda maior para ver o time em campo. Eles vão aos jogos do Atlético ‘camuflados’ de torcedores comuns, já que levantar uma bandeira gay em um estádio de futebol é algo impensável hoje em dia.

Na visão de alguns integrantes, só seria possível ir ao estádio com um amplo apoio da diretoria do clube e da Polícia Militar, além de um forte aparato de segurança. Mas eles não sentem esse respaldo das autoridades. Nathalia conta que uma das simpatizantes do grupo chegou a ir ao Mineirão com um cartaz da torcida com dizeres contra a homofobia, mas nem sequer permitiram que ela entrasse com o objeto.

Nathalia teve a ideia de fundar a torcida em 2003 ao ir ao estádio e presenciar várias manifestações de racismo e homofobia. Na época, se revoltou e resolveu tomar uma atitude. Hoje, a Galo Queer conta com 13 integrantes que têm participação mais ativa, mas nem todos são de fato homossexuais. Muitos apenas se identificam com a causa e lutam por um futebol com mais respeito.

Na visão dela, os avanços em torno da causa gay são notórios na sociedade com o crescimento dos movimentos LGBT e uma maior discussão na sociedade sobre o respeito ao próximo e o direito dos homossexuais. Mas no futebol a discussão ainda está muito atrasada.

Prova disso são os cantos homofóbicos nas arenas pelo mundo. A forma mais comum de ofender um rival é chamando de homossexual. Em Minas, a torcida do Atlético apelidou ofensivamente a torcida do Cruzeiro de ‘Maria’. Recentemente, se tornou moda um sonoro e longo grito de ‘bicha’ sempre que o goleiro vai cobrar o tiro de meta.

“É como se o futebol fosse uma esfera à parte da sociedade. As coisas que as pessoas condenam normalmente não podem ser condenadas no estádio. As leis não se aplicam”, conta Nathalia.

Mas a Galo Queer acredita que está criando uma sementinha para que no futuro as pessoas tenham liberdade de expor sua opção sexual.

“Fazemos uma grande movimentação virtual justamente por não poder ir ao estádio. Queremos um dia ir para o estádio. Estamos preparando o terreno para que um dia isso seja possível. Não vai ser tão em breve, mas buscamos um horizonte. Queremos mostrar para as pessoas o quanto é absurdo uma pessoa não poder exercer livremente a sua sexualidade. Quem sabe um dia”, conta, esperançosa.