Wilson Fittipaldi diz que Ecclestone bancava o GP Brasil e teme pela prova
Em um barracão próximo a Marginal Pinheiros, Wilson Fittipaldi conversou mais de uma hora com o UOL Esporte enquanto mecânicos trabalhavam em 11 carros. Ele falou muito de Fórmula 1 e analisou o que está afastando o público. Acrescentou que Bernie Ecclestone sempre deu uma mão para o GP do Brasil não acabar.
Mas também houve uma parte mais leve, quando contou muitas histórias do automobilismo. Como quando foi parar em Cuba por estar em um voo sequestrado da Varig. Outra vez, precisou sair pela porta de emergência de um avião que carregaria uma bomba. Ainda houve tempo de falar sobre o carro que mais gostou de pilotar e qual foi o piloto "mais mala" que conviveu.
Mas os assuntos descontraídos não impedirem Wilsinho de se posicionar quando o papo ficou sério. Ele meteu o pau nos cartolas do automobilismo brasileiro. Por fim, explicou o que pretende ao voltar a produzir carros, no caso para a Fórmula Vee.
UOL Esporte: Houve algum momento de medo quando você estava na Fórmula 1?
Wilson Fittipaldi: Aquela época (quando era dono de equipe) eu fazia voo Londres para São Paulo como ponte aérea. Era sempre de Varig e o comandante e copiloto sabiam que eu estava a bordo. Eles me convidavam para ir para cabine. Eu tava louco para ir porque guio avião e queria ver os instrumentos. E eles loucos para me chamar para ouvir de F1.
Era 1h30 da manhã e passamos na vertical de Lisboa e o comandante informou a posição. Desejaram boa viagem para nós e começamos a entrar no Atlântico. Voamos 42 minutos e o controle chamou: 'Varig nós recebemos uma ligação e vocês tão com bomba a bordo.' Puta que o pariu, na hora você congela. Qualquer estalo achava que era o começo da bomba.
Na hora. [o comandante] fez 180 graus. 'Não vamos nem falar para aeromoça porque não sabe a reação das pessoas.' Quando faltava sete minutos para aterrissar em Lisboa, ele contatou o controle. Neste meio tempo Lisboa falou que ligaram mais três vezes. Ele avisou os passageiros: 'nós estamos com problema técnico, vamos aterrissar em Lisboa, colocar os escorregadores e todos se afastem o máximo possível do avião.'
Nós saímos, afastamos uns 200 metros do avião e ele ficou parado na pista. Eles fizeram um negócio inteligente. Pegaram as malas e deixaram na pista. Chamaram e disseram 'pega a mala e fica ao lado dela.' Se sobrar mala ou gente, tem merda em algum lugar.
O que aconteceu? Sobrou uma mala e foi aquele puta espalha. Voltaram para sala e entrou um caminhão blindado. Saiu um cara com aquelas roupas antibombas e nunca tivemos notícia. No outro dia, o avião saiu às 16h e 50% não voltou nele.
Num daqueles voos nós fomos forçados para ir a Cuba quando tinha a Guerra Fria. Era um cara baixinho que entrou na porta e botou uma faca aqui [mão na jugular] do comandante e o revólver na cabeça dele. Descemos no Panamá. Pela janela, vi que iluminaram o avião e viram os caras do Exército em volta querendo entrar. Você torce para não entrar porque vão fuzilar todo mundo.
O cara botou a faca de novo e toca para Cuba. Para quem gosta de carro antigo foi um desfile. Chegamos depois da meia-noite. Ficamos numa sala sem ar-condicionado e devia estar uns 90 graus, puta calor. Vieram uns seis, sete ônibus e nos levaram para o antigo Hilton. Mas tava todo caindo pintura, todo arrebentado.
Foi uma sacanagem porque tinha poucos voos porque era [um país] fechado. Nos puseram às 18h30 no avião. Só que o avião, para dar partida, tinha que ter bateria externa. Mas era um DC-10 [aeronave da McDonnell Douglas] e o plug não dava certo porque era para o Boeing.
Mas tinha um Tupolev russo que ia para lá que dava certo. Só que não achava o cara com a chave do hangar. Sei que nós ficamos com o avião lotado e parado das 18h30 até as 23h30 da noite. Sobre o sequestrador, quando abriu a porta, foi o primeiro a sair e ficou em Cuba. Filho da puta.
Falando de automobilismo, há quanto tempo você não corre?
Corri a última vez há quatro anos de GT3 num Porsche. Faz falta e tem dias que faz mais. Parei porque passou a minha época. Hoje em dia se vou andar num Lamborghini vou tomar do cara mais rápido uns três segundo brincando (em Interlagos). É a merda da velhice, ninguém escapa dela.
Qual carro você mais gostou de guiar?
O que mais me impressionou foi o Porsche 917/10 que eu guiei em Hockenheim a convite da Porsche em 1972. Ele tinha 1.170 cv. Eu cheguei com o carro a 355 km/h. Um caro magnífico, fiz a pole position e quebrou uma mola faltando duas voltas.
Qual o piloto mais legal e o mais mala que você conviveu?
O preferido é o Niki Lauda. Um cara simpático, você conversa com ele sempre. O Jackie Stewart era um caga regra. Ele sempre, quando tinha reunião da associação de pilotos, queria tudo bem certinho. Os senhores façam o máximo de atenção na primeira curva [depois da largada] a direita. Todo mundo sabe disso há vários anos. Ele insistia nessa parte, era um cara chato.
Tive um muito especial quando ganhei as Mil Milhas brasileiras [prova criada pelo pai de Wilsinho] eu e o Christian (Fittipaldi). Vivia fazendo contas para saber se quando pudesse fazer um corrida longa com ele, se teria idade. E deu de sobra. Foi uma corrida magnífica e ganhamos de ponta a ponta. Para mim foi um dia super especial vencer uma corrida com seu filho. Quando eu entrei na última volta da corrida eu fiz um pedaço da pista aí chamei:
Wilsinho: box, box, box.
Engenheiro da Porsche: o quê?
Wilsinho: A caixa de câmbio quebrou.
Engenheiro: Não é possível!
Wilsinho: É possível!
Aí ouvi aquelas vozes e o Christian pegou o rádio.
Christian: O que aconteceu?
Wilsinho: Quebrou o câmbio.
Christian: Puta que pariu, não pode ser!
Eu fiquei quieto um tempo e aí pensei, agora tinha de falar se não os caras iam se matar.
Wilsinho: Era brincadeira.
Equipe: Filho da puta.
Você teme que o Brasil fique sem um Grande Prêmio de Fórmula 1?
Muito. Acho que Interlagos está no limite. Acho que sobrevive pela tradição daqueles três pilotos que ganharam um campeonato no mundo: Emerson, Nelson e Ayrton. E eu acho que Interlagos sobrevive também por um motivo. Parece incrível, mas o Bernie Ecclestone gosta muito do Brasil.
Eu guiei alguns anos para equipe dele e posso dizer com segurança total. Ele sempre procurou ajudar para que o Grande Prêmio Brasil acontecesse. E do jeito que as coisas estão indo, eu temo que o GP Brasil acabe em uns três, quatro anos.
No GP do Brasil, sempre procuraram arrumar um patrocinador numa associação, entre aspas, que ele criou com a TV Globo. Isso há muitos anos, na última década pra cá. Ele colocou o prestígio pessoal dele. Mas até quando consegue?
Outra coisa, liberaram os motores turbo. Eu acho que a Fórmula 1 perdeu muito por causa do barulho, por incrível que pareça. E aconteceu que uma equipe teve a supremacia do campeonato inteiro. Você ia ligar a televisão e sabia que ia ganhar uma Mercedes ou uma Mercedes.
Você acha que a eletrônica muda o campeão?
Acho que não. O melhor, em 99% das vezes, vence.
Neste momento não vejo ninguém com chance de chegar na Fórmula 1. Não houve investimento em piloto, a Confederação não se interessou por isso e as autoridades esportivas automobilísticas sempre jogaram com um pouco de sorte ‘sempre aparece alguém’. Mas não apareceu. Foi por falta de gerenciamento. Há uns 10 anos atrás já começou a não se importar.
Contando que é o último ano do Massa, quando teremos outro piloto apto para Fórmula 1?
Eu acho que cinco anos.
O kart é acessível?
Eu acho o custo do kart exageradamente caro. Acho que o kart tem que ter uma reunião de todos os construtores para baixar o custo. Pode ser com limitação técnica. Uma coisa que o pessoal fala é que ganha quem tem mais dinheiro.
A família Fittipaldi tem um herdeiro que sonha em ser piloto. Como vai o caminho do Enzo?
O Enzo já conseguiu um fato magnífico, a escolinha da Ferrari. Agora se o Enzo não andar, ele tá queimado com todo mundo. É uma coisa que tem que ponderar, mas como a situação de patrocinador no Brasil está terrível... Mas ele sabe que corre um risco. Se não deu certo na escolinha da Ferrari alguém dificilmente vai te convidar. É difícil, mas não pode perder uma chance dessa.
O que é a Fórmula Vee, categoria que você está investindo agora?
Nós estamos voltando a fabricar os Fórmulas Vee. Isto nós tínhamos feito em 1964 e em 2 anos nós construímos 52 carros. Aí fomos para Europa [ele e o irmão Emerson Fittipaldi] e a coisa aqui no Brasil durou ainda muito bem uns cinco anos. Parou tudo e agora nós voltamos a fabricar.
O que espera conseguir?
Um dos principais motivos porque voltamos a construir é que precisamos criar uma categoria escola para ver se a gente volta num prazo mais rápido possível a ter pilotos brasileiros na Fórmula 1. Eu estou fazendo uma sugestão para um piloto.
Ele tem que começar com 10, 11 anos, acho que antes a pessoa é muito 'cabeça de criança'. Até 16 correndo de kart e com 16 anos vem para cá correr com Fórmula. Corre dois anos de Fórmua Vee e já está pronto para chegar na Europa e correr de Fórmula 3, GP2 e aí Fórmula 1.
Custo para correr, quanto custará?
Ele vai gastar R$ 2,5 mil por prova por fim de semana. Vai na pista com a sacola e capacete. A gente leva o carro, leva toda a estrutura. Ele entra no carro, amarra o cinto, faz a classificação e a corrida. Inclui mecânico, boxe, tudo.
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