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Como um lutador de judô: japoneses contam de onde veio idolatria por Senna

Senna conquistou seus três títulos mundiais em solo japonês - Pascal Rondeau/Allsport
Senna conquistou seus três títulos mundiais em solo japonês Imagem: Pascal Rondeau/Allsport

Julianne Cerasoli

Do UOL, em Tóquio (Japão)

11/10/2016 06h00

Era o final da década de 1980 e a Fórmula 1 explodia no Japão. A volta do país ao calendário, em 1987, trouxe consigo a transmissão das corridas ao vivo em TV aberta e os motores Honda despontavam como os melhores da categoria. E, se faltava um piloto do país para torcer, os japoneses logo elegeram seu herói. Até hoje Ayrton Senna é referência em um lugar que está a 18.500 km de distância de onde o brasileiro nasceu. Mas de onde vem tamanha admiração de um povo com uma cultura tão diferente?

O UOL Esporte conversou, no Japão, com profissionais ligados à Fórmula 1 que conviveram com o tricampeão. Além do momento favorável, os japoneses viam muito de sua cultura espelhada nas atitudes de Senna - e a relação próxima com a Honda, é claro, ajudou ainda mais.

“Vejo três motivos”, avalia o jornalista Masuhiro Owari, que chegou à categoria em 1993. “O primeiro é que ele não era europeu, era alguém que vinha de fora, e isso era visto como um desafio. O segundo é que japoneses não gostam de gente política, como Prost, e Senna também não gostava. E o terceiro ponto é que ele chegou em um momento em que a F-1 estava crescendo, com o retorno do GP do Japão e o início das transmissões com a Fuji TV em 1987. E como não tínhamos grandes pilotos, precisávamos escolher um herói. Na época ele estava pilotando para a Honda, foi fácil escolher.”

Apesar da identificação ter sido fácil e rápida, o que começou como uma torcida acabou se tornando uma espécie de idolatria muito em função do jeito de ser do brasileiro, semelhante ao dos japoneses em alguns aspectos.

“Mesmo depois de 20 anos, não há ninguém como ele. Nossos heróis nunca foram fortes fisicamente, mas sim mentalmente. O judô tem como princípio fazer com que o mais fraco bata o mais forte. Nós somos assim: pessoas normais, mas fortes mentalmente. E apreciamos isso.”

O fotógrafo Fujio Hara concorda. “Ele era magro e as corridas não eram fáceis para ele fisicamente. Então ele sempre pesquisava o que poderia fazer para aguentar todo o fim de semana. Ele era muito forte nesse aspecto: sabia dividir a energia em cada sessão.”

Hara conheceu Senna quando o brasileiro ainda estava na Fórmula 3, em 1983. Ele conta que a relação do piloto com o Japão começou a se tornar especial em 1987, ano do retorno do país ao calendário da Fórmula 1 e no qual o piloto corria não apenas com o motor Honda, na Lotus, como também ao lado do piloto local Satoru Nakajima.

Trabalhando com a montadora, o fotógrafo conseguiu um acesso especial ao tricampeão. E também despertou sua curiosidade. “Quando ele estava na pista, sabia quem era cada fotógrafo. E me perguntava por que eu ficava escondido lá no fundo, com uma lente maior que a dos outros. Eu gosto de tirar foto mais de longe para tirar fotos mais naturais, e ele dizia ‘você quer me pegar desprevenido!’. Mas sempre pedia para ver como tinham ficado as fotos”, conta.

“As pessoas na FIA não gostavam muito dele na época. Os japoneses sabiam que ele não se sentia bem com isso e ficavam do lado dele. Gostavam dele por sua maneira de ser, porque ele não estava satisfeito com aquilo, mas aguentava e dava sempre seu melhor, assim como os japoneses fazem. Eles gostam de gente que não reclama explicitamente, mas que se ‘vinga’ com resultados.”

Outra testemunha desta paixão é Sonia Ito, que mudou-se com a família de Portugal para o Japão em 1982 e, desde 1987, trabalha como tradutora em Grandes Prêmios. A profissional acredita, contudo, que não eram as palavras que aproximavam o piloto brasileiro dos japoneses.

“Vai além da barreira da linguagem, tem a ver com o jeito de ser. Tínhamos o Prost, que tinha muita garra e era muito bom, mas o Senna passava algo diferente e os japoneses sentiam isso. Eles são muito sensíveis, não falam muito, então esse tipo de comunicação sem palavras é importante para eles. Eles gostavam do Prost como piloto, mas nada como o Ayrton”, contou Sonia ao UOL Esporte

“Ele sempre dava muita atenção aos jornalistas japoneses porque sabia que representava a Honda. As pessoas o amavam. Eles nunca tiveram esse tipo de paixão por outro piloto. O Michael [Schumacher] acabou ficando muito famoso também por aqui, mas o amor que eles têm pelo Ayrton é diferente, é como no Brasil.”

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