Topo

Lito Cavalcanti

Acabada a pré-temporada, é a hora do dever de casa

Valtteri Bottas guia sua Mercedes durante teste de pré-temporada em Barcelona - Albert Gea/Reuters
Valtteri Bottas guia sua Mercedes durante teste de pré-temporada em Barcelona Imagem: Albert Gea/Reuters

02/03/2020 10h26

Encerrada a pré-temporada, a Fórmula 1 só voltará a se reunir no dia 13 de março (noite do dia 12 no Brasil) na Austrália, onde será disputada a prova de abertura do campeonato de 2020. Até lá, todas equipes terão muito o que fazer. As duas sessões de testes no circuito de Barcelona deixaram claro que ainda há muito o que ser corrigido, tanto para as equipes de ponta quanto as nem tanto.

Como já se previa mesmo antes dos primeiros movimentos, a Mercedes se confirmou como a mais rápida, a mais eficiente e, acima de tudo, a mais surpreendente. A vantagem que pode proporcionar seu sistema de redução da divergência das rodas dianteiras em movimento, o chamado DAS, ainda é uma incógnita - mas só o efeito que causou nas adversárias já basta para justificar tudo que foi nele investido.

Já assoberbadas pela necessidade de dividir seus grupos de engenheiros entre a evolução dos carros desta temporada e o projeto para as novas regras que serão adotadas em 2021, equipes com mais recursos, como Ferrari e Red Bull, vêm dedicando tempo e cérebros ao DAS desde que ele foi revelado. Não pode ser diferente: ou começa instantaneamente ou corre o risco de não ter tempo de aproveitá-lo depois de pronto, já que este sistema será proibido no próximo ano.

Pelas primeiras avaliações, a possibilidade de zerar a divergência das rodas dianteiras nas retas pode ser mais valiosa na economia e no controle de temperatura dos pneus do que no ganho de velocidade. Permitir que as rodas dianteiras girem sem o atrito gerado pela divergência proporcionará um desgaste bem menor. E uma vez empurrado o volante para que se retome a divergência, os carros se mantêm equilibrados na entrada das curvas.

Que o sistema funciona não há a menor dúvida. A questão que persiste é a dimensão das vantagens. Qual é o número de voltas a mais que ele permitirá aos pneus das Mercedes? Quantos quilômetros por hora se ganhará nas retas? Qual o prazo mínimo para tê-lo funcionando a contento? São muitas as perguntas ainda sem resposta.

O pior é não se saber se ele, o DAS, teve algo a ver com o domínio da Mercedes nos dois períodos dessa pré-temporada. A equipe alemã prevaleceu nas duas sessões, sempre com Valtteri Bottas: 1min15s732 na primeira e 1min16s196 na segunda, sempre usando os pneus mais macios, os C5. Seu companheiro Lewis Hamilton foi o quinto, com 1min16s410 com o mesmo tipo de pneus, tempo marcado no penúltimo dia de testes.

Mas esses resultados não significam que tudo são rosas para a equipe alemã. Os seis dias em Barcelona deixaram uma certa insegurança quanto aos motores. Foram necessárias duas trocas para a equipe oficial e nada menos de três para uma de suas clientes, a Williams.

Caso se repitam na Austrália, esses problemas colocarão em risco a valiosíssima conquista de pontos na fase inicial da temporada. Por ser realizada em países longe das bases europeias, ela dificulta a reposição de peças e a implantação de evoluções aerodinâmicas.

Problemas nas curvas

Este seria um ponto a favor de suas eternas arquirrivais Red Bull e Ferrari, mas ambas têm também sua cota de problemas a resolver. As muitas rodadas de Max Verstappen e Alex Albon suscitaram lembranças dos primeiros projetos do diretor técnico Adrian Newey. Eram carros perfeitos em condições ideais, mas de controle dificílimo em situações um pouco mais críticas.

Isso não impediu Verstappen de encerrar os testes com a segunda melhor volta, 1min16s269, no último dia. O que chama a atenção é ele ter feito esse tempo com os pneus C4, que tem uma desvantagem de 0s45 para o C5. Isso significa que, aplicado o fator de correção, Verstappen poderia ter marcado 1min15s819. Mas é preciso lembrar que isso não ocorre deforma linear, nem sempre basta trocar os pneus para que os tempos apareçam.

E também nas retas

Já na Ferrari continuam a preocupar tanto a velocidade final quanto a tendência de sair de frente nas curvas mais lentas. Segundo Sebastian Vettel e Charles Leclerc, o carro deste ano, denominado SF 1.000, ganhou pressão aerodinâmica, mas esse ganho causou um aumento alarmante da resistência do ar ao deslocamento, o chamado arrasto, tornando-o mais lento do que os adversários nas retas, e não corrigiu inteiramente a tendência das rodas dianteiras derraparem nas curvas de baixa velocidade.

Para alguns concorrentes, não se deve dar muito crédito a isso. A Mercedes chegou a afirmar que a Scuderia Rossa não usou toda a potência de seus motores em nenhum momento. Se for verdade, esse teria sido o maior blefe da história das pré-temporadas, mas a ausência das prometidas mudanças aerodinâmicas não do crédito a essa hipótese.

Na tabela das melhores voltas, Leclerc foi apenas o quarto, atrás até do Renault de Daniel Ricciardo, que virou em 1min16s275 com um carro que se mostrou nervoso nas freadas e nas curvas. O tempo de Leclerc foi 1min16s360; Vettel ficou em nono, 1min16s841. Ambos com os pneus C5, assim como Ricciardo.

Para alguns, a Ferrari não estaria livre nem mesmo de uma eventual pressão da Racing Point, que apresentou uma versão muito próxima do carro da Mercedes de 2019 - tanto que foi apelidada jocosamente de Mercedes Cor de Rosa. Como já vem utilizando motor, câmbio e suspensão traseira da escuderia alemã há alguns anos, a equipe decidiu copiar tudo que é permitido. Como o regulamento impõe certos limites, seu novo carro não é cópia literal da Flecha de Prata do ano passado, mas fica muito perto disso.

Tão bom quanto o original

Sem dar ouvidos às duras críticas das concorrentes do segundo pelotão, Sergio Perez foi o sétimo mais rápido, com 1min16s634 usando pneus C5. Seu companheiro Lance Stroll usou os C3 e ficou em 16º, com 1min17s118. Seu tempo corrigido seria 1min16s368, melhor até que o de Hamilton- que também seria ameaçado por Carlos Sainz, da McLaren, que marcou 1min16s820, e por Daniil Kvyat, da AlphaTauri, que virou em 1min16s914, ambos com os C4. De novo: vale insistir que essas correções são teóricas, servem apenas para efeito de comparação.

Seja como for, esses são os dados e conclusões desta pré-temporada. E a história mostra que, muitas vezes, as equipes conseguem esconder suas vantagens e só mostrar seus problemas, conseguem enganar a tudo e a todos sobre suas reais possibilidades. Terá sido esse o caso?

O fato é que tudo isso, somado e dividido, não leva a certeza alguma. As verdades de cada um só serão vistas no Grande Prêmio da Austrália. E nem lá serão definitivas, já que aquela será apenas a primeira de uma série de provas e que a evolução dos carros nunca para.

Tudo que se pôde concluir, sem medo de errar, é que a manutenção do regulamento de 2019 por mais um ano permitiu que as equipes do pelotão intermediário se aproximem do grupo da frente.

Se Mercedes, Red Bull ou Ferrari derem qualquer oportunidade, Racing Point, AlphaTauri, McLaren e Renault estarão pertinho, prontas para aproveitar. Isso a pré-temporada mostrou sem sombra de dúvida. O que se pode comprovar observando o melhor tempo de cada piloto e a quilometragem de cada equipe nestes seis dias de testes.

Os melhores tempos das duas sessões da pré-temporada

Piloto, carro-motor, tempo, tipo de pneu, sessão

Valtteri Bottas, Mercedes, 1min15s732, C5, 1ª
Max Verstappen, Red Bull-Honda, 1min16s269, C4, 2ª
Daniel Ricciardo, Renault, 1min16s276, C5, 2ª
Charles Leclerc, Ferrari, 1min16s360, C5, 2ª
Lewis Hamilton, Mercedes, 1min16s410, C5, 2ª
Esteban Ocon, Renault, 1min16s433, C5, 2ª
Sergio Perez, Racing Point-Mercedes, 1min16s634, C5, 2ª
Carlos Sainz, McLaren-Renault, 1min16s820, C4, 2ª
Sebastian Vettel, Ferrari, 1min16s841, C5, 2ª
George Russell, Williams-Mercedes, 1min16s871, C5, 2ª
Daniil Kvyat, AlphaTauri-Honda, 1min16s914, C4, 2ª
Robert Kubica, Alfa Romeo- Ferrari, 1min16s942, C5, 2ª
Romain Grosjean, Haas-Ferrari, 1min17s037, C4, 2ª
Pierre Gasly, AlphaTauri-Honda, 1min17s066, C5, 2ª
Kimi Raikkonen, Alfa Romeo-Ferrari, 1min17s091, C5, 1ª
Lance Stroll, Racing Point-Mercedes, 1min17s118, C3, 2ª
Nicholas Latifi, Williams-Mercedes, 1min17s313, C5, 2ª
Antonio Giovinazzi, Alfa Romeo-Ferrari, 1min17s469, C5, 1ª
Kevin Magnussen, Haas-Ferrari, 1min17s495, C4, 2ª
Alex Albon, Red Bull-Honda, 1min17s550, C2, 2ª
Lando Norris, McLaren-Renault, 1min17s573, C3, 2ª

Voltas de cada equipe ao longo dos seis dias da pré-temporada

Equipe, número de voltas, quilometragem

Mercedes, 903 v, 4.203,465 km
Ferrari, 844 v, 3.928,820 km
McLaren-Renault, 802 v, 3.733,319 km
Racing Point-Mercedes, 782 v, 3.640,210 km
Red Bull-Honda, 780 v, 3.630,900 km
AlphaTauri-Honda, 769 v, 3.579,695 km
Renault, 743 v, 3.458,665 km
Williams-Mercedes, 737 v, 3.430,735 km
Alfa Romeo-Ferrari, 735 v, 3.421,425
Haas-Ferrari, 649 v, 3.021,095 km