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Lito Cavalcanti

Na F-1, a Ferrari prepara a reação; na Stock Car, Daniel se iguala ao pai

Charles Leclerc e Sebastian Vettel durante treino do GP do Brasil - Ricardo Moraes/Reuters
Charles Leclerc e Sebastian Vettel durante treino do GP do Brasil Imagem: Ricardo Moraes/Reuters

16/12/2019 16h04

Esta que passou foi mais uma semana de certa agitação na Fórmula 1 e de intensa agitação na Stock Car brasileira. Na F-1, chamaram atenções a opção da Ferrari de manter igualdade de tratamento a Sebastian Vettel e Charles Leclerc e a decisão das equipes de usarem em 2020 os pneus que elas próprias criticaram impiedosamente em 2019. Na Stock Car, o fato relevante foi a consagração de Daniel Serra como seu piloto mais importante na atualidade e a confirmação da hegemonia da equipe RC-Eurofarma, liderada por Rosinei Campos.

A estratégia da Ferrari, anunciada pelo chefe da equipe Mattia Binotto, revela a esperança de que o tetracampeão Vettel retorne das férias no melhor de sua forma, pronto para um ano de dificuldades. Ele terá a seu lado um Leclerc mais experiente e certamente ainda mais veloz. Em outras oportunidades, Vettel conseguiu recuperar a velocidade que parecia perdida. Isso se viu até mesmo nesse ano ao reagir à evolução do companheiro.

Mas o que desperta curiosidade nesse caso é a Ferrari escolher um caminho que antes sempre rejeitou. Além de manter dois pilotos de ponta, o que raramente fez antes, negar-se a estabelecer uma hierarquia que privilegie um sobre o outro, desde sempre sua estratégia preferida. Assim foi com Michael Schumacher, com excelentes resultados, e com Fernando Alonso, com resultados desastrosos. Será a memória dos anos vividos com o bicampeão espanhol a razão por trás dessa decisão?

Outro tema abordado por Binotto ao projetar o próximo ano foi o trabalho que está sendo feito na evolução de seus motores. Imagine-se o efeito que um eventual ganho de potência por parte da Casa de Maranello terá sobre seus principais adversários. Principalmente considerando as reações que sua superioridade durante 2019 despertaram.

Nesta última temporada, a superioridade dos motores da Scuderia Rossa fez o chefe da Red Bull, o inglês Christian Horner, levantar suspeitas sobre sua legalidade. O que ele fez de forma nada condizente com os padrões de respeito e ética que devem vigorar em competições de altíssima visibilidade. A ele se juntou o até então inatacável chefe da Mercedes, Toto Wolff, e agora que nada de ilegal foi comprovado, o que resta são as dúvidas sobre o crédito que se deve dar às palavras desses dois chefes de equipe.

Quem paga o maior preço dessas leviandades é Max Verstappen. Ao declarar no microfone de uma TV holandesa, logo após o GP dos EUA, que a Ferrari havia sido mais lenta porque parara de roubar, o jovem e imaturo holandês, fechou em seu próprio nariz as portas de Maranello. Isso foi dito com todas as letras pelo CEO da Scuderia Rossa, Louis Camilleri.

Não satisfeito, Verstappen continuou com suas declarações desajeitadas ao afirmar, também na TV, que se a Red Bull não lhe der um carro vencedor, ele vai embora em 2021. Para onde? A Mercedes parece o destino provável, mas e se a montadora alemã decidir dar fim à sua equipe e se limitar a fornecer motores, como se tem comentado nas últimas semanas? Bem, para onde ele não vai já está bastante claro.

Uma decisão discutível

A escolha dos pneus que a F-1 usará na próxima temporada teve como base os dois dias de testes em Abu Dhabi após a prova de encerramento do campeonato. A performance e a durabilidade dos pneus de 2020, em comparação direta e imediata com os de 2019, mostraram-se promissoras. Se os tempos de volta foram praticamente os mesmos, os novos modelos se mostraram mais duradouros e, importante, capazes de trabalhar com pressão de ar inferior, o que permite aos pilotos seguirem mais de perto os outros carros sem que a borracha sofra superaquecimento.

O problema foi que, para chegar a esse bom resultado, a Pirelli, a fornecedora da F-1, precisou adotar um novo tipo de construção que afetou substancialmente a aerodinâmica. Quando um pneu é submetido às pressões naturais de uma pista, suas paredes sofrem deformações. O caso mais claro, e mais crítico, é quando passam por cima das zebras. Ao se deformarem, as paredes dos pneus alteram o fluxo de ar que envolve os carros, e isso exigiria adaptações.

O maior efeito se dá principalmente na parte final dos carros, extremamente importante para o equilíbrio aerodinâmico. A distorção do perfil dos pneus traseiros afeta a eficiência dos difusores e das asas traseiras - e apesar dos cronômetros mostrarem tempos muitos semelhantes aos obtidos com os pneus deste ano, a decisão contrária à sua adoção foi unânime.

Entre as que votaram contra foi a Haas, a equipe que mais sofreu com os pneus em 2019, e a Red Bull, que na primeira fase do campeonato chegou a pedir o retorno aos pneus de 2018. O motivo alegado foi que já não havia tempo para introduzir modificações no projeto dos carros, que estava adiantado demais, em alguns casos já concluído.

Nem todos, porém, concordam com a rejeição. Entre eles o monstro sagrado Patrick Head, o engenheiro que elevou a Williams ao topo da categoria nos anos 80 e 90. "Se ainda estivesse em atividade, eu teria votado a favor dos novos pneus", comentou. "Eles atingiram todos objetivos e permitiriam corridas melhores. Os pilotos poderiam andar mais tempo em ritmo mais alto e poderiam seguir uns aos outros mais de perto, favorecendo as ultrapassagens de que todos sentimos falta".

As consequências já serão sentidas nos testes de pré-temporada. Os novos carros, certamente, apresentarão um ganho de força descendente significativo, já que a próxima temporada será a segunda com a asa dianteira imposta pelas regras em 2019. Estima-se o ganho médio de um a um segundo e meio por volta. Essa maior força exigirá um aumento da pressão dos pneus, o que aumentará a tendência a escorregar quando um carro se aproximar de um outro.

E ainda tem o problema das curvas sobre-elevadas de Zandvoort, a maior atração dessa pista que vai servir de palco à volta do GP da Holanda ao calendário da F-1. A principal delas é a curva que desemboca na reta dos boxes. Ela terá 18 graus de inclinação, sete a mais do que os 11 da curva Um de Indianápolis, onde se deu o vexame de 2005.

Naquele ano, sete das 10 equipe inscritas no Mundial usavam pneus Michelin - Ferrari, Jordan e Minardi corriam com os Bridgestone. Na sexta-feira, Ralf Schumacher, então na Toyota, teve um pneu estourado na curva Um e sofreu um acidente fortíssimo. Constatou-se que a Michelin não tinha se preparado a contento, mas a FIA não aceitou abrir exceções ao regulamento para que se usassem pneus diferentes dos homologados. Resultado: após a volta de apresentação, os 14 carros com Michelin voltaram para os boxes e apenas os seis com Bridgestone disputaram a corrida.

Isso já deixa antever as dificuldades que as equipes se infligiram ao optar pelos pneus 2019. Segundo Mario Isola, o chefe de esporte motor da Pirelli, pode-se resolver a questão da segurança inflando mais os pneus. Mas ele ressalta que as libras que serão injetadas para aguentar os esforços das curvas sobre-elevadas serão demais para as outras curvas da pista...

Lá fora, o reconhecimento que falta aqui

É já tradicional o balanço de cada temporada que fazem os principais veículos de imprensa. No deste ano, o reconhecido site motorsport.com reuniu em um só capítulo os 20 melhores pilotos das categorias de acesso à F-1. O quinto colocado na eleição foi o brasileiro Sérgio Sette Câmara, à frente de seu companheiro da equipe DAMS Nicolas Latifi, que foi o vice-campeão da Fórmula 2 e acaba de ser confirmado como piloto da equipe Williams no ano que vem, em substituição a Robert Kubica.

Cada eleito tem publicada sua foto e uma explicação do posto que lhe foi dado. O do piloto de Belo Horizonte destaca os problemas que enfrentou ao longo do ano, ressaltando a batida que levou em Baku, sob regime de Safety Car. Ressaltou também as duas vitórias, na Áustria e em Abu Dhabi, e as duas pole positions, na França e também em Abu Dhabi. Sérgio teve ainda a seu crédito a volta mais rápida da corrida sprint da Áustria e fechou o ano com a pontuação necessária para a obtenção da super licença, sem a qual não se chega à F-1.

Um contraste gritante às pouco abalizadas críticas que se vê nas redes sociais, onde a falta de conhecimento e o mau hábito da leviandade imperam e podem até prejudicar trabalhos feitos com empenho, seriedade e sacrifício.

O filho de Francisco

Esse título, ou algo assim, se parece com o nome de um filme que retrata a vida de dois cantores sertanejos, suas lutas e sua perseverança. Ele se aplica ao título de tricampeão da Stock Car conquistado ontem em Interlagos por Daniel Serra. Ele igualou o feito de seu pai Chico, o Francisco do título acima, que triunfou em 1999, 2000 e 2001 com a equipe WB Motorsports, dirigida por Washington Bezerra.

A exemplo de Chico, Daniel também conquistou seus três títulos por uma só equipe, a RC-Eurofarma, dirigida por Rosinei Campos. Mais conhecido como Meinha, ele chegou à Stock na primeira corrida da categoria, em 1979, como preparador do jovem Raul Boesel, hoje nome consagrado no Hall da Fama da FIA. Raul decidiu se aventurar no automobilismo europeu no ano seguinte e se sagrou campeão mundial de protótipos (atualmente o campeonato de longa duraçao) em 1987. Meinha ficou no Brasil, mais exatamente na Stock Car, e esteve presente em todas corridas da categoria até hoje.

Ontem foi a sétima vez que sua equipe conquistou o título de campeã, mas as conquistas pessoais de Rosinei vão além. São vários os títulos ganhos como diretor técnico de equipes em que trabalhou antes de estabelecer a sua própria. Neste domingo, ele viu ainda Ricardo Maurício, também de piloto de sua equipe, garantir a terceira colocação no campeonato, apesar de ter sido prejudicado pelo furor punitivo das regras injustas e discutíveis da CBA.

Ao fim da prova, Meinha recebeu também o abraço do velho parceiro Raul Boesel, que mesmo residindo nos Estados Unidos, veio a Interlagos abraçar o amigo. Para completar o quadro de homenagens, a bandeirada que consagrou Daniel Serra foi dada por Washington Bezerra, o chefe de equipe e tricampeão com Chico Serra. Um justíssimo reconhecimento a um homem que não só marcou época como diretor técnico. Em tempos mais duros, Washington sacrificou grande parte de sua vida pessoal para que a Stock Car não se perdesse como tantas outras.

Deixei para o fim a grande fase que vive Daniel Serra. Além de tricampeão da principal categoria brasileira, ele é hoje um dos mais prestigiados pilotos de Grã-Turismo do cenário mundial. Em três anos, ele passou do desconhecido que integrou o carro com que a Aston Martin venceu a categoria profissional de Grã-Turismo, a GT Pro, e se destacou como o autor da volta mais rápida de toda a categoria.

De lá para cá, colecionou vitórias nos Estados Unidos e na Europa, mas é no Brasil, mais exatamente na Stock Car, que está sua prioridade. E neste ano, como piloto oficial da Ferrari, viveu um de seus momentos mais felizes ao participar (e ser aclamado) da cerimônia pública de comemoração da Casa de Maranello na principal praça de Milão. E teve como prêmio a oportunidade de guiar na pista uma Ferrari de Fórmula 1.

Sem dúvida, um ano inesquecível para o filho de Francisco.