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Lito Cavalcanti

Interlagos, o melhor palco da F-1

Vista aérea a bordo de um helicóptero na chega ao autódromo de Interlagos, em São Paulo - Divulgação
Vista aérea a bordo de um helicóptero na chega ao autódromo de Interlagos, em São Paulo Imagem: Divulgação

18/11/2019 13h32

Interlagos para sempre. Se existe uma pista onde todas as corridas são espetaculares, esta pista é Interlagos. Ano após ano, a alta qualidade das provas se reafirma, volta após volta fica mais claro que não faz o menor sentido sequer se cogitar de retirar esta pista do calendário da Fórmula 1. Se não bastasse sua história, a corrida de ontem (17) mostrou sua importância, sua presença incontestável entre as catedrais do automobilismo.

Interlagos é, e sempre foi, palco de disputas inesquecíveis, sob medida para os mais brilhantes feitos da F-1. Foi isso que demonstraram, neste domingo, Max Verstappen e Lewis Hamilton. Não só eles, também o altamente promissor Alex Albon, alijado da segunda posição por um toque involuntário de Hamilton, e Pierre Gasly, que teve na pista de São Paulo a confirmação do talento que parecia ter perdido no mau começo na Red Bull.

As atuações de Verstappen, Albon e Gasly confirmaram ainda a evolução dos motores Honda. Por um momento, eles ocuparam as três primeiras posições, levando a montadora japonesa a sonhar com um pódio todo seu. Isso, mais uma vez, mostra o valor de Interlagos para a F-1. Sua altitude de quase 800 metros acima do mar (que permitiu à Honda superar Mercedes e Ferrari) e seu traçado curto e variado despertam o melhor de carros e pilotos - às vezes, também o pior. Como deixaram claro Sebastian Vettel e Charles Leclerc.

Para a Ferrari nada poderia ser mais desastroso do que ver seus pilotos lhe negarem um pódio mais do que provável. A corrida já se aproximava do final quando os dois pilotos da Ferrari colidiram. O que se viu é absolutamente inaceitável. Leclerc ganhou a posição de Vettel com uma ultrapassagem super agressiva na freada do Esse do Senna. Na saída da curva Três, Vettel conseguiu aproveitar melhor o declive da Reta Oposta para recuperar a posição.

Em sua própria descrição, Vettel teria mantido seu carro em linha reta - mas as imagens não lhe dão razão. Seu carro convergiu nitidamente para a esquerda antes dele completar a manobra, como se quisesse impedir que Leclerc tentasse retomar a posição freando por dentro na entrada da curva do Lago.

Essa é uma manobra comum, absolutamente previsível. O piloto que passa pela direita está sujeito a perder a posição recém-conquistada se o adversário mergulhar por dentro na freada. A reação natural é se colocar à frente dele e forçá-lo a se conformar com a perda da posição ou se arriscar a perder o controle do carro freando no lado sujo da pista.

Tudo isso, porém, é milimétrico. O carro que vem passando deve se colocar à frente assim que passar o adversário. Foi aí que Vettel falhou. Quando ele se moveu para a esquerda, seu carro ainda não estava à frente, não havia espaço suficiente para garantir o sucesso da manobra. O toque entre sua roda traseira esquerda e a dianteira direita de Leclerc foi leve, mas mesmo assim causou o fim da corrida para a Scuderia Rossa.

A Leclerc não há nada a se imputar. Isso, porém, não o exime de culpa considerando-se o conjunto da obra. Tanto ele quanto Vettel - e até mesmo Mattia Binotto, o chefe da Ferrari - vêm cultivando essa situação desde o começo do ano. A belicosidade entre os dois decorre de uma hierarquia indefinida. Contidos até a conquista do vice-campeonato de construtores, eles foram liberados para competir neste fim de semana. Deu no que deu.

E agora, Binotto?

Controlado como de hábito, Binotto evitou apontar um dedo acusador a um ou a outro, mas se negou a absolvê-los. Deixou claro que tinham ido longe demais, que haviam prejudicado a Ferrari e que isso não é admissível. "Cancelei a reunião pós-corrida porque não quero que se tirem conclusões no estado em que todos nós estamos. Espero que os dois pilotos entendam esse cancelamento como uma advertência séria de que eles foram além do limite".

As consequências imediatas virão nesta semana, quando todas atenções convergirão para Maranello. A pressão da imprensa italiana já se faz sentir. Termos como caos e desastre dão o tom dos títulos e das crônicas. Todas perguntando como será o próximo ano, já que os dois pilotos têm presença confirmada na Ferrari.

Aposentar Vettel antes do fim do contrato, que se encerra em 2020, acarretaria o pagamento de uma multa pesadíssima. Além disso, ele é tido como imprescindível no direcionamento das decisões técnicas. Mas caso se tome esse rumo, quem colocar em seu lugar? Daniel Ricciardo seria o mais indicado, mas ele não se submeteria ao papel de segundo piloto de Leclerc. Trazer de volta Fernando Alonso? Hipótese rejeitada pelo mesmo motivo. Kimi Raikkonen? Nico Hulkenberg? Não são considerados opções válidas.

Para a Ferrari, a necessidade de tomar decisões para ter um ano de 2020 coerente com seu potencial começou neste domingo. A correção dos problemas técnicos já está encaminhada, resta ver a situação mais delicada, o convívio entre seu tetracampeão Vettel e o futuro representado por Leclerc.

Não bastasse isso, há ainda a ascensão da Red Bull e do motor Honda. De certo, a potência que desequilibrou a prova de Interlagos não estará presente em pistas ao nível do mar, como a de Abu Dhabi, onde se correrá daqui a duas semanas. Mas seria ingenuidade achar que as lições deste ano não serão incorporadas nas versões de 2020 do motor japonês.

Junte-se a isso o talento exuberante de Max Verstappen e o potencial inquestionável de Alex Albon e se chega à conclusão que a próxima temporada será muito complicada para a Ferrari. Neste ano, se tudo desse errado, como deu, ainda restava a certeza do vice-campeonato de construtores - no ano que vem, nada mais incerto.

Hamilton, solução ou problema para a Mercedes?

A mesma preocupação deve afligir hoje a Mercedes. Ameaçada pelos enormes cortes impostos pela montadora, a equipe liderada por Toto Wolff se depara com dura tarefa de renegociar o contrato de Lewis Hamilton. Segundo os comentários do paddock, a pedida do hexacampeão se situa entre 45 e 50 milhões de euros.

O novo CEO da Mercedes, o executivo sueco Ola Källenius, é simpático à F1. Ele cita a ótima relação custo/benefício entre o investimento e o retorno de imagem e garante a continuidade na F-1 - só não diz se como equipe ou apenas como fornecedora de motores. Atualmente, a montadora se vê às voltas com um corte de pessoal que reduza seus gastos em um bilhão de euros e precisa fazer caixa para enfrentar as multas pela emissão excessiva de poluentes e para custear as pesquisas e desenvolvimento dos carros elétricos.

Esses fatores podem complicar a vida de Toto Wolff, chefe e dono de 30% das ações da equipe Mercedes. Coincidentemente ou não, ele não veio a Interlagos. Foi a primeira vez que ele esteve ausente de uma corrida da F-1 desde 2013.

Uma perda irreparável

Neste fim de semana, o automobilismo brasileiro foi duramente golpeado com a perda de Tuka Rocha. Um dos grandes nomes do kart nas últimas décadas, Tuka vinha se dedicando a passar sua experiência e seu conhecimento às crianças que sonham com um futuro nas corridas. Era muito querido na Stock Car e em todas categorias pelas quais passou. Sua ausência já se faz sentir não só entre seus inúmeros amigos, mas também junto às crianças que viam nele mais do que um instrutor, um modelo de procedimento.

Esse e outros assuntos serão comentados por mim e pelo Cassio Politi no podcast Rádio Paddock, que será é gravado às 20h30 de hoje em live no canal Lito Cavalcanti no YouTube.