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Lito Cavalcanti

Mesmo sem o carro mais veloz, Hamilton conquista uma vitória exemplar

Hamilton cruza a reta no GP do México - REUTERS/Carlos Jasso
Hamilton cruza a reta no GP do México Imagem: REUTERS/Carlos Jasso

28/10/2019 13h38

Se existe um piloto que merece ser campeão neste ano, esse piloto é Lewis Hamilton - mas, a bem da verdade, ele deve dividir os méritos desta conquista com James Vowles, o estrategista-chefe da equipe Mercedes. O Grande Prêmio do México ontem (27) foi mais uma ocasião em que essa dupla venceu com um carro que não tinha potencial para vencer.

Talvez eles devam dedicar uma pequena parte deste triunfo ao estrategista da Ferrari, o espanhol Iñaki Rueda, que ao optar por duas trocas de pneus tirou de Charles Leclerc o que era, até o momento da primeira troca, uma vitória em construção.

Mas é a eles, Hamilton e Vowles, que se deve aplaudir no fim e ao cabo de um grande prêmio em que a Mercedes foi a terceira força desde os primeiros movimentos. Amplamente batida na prova de classificação, quando a melhor volta de Hamilton foi cerca de meio segundo mais lenta do que aquela com que Leclerc conquistou a pole position, a equipe alemã superou todos os obstáculos e surgiu triunfante no novo e espetacular pódio do México.

Por sua participação, Hamilton deve receber o maior quinhão. Em menos de duas curvas ele sobreviveu a momentos difíceis. Primeiro, ao ser jogado para a grama que ladeia a longa reta dos boxes por Sebastian Vettel. Tentando se beneficiar do vácuo deixado pela Ferrari de Leclerc, ele se colocou quase ao lado do alemão, que não teve condescendência ao defender sua posição.

"Eles que decidam"

Muitos clamaram contra uma punição exemplar contra Vettel, mas ele tinha a seu favor a nova tolerância dos comissários esportivos. Sua avaliação, não muito convincente, foi de que o piloto da Ferrari abriu espaço ao notar a presença de Hamilton. Hoje, o lema que os orienta é o "let them race", que pode ser traduzido como "eles que resolvam suas disputas entre si" - ou, como preferem os mais conservadores, "eles que se esfolem".

A sala em que eles assistem às corridas é isolada do mundo, lá só chegam as imagens, não o áudio das transmissões, para que suas decisões não sejam contaminadas por opiniões alheias, quase sempre passionais. Certo ou errado, os pilotos já se mostraram amplamente favoráveis à nova orientação, que substitui o furor punitivo que assolou e estragou diversas corridas anteriormente.

O segundo momento crítico veio entre a primeira e a segunda curvas, quando Hamilton tomou a trajetória externa. Quem estava por dentro era Max Verstappen, também de dentes trincados na tentativa de transformar a justa punição que removeu seu Red Bull da pole position para o quarto lugar no grid. Nenhum dos dois, sabia-se, cederia um único milímetro de pista, e quem triunfasse naquela refrega teria apenas as duas Ferrari pela frente.

Foi Hamilton quem venceu o mano a mano, mas pagou o preço. Além de ser superado pelo Red Bull do surpreendente Alex Albon e pela McLaren de Carlos Sainz, ele teve o lado direito do assoalho danificado - o que afetou negativamente o equilíbrio da sua Mercedes. Passar a McLaren não foi difícil, mas o Red Bull se mantinha fora de alcance. Só lhe restava se manter na pista e seguir as determinações da equipe.

Em meio a isso, Vowles acompanhava volta a volta os tempos de Daniel Ricciardo, cujo Renault havia sido o único carro do grid equipado com pneus duros. Pouquíssimo testados nos treinos livres, esses pneus eram a única opção para a grande maioria que largara com os médios e também para os quatro que começaram com os macios (os dois McLaren e os dois Toro Rosso). Os tempos de Ricciardo eram promissores, assim como os de Verstappen, que instalara em seu Red Bull os pneus duros após ter um pneu do jogo inicial furado no esbarrão sofrido ao tomar o quinto lugar de Valtteri Bottas. A única dúvida que restava era quando, em que volta se deveria instalá-los.

James Vowles, o estrategista-chefe da equipe Mercedes, durante o GP da Hungria 2019 - Peter J Fox/Getty Images - Peter J Fox/Getty Images
James Vowles, o estrategista-chefe da equipe Mercedes
Imagem: Peter J Fox/Getty Images

A coragem da derrota iminente

Foi neste quesito que Vowles deu o passo para a vitória. Com a coragem típica de quem tem pouquíssimo a perder e tudo a ganhar, ele chamou Hamilton para a troca na 24ª volta - 47 antes da bandeirada final. Naquele momento, a decisão de ir até o fim com aquele jogo de pneus ainda não estava tomada, o plano era observar volta após volta e reagir de acordo com as circunstâncias.

E conviver com o questionamento de Hamilton sobre a oportunidade da parada. "Essa troca foi cedo demais", insistia ele junto a Marcus Dudley, o escolhido para substituir Peter Bonnignton, o engenheiro que há sete anos trabalha como engenheiro de corrida de Hamilton, ausente por causa de uma cirurgia. Estreando na função, Dudley respondia com a calma de um veterano: "Está tudo indo bem". Até então, ninguém podia dizer exatamente o que significava esse "indo bem".

Ciente da quebra do assoalho de Hamilton e duvidando da enorme durabilidade dos pneus duros, a Ferrari dividiu seus pilotos em duas estratégias. A primeira provocada pela inesperada troca de pneus de Albon já na 14ª volta. Até aquele momento, o piloto da Red Bull mantivera um ritmo eventualmente até mais rápido do que Leclerc e Vettel - por isso, sua parada foi interpretada como uma tentativa de ganhar a posição das duas Ferraris quando elas fizessem suas trocas, o chamado undercut.

Já Vettel fora mantido na pista após a troca de Leclerc porque sua parada significaria voltar atrás de Albon. E se parasse logo após a troca de Hamilton, também seria inevitável a perda da posição para o piloto da Mercedes. A solução era mantê-lo na pista forçando o ritmo. Ninguém podia acreditar que o inglês manteria seus pneus em tão boa condição até o fim da corrida. Assim, o mais correto seria trocar os pneus do alemão o mais tarde possível para que ele tivesse mais aderência do que o inglês nos momentos decisivos.

Vettel foi chamado para os boxes na 37ª volta. Pouco importava se, de acordo com a expectativa, Hamilton havia assumido a liderança. Mas para Vettel era apenas uma questão de esperar a inevitável degradação dos pneus da Mercedes para a Ferrari surgir triunfante no primeiro lugar. Teria também de resistir à pressão de Bottas, que havia feito sua troca apenas uma volta antes do alemão e se aproximava volta a volta. Para isso, a Ferrari contava com sua velocidade máxima, amplamente superior à das Mercedes.

O feitiço contra o feiticeiro

Nos treinos, essa superioridade era de pouco mais de 10 quilômetros por hora. Mas na hora decisiva, a vantagem já não estava mais lá. De acordo com as medições da FIA, Vettel atingia velocidade mais alta do que Hamilton no início da reta, 258,5 km/h contra 255,3 km/hLeclerc estavam às voltas com um consumo de gasolina maior do que o das Mercedes. Sem poder usar um mapa de gerenciamento de potência tão agressivo quanto o de Hamilton, a situação se invertia irremediavelmente. Era a Mercedes que desaparecia nas retas.

Esse dado, somado ao desconhecimento coletivo do potencial do pneu mais duro do fim de semana, absolve definitivamente o estrategista Iñaki Rueda. Ter seus dois carros nas primeiras posições tirou do estrategista da Ferrari a liberdade de ser tão ousado quanto seu adversário James Vowles ao definir a melhor hora para chamar seu principal piloto para os boxes - uma aposta que até o próprio Vowles considerava, segundo suas próprias palavras, quase suicida. E o maior consumo de combustível é o preço da maior potência das unidades de potência da Scuderia Rossa.

Ferraris lideram o GP do México - REUTERS/Carlos Jasso - REUTERS/Carlos Jasso
Imagem: REUTERS/Carlos Jasso

Por outro lado, a atuação de Hamilton foi proximíssima da perfeição. Comparada à de Bottas, que também fez uma ótima corrida passando de sexto no grid para terceiro na bandeirada, a de Hamilton foi admirável. Mesmo sem o equilíbrio aerodinâmico prejudicado pela quebra do assoalho, ele foi rápido quando necessário e conservador quando possível, e foi essa variação de ritmo que lhe permitiu ter pneus e combustível para as horas decisivas.

Verstappen x Verstappen

Uma última palavra para Max Verstappen. Sua atitude na prova de classificação não é justificável. Ele não expôs ninguém a risco ao não desacelerar quando Bottas sofreu o acidente no final da prova de classificação, mas quebrou a regra que exige que, em caso de bandeira amarela, um piloto é obrigado a diminuir a velocidade. Isso causou a perda da pole position, de onde a vida se revela bem menos complicada. De lá, ele não seria atacado por Hamilton.

No toque com Bottas, que furou seu pneu traseiro direito, ele não teve culpa, mas perdeu uma volta inteira em relação aos concorrentes, dando fim a qualquer chance de um bom resultado. A recuperação de último na sexta volta para sexto na bandeirada e o fato de ter coberto nada menos de 66 voltas com um só jogo de pneus mostram que o pódio e talvez até a vitória estavam a seu alcance. Tinha carro e velocidade para isso. Se tivesse cedido espaço para Hamilton, sua corrida seria bem diferente. E o resultado bem melhor.

Tudo isso somado, multiplicado e dividido leva à conclusão de que, para vencer corridas, não basta ter o carro mais rápido. São necessários também o melhor piloto, capaz de contornar problemas no carro e ainda mantê-lo em condições de resistir a tudo e a todos, um estrategista com coragem suficiente para apostar pesado na vitória quando a derrota é quase uma certeza. E uma boa dose de sorte para escapar quase incólume de uma colisão na primeira volta. Foi isso que a Mercedes teve em Lewis Hamilton e James Vowles.

O sexto título mundial de Hamilton não veio no México, como vieram o quarto e o quinto. Mas basta que, independente da colocação de Bottas, ele chegue em oitavo no próximo domingo, nos Estados Unidos, para se sagrar hexacampeão. Com todos os méritos. E, se possível, em um pódio tão espetacular quando o que foi inaugurado nesse domingo no México.

Esse e outros assuntos são comentados por mim e pelo Cassio Politi no podcast Rádio Paddock, que é gravado às 20h30 das segundas-feiras em live no canal Lito Cavalcanti no YouTube.