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Lito Cavalcanti

Cingapura: uma prova de muitos atrativos

Charles Leclerc e Lewis Hamilton durante GP da Itália - Massimo Pinca/Reuters
Charles Leclerc e Lewis Hamilton durante GP da Itália Imagem: Massimo Pinca/Reuters

16/09/2019 15h26

A chegada da Fórmula 1 a Cingapura, onde será disputado o 15º dos 21 grandes prêmios que compõem o calendário deste ano, vai ser marcada por diversas novidades. Algumas serão vistas como inovações, caso das eternas evoluções aerodinâmicas; outras, como a aceleração da dança das cadeiras para a formação das equipes para 2021; e a última, a ameaça do fim de um sonho de toda a categoria.

No primeiro caso, destaque para a Ferrari. Vencedora incontestável em Spa e em Monza, a equipe de Maranello luta contra a insuficiência de pressão aerodinâmica. Batida amplamente neste setor pelas rivais Mercedes e Red Bull, é enorme a possibilidade de que ela volte à incômoda posição de terceira força do grid.

Incansável, o chefão Mattia Binotto anunciou novas peças com a função de melhorar a pressão aerodinâmica. Mas essas inovações costumam ser apenas curativos que mal amenizam o problema. Cingapura é uma pista de baixa velocidade, sem retas longas, onde a potência não tem a importância que tem o equilíbrio geral dos carros. São 23 curvas, o traçado mais sinuoso de toda a F1. A média da pole position é a segunda mais lenta, só à frente de Mônaco.

Somam-se a isso as dificuldades de atingir e manter os pneus na melhor temperatura, agravadas pelo horário dos treinos e da corrida. O primeiro e o terceiro treinos livres começam sob a luz do Sol, o que reduz sua utilidade para a prova de classificação e a corrida, realizadas sob luz artificial, com temperaturas ambiente e do asfalto mais baixas

Um dificultador a mais é a certeza de intervenções do carro de segurança - como ocorreu nas 11 edições anteriores. Sua presença na pista faz os pneus perderem temperatura e afeta o andamento das disputas. A Pirelli prevê uma só troca de pneus, e a melhor estratégia seria começar com os pneus macios e substitui-los pelos intermediários.

De olho nos pneus e nos pilotos

Para quem, como a Ferrari, tem dificuldades de atingir e manter a temperatura ideal dos pneus, esse problema é maior que para as duas rivais. Trabalhando abaixo da faixa correta, os carros têm a tendência de derrapar com as rodas dianteiras, dificultando o trabalho dos pilotos e aumentando o desgaste dos pneus.

A questão que fica é sobre qual de seus dois pilotos pode ajudá-la - se é que algum deles pode. Charles Leclerc vive seu melhor momento, mas enfrenta questionamentos dentro da equipe por ter-se negado a puxar Sebastian Vettel no vácuo depois de ser beneficiado pelo companheiro. Vettel conta com a experiência, mas vive seu pior momento.

Se Mônaco serve como parâmetro, a melhor esperança é Leclerc. Ele foi o único a quebrar o domínio das Mercedes ao liderar o terceiro treino livre - mas uma avaliação errada dos engenheiros o deixou fora do Q2 e arruinou sua corrida. Largando em 15º, ele bateu ao tentar ultrapassar Nico Hulkenberg ainda na fase inicial da prova.

Vettel cruzou a linha de chegada em terceiro - beneficiado pelos danos sofridos por Valtteri Bottas em uma disputa por espaço na estreita pista dos boxes com Max Verstappen - e foi promovido a segundo pela punição de cinco segundos imposta ao holandês pelo contato com Bottas nos boxes. É muito pouco para ser visto como uma esperança.

Quem sai e quem fica, pergunta sem resposta

Fora da pista, o que mais vai chamar atenção é quem vai para onde. Em princípio, há duas vagas em potencial, talvez três. Uma na Williams, outra na Haas e uma possibilidade na Alfa Romeo - mas cada uma tem suas restrições. Na Williams, é muito provável a substituição de Robert Kubica, que não mostrou desempenho suficiente neste retorno à F1. A equipe, porém, afirma que nada está definido e que a experiência do polonês foi vital nos mínimos avanços conseguidos ao longo da temporada. Seu eventual sucessor seria o canadense Nicolas Latifi, segundo colocado na Fórmula 2.

Latifi já participou de alguns treinos livres com a Williams e mostrou velocidade, resta ver se ele aceita a insegurança que significa ingressar em uma equipe com recuperação tão incerta. Na verdade, o canadense vive um dilema: ou a Williams ou a mudança para a F Indy. Se aceitar a oferta da Williams, será comparado com o inglês George Russell, um piloto extremamente rápido que, a cada corrida, precisa se mostrar pronto para uma promoção para uma equipe de ponta. Se não aceitar, terá dito adeus ao sonho da F1.

Na Alfa Romeo, a interrogação é a permanência ou não do italiano Antonio Giovinazzi. A equipe, subsidiária da Ferrari, é apenas a oitava entre 10 no campeonato mundial de construtores, com 34 pontos. Deste total, Giovinazzi contribuiu com apenas dois, conquistados em Monza. Poderiam ser seis caso ele não tivesse se acidentado quando era o oitavo colocado a apenas duas voltas da bandeirada do GP da Bélgica. Isso em um dia em que a esperança do primeiro piloto Kimi Raikkonen conquistar bons pontos foi por água abaixo já na primeira curva, quando ele foi abalroado por Max Verstappen.

Giovinazzi tem a seu favor ter chegado em nono em Monza - em outra pista, não seria um resultado significativo, mas ter sido diante do público italiano muda o quadro. Além disso, a Alfa tem direito a escolher só um de seus pilotos, o outro é uma indicação da Ferrari, a nave mãe. E Giovinazzi é um dos primeiros membros da Academia de Maranello, um fator de peso nesta decisão.

Na Haas, já está decidida a permanência de Kevin Magnussen - o que leva vários pilotos a sonharem com a outra vaga. Mas, na verdade, só existem dois candidatos: o próprio Romain Grosjean, cujo contrato com a equipe se encerra no fim deste ano, e Nico Hulkenberg, que não faz parte dos planos da sua equipe atual, a Renault, para 2020.

Gunther Steiner, o chefe da equipe, insiste que a decisão não é fácil. Grosjean está entre os mais rápidos da F1 em seus dias bons, mas seus dias bons têm sido raros. Por outro lado, há laços afetivos fortes entre o piloto e a escuderia americana, que hesita na hora de jogar sobre os ombros do suíço a culpa de um carro mal nascido. Esse mau nascimento do carro, porém, é o argumento a favor de Hulkenberg: com sua experiência, acredita-se que ele pode apontar os erros do projeto e ajudar a corrigi-los.

O terceiro ponto de atenção em Cingapura ainda se prende à Haas. Ao ingressar na Fórmula 1, em 2016, a escuderia norte-americana inaugurou um esquema até então inédito: comprou da Ferrari todos os componentes permitidos pelo regulamento, como motor, câmbio e suspensões, encomendou o carro e o chassi à fábrica italiana Dallara e fabricou o menor número possível de peças em suas dependências.

Com isso, jogou o orçamento necessário bem para baixo e despertou a má vontade das adversárias ao terminar seu primeiro ano com 29 pontos, oitava no Mundial de Construtores, à frente da Renault, da Sauber e da Manor (que naquele ano fechou suas portas). Era criticada por lesar o espírito da F1 de ser uma disputa entre construtores, mas seguiu em frente e, em 2017, chegou a 47 pontos, ainda a oitava, à frente da McLaren e da Sauber. O ápice veio no ano passado: foi a quinta colocada, com 93 pontos, atrás apenas das três grandes, Mercedes, Ferrari e Red Bull, e da Renault, uma equipe de fábrica.

O fim do sonho?

Ao longo dos três primeiros anos, a Haas se autofinanciou com a verba de marketing da própria indústria Haas, fabricante de máquinas industriais que tinha como objetivo divulgar sua marca mundialmente. Conquistou clientes entre as equipes da F1, mas respirou aliviada ao assegurar um patrocinador máster, os isotônicos Rich Energy.

Na pista, porém, o desempenho deixava muito a desejar. A ponto de, em algumas etapas, um de seus pilotos correr com a carenagem aerodinâmica nova e o outro com a antiga, usada no primeiro GP do ano, para comparar a eficiência de uma e de outra. O pior é que, nestas vezes, quase sempre a mais velha foi mais rápida do que a mais nova nas provas de classificação - ambas igualmente decepcionantes nas corridas.

Em julho, o sonho se revelou pesadelo quando o CEO da Rich Energy, Williams Storey, comunicou o encerramento do contrato devido a "resultados insatisfatórios". A equipe tomou ciência disso pelas redes sociais, assim como os cotistas da empresa, que se revoltaram com a iniciativa de Storey e reafirmaram o contrato - mas ele agora chega definitivamente ao fim. Em Cingapura, a marca de isotônicos não estará mais nos carros de Gene Haas.

Não têm sido discretas as críticas do multimilionário americano à injusta distribuição de prêmios da F1. "O negócio F1 é inviável", diz ele a quem quiser ouvir. Nona colocada no Mundial de Construtores, com performance muito abaixo dos anos anteriores, a Haas parece estar à beira da desistência.

Falar é fácil

Seria um golpe sério para a Fórmula 1, que se esforça para atrair novos competidores e vem sendo constantemente criticada por seu ex-chefão, o inglês Bernie Ecclestone. Afastado do comando pelos americanos da Liberty Midia, empresa que ele mesmo garimpou para substituir o fundo de investimentos CVC como proprietária dos direitos comerciais, Ecclestone condena até a tentativa de rever o sistema de distribuição de prêmios, que contém aberrações como os bônus que contemplam com centenas de milhões de dólares cinco equipes: Ferrari, Mercedes, Red Bull, McLaren e Williams.

Esse sistema de bônus foi implantado pelo próprio Ecclestone para debelar uma revolta que ameaçava desaguar em um campeonato paralelo, fora do domínio da CVC e tendo a FIA (que também morde seu quinhão da verba oriunda dos direitos comerciais) apenas como entidade reguladora.

Ecclestone condena o inchaço do calendário, que em 2020 passará a 22 etapas contra as 16 que ele considera ideal; diz que um eventual teto orçamentário não é necessário, basta um regulamento bem escrito. Em suma, ele diz saber a solução para todos os problemas.

O único tema que ele não aborda é o que dá origem a todos esses problemas: a distribuição desigual dos prêmios da F1 - aquela que ele mesmo implantou.