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Cineasta é banido da Rússia após alertar sobre direitos humanos em Sochi

Sochi é um conhecido balneário no sul da Rússia, que recebe os Jogos de Inverno em fevereiro - © Rob Hornstra. From: An Atlas of War and Tourism in the Caucasus
Sochi é um conhecido balneário no sul da Rússia, que recebe os Jogos de Inverno em fevereiro Imagem: © Rob Hornstra. From: An Atlas of War and Tourism in the Caucasus

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

03/02/2014 06h00

Quando souberam que Sochi receberia a Olimpíada de Inverno de 2014, sete anos atrás, os documentaristas holandeses Arnold van Bruggen e Rob Hornstra enxergam uma oportunidade jornalística imperdível. Era fácil de imaginar que um evento mundial numa das regiões mais pobres e problemáticas da Rússia oferecia farto material para compor um filme de relevância. Hoje, nas vésperas dos Jogos, os cineastas estão banidos de entrar no país em razão de denúncias sobre direitos humanos.

Mas, após cinco anos de trabalho em campo, os holandeses se tornaram especialistas na região a ponto de prever que o caldeirão separatista vai ferver em fevereiro, com toda a histórica tensão entre grupos rebeldes da região e o governo de Moscou.

Desde o colapso da União Soviética, há duas décadas, foram registados mais de 1800 ataques terroristas na Rússia, a maioria na conturbada região das repúblicas federadas do Cáucaso do Norte (como Tchetchênia e Daguestão), nas imediações de Sochi. Uma área predominantemente muçulmana e que tem o território reivindicado pelo grupo radical islâmico "Emirado do Cáucaso". Para o International Crisis Group (ONG voltada à resolução e prevenção de conflitos armados), este é o "mais complexo e violento conflito armado da Europa".

E uma prévia do que pode ser esse caldeirão veio já no final de 2013, quando dois atentados seguidos em Volgogrado (no meio do caminho entre Moscou e Sochi) mataram 34 pessoas, em nítida mensagem de ameaça para a organização da Olimpíada. Todo este cenário motivará uma paranoia de segurança e um esquema de prevenção nunca antes visto na história do esporte. Por mais que não se deseje, a tensão estará no ar.

O trabalho da dupla holandesa sobre Sochi estará logo à disposição em formato de filme, livro e exposição. Em entrevista ao UOL Esporte, além da questão do terror, o cineasta Van Bruggen falou sobre o contraste sobre uma Olimpíada de mais de US$ 50 bilhões em uma das regiões mais pobres da Rússia, com legado ainda nebuloso. Confira abaixo:

UOL Esporte: Como você define este projeto?

Arnold van Bruggen: O "Sochi Project" [An Atlas of War an Tourism in the Caucasus] é um trabalho de documentário de cinco anos, também chamado de jornalismo lento, que visava documentar as mudanças na região antes da realização da Olimpíada. A região do Cáucaso é tão cheia de contrastes: pobreza, vida na praia, história soviética, conflitos congelados, cenário quente de guerrilhas, questões de direitos humanos. Quando soubemos em 2007 que Sochi receberia os Jogos, achamos que isso merecia ser documentado em larga escala.

Sochi é uma zona de alta segurança onde é difícil trabalhar livremente como jornalista, e tivemos nossos vistos negados desde julho, por causa do nosso trabalho no norte do Cáucaso, a mais pobre e violenta da federação russa, muito perto de Sochi.   

UOL Esporte: O que te levou a se dedicar a esse tema?

Van Bruggen: Os contrastes da região, como disse na primeira resposta, mais a previsibilidade de tudo isso desabrochar agora. A questão dos direitos humanos, a conflituosa situação de segurança. Isso tudo já estava lá em 2007. Esses Jogos nunca prometeram passar incólumes. E na verdade as coisas já estão muito mais estranhas do que se previa. 

UOL Esporte: Você menciona coisas estranhas. Pode dar exemplo do que considera absurdo a respeito destes Jogos em Sochi?

Van Bruggen: Você pode imaginar que uma única edição dos Jogos de Inverno seja mais cara do que todas as edições organizadas desde 1964 somadas? Isso é incrível, estimam que os Jogos custem quase US$ 60 bilhões [oficialmente a cifra já passa de US$ 51 bilhões]. Mas em todos os cinco anos em que estive viajando por essa região pobre e conflituosa nenhum efeito desse dinheiro pôde ser notado. Só poeira, tráfego congestionado e, numa pequena faixa de terra, estádios, novas estradas e tuneis. O absurdo está no contraste de tudo isso.  

UOL Esporte: Vamos falar de impacto ambiental. Algumas pessoas chamam (o balneário de) Sochi de a Flórida russa. Considerando todas as mudanças feitas para a Olimpíada, como você imagina a cara da cidade após o evento?

Van Bruggen: Talvez você possa chamar a cidade de o Líbano russo, um país tão bonito, onde você pode esquiar pela manhã e nadar com golfinhos pela tarde. Mas arruinado por conflitos, corrupção e pela política mundial. Sochi tem belas e tranquilas áreas, mas muito já foi perdido graças à nova infraestrutura, com prédios de apartamentos, especulação imobiliária. Sochi se tornou mais cara. Tivemos que ver como a cidade passou por isso. Tudo trouxe mais dinheiro e atenção a eles, naturalmente.

UOL Esporte: Li uma declaração sua a respeito da possibilidade de um atentado terrorista durante os Jogos. Essa é uma possibilidade real em sua opinião?

Van Bruggen: Seria um sonho para os grupos separatistas e terroristas do norte do Cáucaso. Eles plantaram bombas na Rússia mais de uma vez. E foram bem sucedidos nisso. Eles farão o melhor para abalar a Olimpíada de Sochi. Se não em Sochi, em alguma outra cidade.