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Técnicos Brasileiros na Copa

Idolatria japonesa vira desafio do técnico Zico

Rodrigo Bertolotto

Enviado especial do UOL

No Rio de Janeiro

A foto acima traduz a relação de Zico com seus comandados japoneses. Como um mestre, o brasileiro parece estar ensinando um golpe a seus discípulos. Na verdade, dá instruções com seu parco domínio do idioma local (qualquer problema, sempre tem a tiracolo o tradutor Kunihiro Suzuki). Os jogadores escutam em silêncio o ídolo de infância transformado em chefe.

Em 1991, Zico trocou o governo Collor pelo papel de pioneiro do futebol no Japão, que dois anos depois inaugurou a J-League, sua liga profissional. Para a Copa de 1994, os asiáticos fracassaram na campanha de classificação, mas depois se transformaram em habitués, com as participações em 1998, 2002 (como anfitrião) e agora em 2006, sob a batuta do brasileiro.

A reportagem do UOL Esporte conversou com Zico no bairro carioca de Recreio dos Bandeirantes, onde está a sede do clube que é dono, o CFZ. Enquanto dá entrevista na sede administrativa, vários garotos japoneses treinam nos campos do centro de treinamento. Eles migraram para a terra do futebol para aprender a técnica do esporte. Relaxado, Zico fala sobre tudo, renega uma volta para o Brasil, diz que não trabalharia no seu tão amado Flamengo, Copa do Mundo. Só quando o assunto é CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e sua participação como supervisor técnico no Mundial de 1998 é que seu rosto fica sério. "Se tem uma coisa que não desejo é dirigir a seleção brasileira. Depois de trabalhar na CBF, perdi a confiança nas pessoas por lá", diz, pedindo para trocar de assunto. Melhor seguir a sugestão. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Arthur, Arthurzico, Zico, Jico, Jico San. As mutações não aconteceram só em seu nome. Zico já tentou a política (foi secretário de Esportes no pouco saudoso governo Fernando Collor de Mello, em 1990), o futebol de areia (títulos em 1995 e 1996), o cinema (fez o papel de si mesmo em "Uma Aventura de Zico", de 1998), a cartolagem (é dono do clube CFZ, fundado em 1998), o cargo de supervisor técnico (teve papel decisivo no corte de Romário antes da Copa e na escalação de Ronaldo na final do vice mundial de 1998) e até o de presidente do comitê da campanha pela Copa de 2006 (perdeu, como se sabe, para a Alemanha). O nome de cartório ganhou o diminutivo Arthurzico dado pela parentela lusitana em Quintino, bairro de subúrbio do Rio. O pai português teve três filhos ídolos de três clubes cariocas diferentes: Antunes (Fluminense), Edu (América) e o caçula Zico (Flamengo). Por ser franzino e ter feito forte reforço muscular, Zico ficou com um andar típico em campo, o que lhe valeu o apelido de "Galinho de Quintino", dado pelo radialista Waldyr Amaral. Veio a carreira de sucesso no Flamengo, a passagem pela Itália e o pioneirismo no Japão. No meio disso, várias contusões e períodos de recuperação. No começo da década de 90, participou do governo Collor durante um ano e deixou a Lei Zico, que depois foi trocada pela Lei Pelé.

- Treinadores europeus com passagem pelo Japão, como o seu antecessor, o francês Phillipe Troussier, e também o bósnio Ivica Osim, criticam a falta de consistência tática da seleção do Japão com você no comando. Como vê essas críticas?

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Eles falam que eu dependo muito do Nakamura e do Nakata, mas que técnico não depende dos melhores jogadores de seu time? O sistema defensivo de Troussier não funcionou, estamos tentando outra filosofia, o ataque. Foi assim que ganhamos a Copa da Ásia e a vaga na Copa do Mundo. Claro que não dá para agradar a todos. Tem comentarista que distorce, joga contra e pede um europeu na seleção. O importante é que nunca tive problema com a torcida. Não há pressão, afinal, o respeito é muito grande.

- Essa postura de reverência também existe nos jogadores da seleção?

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O problema no início é que eles me viam como ídolo, não como treinador. Alguns eram gandulas ou mascotes quando eu jogava no Kashima Antlers. Eles me viram jogar. Mas eu queria que eles me vissem como técnico. Com as excursões, os períodos de treinamento criamos uma proximidade. Mesmo assim, há ainda uma reverência. Na Copa da Ásia, em 2004, eles viraram para mim e falaram: `vamos ganhar para você. Vamos nos matar em campo´. É prova disso.

- Qual é a diferença no convívio na concentração do Japão em relação ao Brasil? No que um técnico brasileiro pode contribuir para o selecionado japonês?

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Ainda falta malícia dentro de campo. Eles não sabiam lidar com a malandragem do adversário, demoraram para se adaptar. Isso vem da educação deles. Quando algum jogador simula uma falta, eles param o lance. Mas isso está mudando. Já na concentração, eles são mais tímidos que os brasileiros, mas sempre rola uma brincadeira. Fizemos um treino após uma nevasca e eles mais fizeram guerra de bolas de neves.

- Você continuou a convocar o brasileiro Alex Santos como fez Troussier. Ele vai te ajudar na comunicação com os jogadores, afinal, você terá limitações na utilização de tradutor nas partidas na Alemanha...

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Alex Santos está no time não por que é brasileiro, mas porque não encontrei outro como ele para a lateral esquerda. No Japão, os times jogam no 3-5-2, mas a seleção está montada no 4-4-2 e preciso de um lateral nessa formação. Além de tudo, Alex tem um ótimo físico.

- Como vê o grupo em que caiu o Japão na Copa, estreando contra a Austrália, enfrentando a Croácia e fazendo o último jogo da fase contra o Brasil?

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Decidir com o Brasil não é bom. Eu preferia fazer o primeiro jogo. Vai ser uma situação de vida ou morte. Mas vou ter visto dois jogos do Brasil, ver onde está o calcanhar de Aquiles. Mas o Parreira também já terá visto nosso jogo. A Croácia é forte e bateu a Argentina em amistoso, mas não me iludo com esses jogos. Eles dizem pouco do que vai acontecer na Alemanha. Já a Austrália está jogando ofensivamente. O posicionamento mudou, está no estilo holandês. Se engana quem acha que vai pegar moleza.

- Então, pelo panorama que você traçou, vai ser difícil o Japão se classificar?

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Olha, vejo muita igualdade entre as seleções nesta Copa. Exceto o Brasil, há 16 seleções que podem tanto chegar nas semifinais como ficar na primeira fase. Nessa lista está o Japão. Nosso objetivo é chegar no mata-mata. A partir daí, tudo é lucro. Quem chega nas oitavas-de-final quer passar para as quartas e para as semifinais. Estou ansioso. Quero que comecem as partidas valendo troféu.

A tarde correu entre uma bateria e outra de entrevistas com veículos de imprensa do Japão, Brasil e Europa. Zico se despede e, quando questionado sobre o futuro após a Copa, aponta para um jornalista e dispara: "Em julho, quero de te ver na Europa, quem sabe no clube que eu estiver dirigindo." Zico não esconde o desejo de continuar trabalhando no exterior. Brasil, só de férias e para resolver problemas burocráticos no seu clube. Como nesse momento.

Publicado originalmente em 14 de abril de 2006

SELEÇÕES

A declaração

"Não me interessa falar sobre isso agora"

Resposta estratégica quando a pergunta é sobre a CBF e sua passagem como supervisor técnico na Copa de 1998.

Estilo como técnico:inspirado em Telê Santana, é detalhista, treina muito fundamento (passe, domínio, cruzamento, cabeçada, etc.) e não é de ficar gritando na beira do gramado -prefere passar as instruções no vestiário
Equipes que dirigiu: foi técnico-tampão no Kashima Antlers e CFZ, mas estreou mesmo na função em 2002 com a seleção japonesa
Principal título como treinador: Copa da Ásia (2004)
Clubes em que atuou como jogador: Flamengo, Udinese (Itália) e Kashima Antlers (Japão)
Estilo como jogador: meio-campista muito habilidoso, exímio cobrador de falta, driblador nato e um camisa 10 goleador
Principais título como jogador: Libertadores, Mundial Interclubes (ambos em 1981) e Campeonato Brasileiro (1980, 82, 83 e 87)
Formação: formou-se técnico em Contabilidade, mas a faculdade de Educação Física ficou incompleta

A polêmica

"É um desrespeito ser chamado de burro diante de sua família. Se o racismo é punido, ser linchado em público por uma torcida também devia ser."

Comparando os atos racistas nos estádios com os constantes coros de "burro" que os técnicos ouvem no Brasil, um dos motivos que ele apresenta para não atuar no cargo em seu país