Para Djalma Santos, a seleção
tinha atletas, mas não dirigentes
Por Pedro Cirne

O Brasil jogou apenas três vezes na Copa de 1954, e duas entraram para a história pelo que aconteceu depois dos jogos. Depois de enfrentar a Iugoslávia, os brasileiros choraram a eliminação -mas estavam classificados. E a partida contra os húngaros terminou em uma pancadaria que ficou conhecida como a "Batalha de Berna". Para o lateral-direito Djalma Santos, que disputaria ainda os torneios de 1958, 1962 e 1966, o que aconteceu foi simples: faltou comando extra-campo.

A Copa de 1954 foi curta para o Brasil, durou apenas três jogos. Por que isso aconteceu?
Sim, por causa dos maus dirigentes. Na véspera do jogo contra a Hungria, o jantar terminou às 19h e ficamos ouvindo os dirigentes falarem até as 23h. Eles fizeram do Puskas um monstro, um deles. E ele nem jogou aquela partida! Ficaram falando que nós tínhamos que honrar a nossa bandeira, que isso, que aquilo... Teve jogador que nem dormiu depois de tudo que eles falaram.

Naquela época não tinha aquecimento dentro do próprio campo antes dos jogos. Antes de entrar em campo contra a gente, os húngaros foram bater bola de manhã em um campinho ao lado do estádio. Já os brasileiros não: nós voltamos a ouvir aquela mesmo conversa, que o Puskas era isso, que o time deles era aquilo. O resultado veio no jogo. Quando teve o pênalti pra gente (o Brasil já perdia por 2 a 0), eu não tinha nada que ter cobrado. O que aconteceu é que ninguém queria bater.

Os digirentes atrapalharam também durante a Copa ou somente antes do jogo contra a Hungria?
O Brasil perdeu para o Brasil mesmo. Logicamente a Hungria tinha uma grande seleção, mas não era para perdemos do jeito que aconteceu. Faltou liderança não dentro de campo, mas fora. Assim como falta hoje. No jogo contra a Iugoslávia (pela primeira fase), nós não sabíamos que o empate classificava tanto nós quanto os iugoslavos. Quando terminou o primeiro tempo, os próprios iugoslavos tentaram nos avisar, mas não entendíamos. Aí o segundo tempo foi aquela correria. O Brandãozinho e o Bauer perderam uns cinco quilos cada um naquela partida. O jogo acabou, nós fomos pro vestiários chorando e só lá soubemos que havíamos passado de fase. Nenhum dos dirigentes avisou antes.

E qual era o maior mérito da equipe?
Nós tínhamos uma equipe muito boa: Nilton Santos, Zito, Didi, Brandãozinho, Bauer... Faltou um comando, como o que nós tivemos em 1958. Os dirigentes foram mais a passeio. Tinha só essa conversa fiada, que não resolvia nada.

Como era o clima entre os jogadores?
Era bom. Mas, depois de tudo o que nós ouvimos, tudo ficou tenso. Os dirigentes foram mais maléficos do que benéficos. O Bauer e o Brandãozinho eram os líderes da equipe, mas eles não tinham forças. O time entrou em campo contra a Hungria já de cabeça baixa.

A Hungria era a grande seleção do momento. Enquanto se preparava para a Copa, venceu a Inglaterra em Wembley por 6 a 3. Nos dois jogos da primeira fase, aplicou duas goleadas históricas: 9 a 0 na Coréia do Sul e 8 a 3 na Alemanha Ocidental. Houve alguma preparação especial para esse jogo, alguma orientação de como frear o ataque húngaro?
Houve uma preleção sim, mas foi sucedida de tanta conversa que não adiantou nada. A cabeça agüenta conversa por 15, 20 minutos. Depois disso o cara esquece. E conversaram com a gente por mais de 40 minutos antes de enfrentarmos os húngaros.

Esse jogo ficou conhecido como a "Batalha de Berna" por causa da briga que aconteceu entre os brasileiros e os húngaros após a partida. Você se lembra disso?
Foi um mal entendido. As entradas pros dois vestiários ficavam uma do lado da outra. Os dois times estavam deixando o campo após o jogo e o Newton Paes, médico do Brasil, pegou uma garrafa de água. Naquele tempo era garrafa de vidro, não de plástico, como as de hoje. Aí ele pegou a garrafa e jogou no Puskas. Só que ele errou e acertou o (zagueiro) Pinheiro. Pegou na testa dele e, quando o Pinheiro se virou para ver quem havia arremessado, alguém gritou: "foi o Puskas!". Aí começou a confusão.

O clima já estava tenso antes de tudo isso?
Sim. Antes disso tudo, o Maurinho (zagueiro) foi dar a mão para um húngaro e tomou uma cusparada. Mas foi uma briguinha sem-vergonha a tal "Batalha de Berna", ninguém se machucou. A única coisa mais séria que aconteceu foi a garrafada mesmo.

A Hungria era mesmo a melhor equipe da Copa, que acabou sendo injustiçada na final?
Tanto eram melhores que eles menosprezaram um pouco a Alemanha. Eles fizeram a festa antes do jogo. A família dos húngaros até foram lá pra Suíça pra ver a final, já que eles tinham vencida por um placar tão elástico na primeira fase. Mas a Alemanha surpreendeu. Tem gente que fala do juiz e até que os alemães jogaram dopados, mas no final nada ficou provado.


Arquivo Folha Imagem



Nome: Djalma Santos
Data de nascimento: 27/2/1929
Local: São Paulo (SP)

Clubes: Portuguesa (1948 a 1958), Palmeiras (1958 a 1968) e Atlético Paranaense (1969 a 1970)
Títulos: Campeão paulista (1959, 1963 e 1966), da Taça Brasil (1967) e do Robertão (1967) pelo Palmeiras; paranaense pelo Atlético (1970); brasileiro de seleções (1952, 1954, 1956 e 1957) por São Paulo; mundial (1958 e 1962) pela seleção brasileira

Feitos: Participou de quatro Copas do Mundo (1954, 1958, 1962 e 1966). Fez 98 jogos com a seleção, marcando três gols. Na Copa de 58, jogou apenas a final contra a Suécia -e bastou para que fosse eleito o melhor lateral-direito do torneio.