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Vinte e Dois

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Prévia das Finais da NBA entre Phoenix Suns e Milwaukee Bucks

Khris Middleton, do Milwaukee Bucks, encara a marcação de Chris Paul, do Phoenix Suns, durante a temporada regular da NBA - Christian Petersen/Getty Images/AFP
Khris Middleton, do Milwaukee Bucks, encara a marcação de Chris Paul, do Phoenix Suns, durante a temporada regular da NBA Imagem: Christian Petersen/Getty Images/AFP

Vitor Camargo

Colunista do UOL

06/07/2021 04h00

Em 1969, a NBA teve o primeiro grande embate entre Phoenix Suns e Milwaukee Bucks —um duelo que, curiosamente, não se deu dentro das quadras de basquete e, sim, de uma sala de diretoria. Um que não foi decidido na bola laranja e, sim, em uma moeda.

Phoenix tinha acabado a temporada com a pior campanha da então Divisão Oeste, enquanto os Bucks tiveram a pior campanha da Divisão Leste. Pela regra da época, portanto, os dois times tiravam no cara-ou-coroa para decidir qual deles ficaria com a primeira escolha do Draft. Milwaukee ganhou e usou a primeira escolha em um pivô chamado Lew Alcindor, que eventualmente mudaria o nome para Kareem Abdul-Jabbar, com o qual venceu seu primeiro e único título dois anos depois. Phoenix, com a segunda escolha, se resignou a escolher um pivô chamado Neal Walk e até hoje ainda busca seu primeiro troféu de NBA.

Agora, 52 anos depois, Bucks e Suns voltam a se enfrentar em um grande palco do esporte, mas, dessa vez, um maior e mais importante: as Finais da NBA.

E, se vamos falar das Finais da NBA, precisamos começar falando da sombra que paira sobre essa série tão aguardada: a situação física de Giannis Antetokounmpo, que hiperextendeu o joelho no jogo 4 contra Atlanta e não jogou desde então. E, embora Milwaukee tenha se virado bem sem o grego contra um inferior Atlanta Hawks, eu não preciso explicar porque o duas vezes MVP fará uma falta monstruosa caso não jogue diante do perigosíssimo —e favorito— Phoenix Suns.

É uma pena que essa seja uma das principais narrativas. Esses playoffs já foram marcados demais por lesões e jogos perdidos por estrelas. Os Suns chegam até as Finais tendo passado pelos Lakers sem Anthony Davis, os Nuggets sem Jamal Murray, e os Clippers sem Kawhi Leonard. Da mesma forma, os Bucks se beneficiaram de lesões em Kyrie Irving, James Harden e Trae Young. E não digo isso para desmerecer ou diminuir o feito dos finalistas —que tiveram de lidar com as próprias lesões— mas para lamentar o que poderia ter sido em uma temporada mais estável, e torcer para que pelo menos na grande final a gente possa ver todas as principais estrelas em quadra.

O status de Giannis para as Finais ainda é incerto. Quando a lesão ocorreu, sem mais informações disponíveis, a maioria dos especialistas opinou que o mais provável era que ele perdesse pelo menos de duas a três semanas, o que tiraria o grego das Finais. No entanto, circulavam boatos de que Giannis estaria disponível para um eventual jogo 7 contra Atlanta, e os Bucks trocaram seu status de lesão de "duvidoso" para "dia-a-dia", o que pode ser um indicativo de que se espera que ele esteja de volta para as Finais. Ainda assim, além do medo de reagravar a lesão, é difícil crer que Giannis estaria 100% nessa série mesmo que jogue.

Caso Giannis não jogue —e, na verdade, até mesmo se jogar— eu espero que os Bucks recorram muito à mesma estratégia defensiva que usaram contra Atlanta nos últimos dois jogos sem o ex-MVP: trocar a marcação em todas as ações. A tática era simples, cortar o espaço gerado pelo pick-and-roll ou corta-luz fora da bola, estagnar o ritmo do ataque e forçar Atlanta a jogar no um contra um. Ajudou muito que a lesão de Trae Young no jogo 5 tirou dos Hawks o seu jogador mais dinâmico, o mais bem equipado para castigar essas trocas e os mismatches que elas geram. Mas Milwaukee demonstrou uma confiança e disciplina impressionantes mesmo quando seus pivôs estavam marcando os melhores pontuadores adversários no perímetro.

É verdade que é muito mais fácil fazer isso contra Kevin Huerter ou mesmo o Trae Young limitado do jogo 6 do que contra Chris Paul e Devin Booker. Os Suns têm dois excelentes pontuadores que são muito capazes de atacar esses mismatches e castigar muito melhor do que fez Atlanta, o que me da alguma dúvida sobre se os Bucks terão a mesma paciência e tranquilidade em deixar Brook Lopez ou Bobby Portis defendendo um dos dois em isolação, mas eu ainda acho que deveriam.

O ataque dos Suns é montado para destruir times no pick-and-roll, especialmente os times que recuam os pivôs para o garrafão como é o vicio dos Bucks —um vício que já foi exposto e forçou ajustes nas suas duas últimas séries— e mesmo que recorrer às trocas possa ceder algumas cestas fáceis para Paul e Booker, ainda é muito preferível a deixar a dupla conseguir os arremessos que mais gostam na meia distância e iniciar a máquina imparável de movimentação de bola do ataque dos Suns. E, vale citar, também é uma estratégia semelhante à que os Clippers usaram para dar tanto trabalho aos Suns na final do Oeste —embora eu espero que o Suns entre um pouco mais preparado nesse sentido para as Finais depois de ver os Bucks usando essa tática contra Atlanta.

Onde eu fico muito mais preocupado com Milwaukee é no ataque. Contra os Hawks, a tática que os Bucks usaram sem Giannis foi eficiente na sua simplicidade: espace a quadra com cinco chutadores, deixe Middleton e Jrue Holiday atacarem os defensores fracos de perímetro do Hawks no um-contra-um, e gere arremessos livres a partir disso. A estratégia funcionou tão bem em parte por causa das deficiências de Atlanta, que precisava manter defensores fracos no perímetro para poder pontuar do outro lado, mas os Suns não oferecem os mesmos pontos fracos para serem atacados com sua profunda rotação; Booker provavelmente é o elo mais fraco do quinteto (nós vimos os Clippers atacando ele nas finais do Oeste), mas Phoenix pode deixar ele escondido em PJ Tucker como os Hawks fizeram com Trae Young e minimizar sua participação. Isso coloca muito mais pressão em Middleton e Holiday —dois bons criadores, mas limitados— para atacarem individualmente defensores muito melhores como Mikal Bridges, Jae Crowder ou mesmo Chris Paul. Eles podem conseguir algum sucesso, mas, dificilmente, terão avenidas livres como foi contra Atlanta, e quando não der certo a ameaça de estagnação ofensiva fica bem grande.

Por isso é tão importante ter Giannis saudável e jogando bem, como uma forma de dominar nos pontos fáceis em transição e colocar uma pressão no aro que force a defesa a reagir e abra todo o jogo para o resto dos criadores dos Bucks, que agora podem atacar em situações mais favoráveis contra uma defesa em movimento —a receita habitual da equipe para o sucesso. A presença de Giannis bem e atacando o aro cria uma opção extra e uma gravidade própria semelhante à de um grande arremessador se movimentando pelo perímetro, forçando a defesa a acompanhar e reagir, dando aos Bucks uma peça a mais para manipular a defesa dos Suns e conseguir chutes favoráveis. Milwaukee tem feito um trabalho progressivamente melhor no ataque ao longo dos playoffs, e esses pequenos ajustes podem ser muito úteis contra a melhor defesa que o time enfrentou nesses playoffs.

Mas vale citar, também, que Phoenix é um time muito mais bem equipado para defender Giannis —caso ele jogue— do que Hawks ou Nets. Eles podem simplesmente deixar DeAndre Ayton no grego, Ayton que fez um trabalho tão espetacular defendendo Nikola Jokic e Anthony Davis (antes da lesão) em séries passadas e tem a força suficiente para não ser empurrado no garrafão pelo grego. Giannis é um jogador mais de espaço que Jokic ou Davis, mais veloz atacando a cesta ao invés de jogar de costas no poste baixo, e se isso acabar dando problemas para Ayton como fez com Capela, os Suns ainda podem usar Jae Crowder na função, que foi tão bem marcando Giannis com o Miami Heat um ano atrás —embora provavelmente não é o ideal ter Ayton saindo do garrafão para acompanhar Brook Lopez pelo perímetro, tirando sua proteção de aro. No final, a capacidade de Giannis bater ou não a marcação de Ayton no um-contra-um e forçar ajuda constante— o que nem Davis, nem Jokic conseguiram— é talvez a pedra chave de toda a série, e algo que fica muito mais difícil quanto mais longe de 100% estiver o grego.

Se Giannis estivesse saudável, eu apostaria em uma série de sete jogos —dois times com estilos opostos, mas muito divertidos, explosivos e com alguns dos jogadores mais interessantes da NBA. Mas a simples incerteza —ele vai jogar? Vai conseguir impactar?— é suficiente para acreditar que a série está nas mãos do Phoenix Suns. Pode ser que Giannis venha para o jogo 1, anote 40 pontos e 20 rebotes, e eu fique com cara de trouxa daqui a 24h? Sim, e se acontecer, eu vou comemorar porque nós merecemos uma final entre Suns e Bucks no seu melhor basquete. Mas, até eu ver com meus próprios olhos, ainda fico com os Suns.

Palpite: Suns em seis