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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Léo, o ex-gandula e hoje líder nato que me influencia

Léo chegou ao Cruzeiro com 23 anos e deixou o clube quase 11 anos depois  - Vinnicius Silva/Cruzeiro
Léo chegou ao Cruzeiro com 23 anos e deixou o clube quase 11 anos depois Imagem: Vinnicius Silva/Cruzeiro

Com Augusto Zaupa

28/08/2021 04h00

Semanalmente, neste espaço que me foi concedido aqui no UOL, gosto de alternar alguns assuntos. Obviamente, abordo fatos atuais e outros que ocorreram no passado no mundo da bola. Mas também gosto de debater sobre circunstâncias rotineiras, como mercado de trabalho, economia e ações sociais. Porém, também tenho grande apreço em escrever sobre personalidades, amigos que marcaram a minha vida, assim como o Léo, zagueiro que recentemente deixou o Cruzeiro.

Demonstro o meu apreço por quem amo e zelo ainda em vida e espero o mesmo dos que gostam de mim. Prefiro ouvir as lembranças alegres e também as lamentações agora, e não depois quando não estiver mais aqui.

Nestas situações curiosas da vida, descobri que a minha relação com o Léo já havia começado antes mesmo de atuarmos juntos na Raposa. Certa vez, numa concentração, ele e o volante Magrão — todos nós começamos no Grêmio — me revelaram que disputavam para entrar em campo de mãos dadas comigo em jogos realizados no Olímpico. Ainda piá, por volta dos 14/15 anos, a dupla jogava na base do Tricolor gaúcho e exercia a função de gandula em partidas do profissional, algo que era muito comum à época.

Léo carrega a taça da Copa do Brasil na chegada a Belo Horizonte após o Cruzeiro conquistar o hexa do torneio - Vinnicius Silva / Cruzeiro - Vinnicius Silva / Cruzeiro
Léo carrega a taça da Copa do Brasil na chegada a Belo Horizonte após o Cruzeiro conquistar o hexa, em 2018
Imagem: Vinnicius Silva / Cruzeiro

Este reencontro ocorreu cerca de uma década depois, em 2012, quando o Léo já era uma das principais referências do elenco cruzeirense, ao lado do goleiro Fábio. Essa ligação de colega de time se tornou uma forte amizade e, consequentemente, fui convidado para ser o padrinho de casamento dele.

Por eu ser dez anos mais velho, o Léo me enxergava como referência em várias ocasiões, no entanto, também aprendi muito com ele. Certa vez foi o Léo que despertou a minha atenção, me deu um sutil puxão de orelha. Ainda na minha passagem como jogador no Cruzeiro, eu havia me incomodado com uma situação e acabei externando, algo que nunca foi do meu perfil.

Consciente, o Léo veio falar comigo, disse que eu deveria ter agido de uma outra forma porque eu era um modelo para o elenco, puxava o moral do time para cima. Aquela letra, aquela dura, fez cair a minha ficha. Por eu ser um líder, tinha que ter mais cuidado sobre o que eu falava, e como comunicava. Sempre tentei ser um cara positivo, mas naquele momento estava criando um clima negativo ao grupo. O Léo me recolocou na linha.

Dificilmente um atleta mais novo faz isso com um cara mais experiente, e ele foi minucioso ao me abordar. Naquele momento, vi que estava tratando com um cara do bem, confiável, um líder nato que busca sempre o melhor para quem o rodeia.

Trabalhei diariamente com o Léo por cinco anos. Primeiro, quando eu ainda jogava. Depois, quando assumi o cargo de gerente de futebol do Cruzeiro. Presenciei de perto como ele é disciplinado e preocupado com o clube e com os colegas. Se ele começasse uma temporada como reserva, tinha certeza que iria fechar o ano como titular, destaque e líder por tamanha dedicação. Ele é um profissional que inúmeras vezes jogou com dores e dificilmente se machucava — tanto que o apelidamos de Cavalão. No Brasil, não joga só quem é bom, joga quem tem coragem e se apresenta em momentos difíceis.

Não era incomum ver zagueiros até mais técnicos que ele sendo preteridos pelos treinadores por todo o combo que o Léo entregava em campo e fora das quatro linhas. Ele sempre deu a cara a tapa em momentos complicados, buscou a responsabilidade em jogos grandes.

Lèo Cruzeiro gol Fred Campeonato Mineiro - Thomás Santos/Agif - Thomás Santos/Agif
Léo vibra, ao lado de Fred, após fazer um gol pelo Cruzeiro em jogo pelo Campeonato Mineiro
Imagem: Thomás Santos/Agif

Eu ainda não havia sido contratado pelo Cruzeiro, mas naquele emblemático 6 x 1 sobre o Atlético-MG, pelo Brasileirão 2011, o Léo pediu ao Vagner Mancini para atuar fora da sua posição de origem para ajudar o time que brigava para não cair à Série B. Ele jogou como lateral direito porque alguns atletas estavam machucados, outros talvez não tiveram colhões para encarar aquela situação, tanto que a dupla de zaga foi formada pelo Naldo e o Victorino.

Também vi de perto ele aceitar várias injustiças que ocorrem dentro do futebol, mesmo assim, nunca foi negativo. Por essas e outras, me entristeci profundamente quando ouvi que a saída do Léo do Cruzeiro, após quase 11 anos de dedicação ao clube, havia sido por conflitos e deslealdade. São palavras que não combinam em nada com a personalidade dele. Não tem como um cara como ele mudar tão radicalmente da noite para o dia.

Foi um prejuízo imenso para o Cruzeiro perder uma referência como o Léo, ainda mais neste momento que briga há duas temporadas para regressar à elite do Brasileirão.

Natural de Belo Horizonte, Léo é cruzeirense desde a infância. Nestes mais de dez anos no time, ele deixa um enorme legado, não só pelos títulos da Copa do Brasil (2017 e 2018), do Brasileiro (2013 e 2014) e do Mineiro (2011, 2014, 2018 e 2019), além dos 22 gols que anotou — ele é o terceiro zagueiro com mais gols na história celeste. Pela sua liderança e dedicação, ele inspirou muitos e ainda influencia os jovens que ainda estão por lá.

Por ser uma profissional exemplar e um grande amigo que faço questão de manter contato, torço muito para o Léo acerte logo com outro clube e que escreva um novo capítulo na sua carreira. Ele é novo, tem apenas 33 anos, ainda pode agregar, ajudar muito outro time de ponta por ser dedicado, persistente e leal.