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OPINIÃO

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Nova regra da CBF mantém dança das cadeiras dos técnicos

Tiago Nunes foi demitido do Grêmio após a derrota para o Atlético-GO. Ele ficou no cargo por 74 dias - Pedro H. Tesch/AGIF
Tiago Nunes foi demitido do Grêmio após a derrota para o Atlético-GO. Ele ficou no cargo por 74 dias Imagem: Pedro H. Tesch/AGIF

07/07/2021 04h00

Apesar da nova regra da CBF que impõe limite de duas trocas de treinadores ao longo do Campeonato Brasileiro, a dança das cadeiras na Série A continua. Em apenas nove rodadas já disputadas, quatro clubes da elite já alteraram os seus comandantes. O último a "perder o emprego" foi Tiago Nunes, que deixou o Grêmio, no último domingo (24), com apenas 74 dias no cargo.

Assim que foi anunciada a nova norma, em março, a CBF andou se gabando ao afirmar que defendia a proposta há três anos, ou seja, jogou no colo das equipes o fato de a diretriz não ter sido implementada já há algumas temporadas. Este preceito de trocas também vale para a Série B.

Mas uma coisa a entidade máxima do futebol não deixou nada claro ao torcedor brasileiro que há uma brecha no regulamento, uma vez que se houver um acordo mútuo entre as partes isto não contabiliza como uma troca. Segundo a CBF, este trato em comum clube/técnico é previsto em lei e precisava ser respeitado no regulamento.

Todos têm culpa por essa ciranda de trocas de treinadores. A imprensa que tanto bate na tecla exigindo a sequência de trabalhos nos times é a mesma que dá ultimatos em programas televisivos de mesas redondas, ou seja, aponta que, se o técnico não vencer no próximo jogo, será insustentável a sua permanência.

A mídia ainda cria enquetes questionando o torcedor quem gostaria de ver no comando do seu clube do coração. Porém, entre as opções figuram profissionais que já estão empregados em outros clubes. Desta forma, o desrespeito é duplo, isto é, com o treinador e o time que selaram uma parceria. Isto fomenta essa rotatividade infindável.

Estamos sem torcidas nos estádios há mais de 15 meses devido à pandemia, mas sabemos o quanto murmurinhos nas redes sociais ecoam na cúpula de um clube. Em muitos casos, os dirigentes se deixaram levar por essa pressão popular e esquecem as suas próprias convicções. No caso do Tiago Nunes, a diretoria gremista já havia dado um ultimato logo após a derrota para o Juventude

Se formos seguir desta forma, abrir as portas dos centros de treinamentos para ouvir protestos de torcedores organizados e aceitar as opiniões e intervenções externas, então é melhor encerrar de vez este discurso falso sobre continuidade. Tenhamos a hombridade de assumir que o futebol brasileiro vive desta forma.

Ver a própria CBF burlar as suas regras me incomoda demais. Tenho inúmeros colegas, ex-jogadores, que estão investindo pesado em cursos para tirar as Licenças A, B, C e PRO (podem até passar de R$ 20 mil), mas as oportunidades não aparecem, pois o futebol brasileiro vive num looping, ou seja, essa dança das cadeiras é formada por cadeiras marcadas.

Miguel Ángel Ramírez, técnico do Internacional, observa equipe contra o Juventude pelo Gaúcho - Ricardo Duarte/Internacional - Ricardo Duarte/Internacional
Miguel Ángel Ramírez deixou o comando do Internacional em 11 de junho, ficando no cargo por três meses
Imagem: Ricardo Duarte/Internacional

Também não posso eximir de culpa os próprios treinadores. A partir do momento que eles fecham estes acordos mútuos, são coniventes e não podem reclamar.

Somando as Séries A e B do Brasileirão, já ocorreram nove trocas de comando em apenas nove rodadas: Lisca com o América-MG; Tiago Nunes com o Grêmio; Miguel Ángel Ramírez com o Inter; Alberto Valentim com o Cuiabá, Felipe Conceição com o Cruzeiro; Wagner Lopes com o Vila Nova; Rodrigo Chagas com o Vitória; Paulo Bonamigo com o Remo; e Bruno Pivetti com o CSA.

Até que ponto esses acordos mútuos são realmente verdadeiros? No caso do Cruzeiro, o Felipe Conceição acionou a Câmara Nacional de Resoluções e Disputas (CNRD) sob a alegação de que a diretoria celeste mentiu ao dizer que a rescisão entre as partes foi "em comum acordo". Com contrato já fechado para comandar o Remo, o treinador não conseguiu ser inscrito no Boletim Informativo Diário (BID) da CBF por ainda ter vinculo burocrático com o time mineiro.

Apenas por curiosidade, para nos situarmos, a Série A do Brasileirão 2020 teve 28 trocas de treinadores, sendo sete demissões nas nove primeiras rodadas. Apenas três times seguiram com o mesmo técnico do início ao fim (Atlético-MG, Grêmio e Ceará).

Todos ficam marcados com estas trocas

Estas trocas não são boas para ninguém, tanto treinadores como jogadores ficam marcados pelo "insucesso". Os dirigentes são apontados como incompetentes, que não sabem construir uma ideologia a ser respeitada até o fim. É preciso ter um olhar mais humanizado, o futebol não é a prioridade do mundo.

Esta semana recebi um levantamento com o rendimento de grandes clubes que caíram à Série B nos últimos anos após nove rodadas disputadas. Sem conseguirem nenhuma vitória até o momento, Grêmio e São Paulo estão em situações delicadíssimas. Com dois e cinco pontos, respectivamente, os Tricolores do Sul (tem dois jogos a menos) e do Sudeste possuem aproveitamento inferior a outros seis grandes que já foram rebaixados.

Quando caiu para segunda divisão em 2004, o Grêmio havia somado dez pontos em nove rodadas. Já o Corinthians em 2007 chegou a liderar o Brasileirão nas sete primeiras rodadas, e quando chegou à nona, contava com 15 pontos. Resumo aqui outros casos passados: Palmeiras em 2012, seis pontos; Inter em 2016, 19 pontos; Cruzeiro em 2019, oito pontos; Vasco e Botafogo em 2020, 15 e nove pontos, respectivamente.

Muitas vezes falta aos dirigentes um olhar global, de aprender também com as falhas dos que estão ao seu lado. Mas este trabalho é um todo, é preciso ter consciência que as mudanças e reações só vão vir conjuntamente.

Borges participa de seu primeiro treino no Cruzeiro, com Celso Roth (10/7/2012) - Denilton Dias/Vipcomm - Denilton Dias/Vipcomm
Com Celso Roth ao fundo, Borges participa de treino do Cruzeiro, em julho de 2012
Imagem: Denilton Dias/Vipcomm

Quando cheguei no Cruzeiro em 2012, o clube passava por um momento de turbulência, pois havia sido eliminado na Copa do Brasil. O Celso Roth era o treinador à época e tinha assumido o lugar do Vagner Mancini, demitido depois da queda perante ao Athletico-PR.

Oscilamos nas primeiras rodadas do Brasileiro e o elenco pediu uma reunião com o Alexandre Mattos — também recém-havia chegado para assumir como diretor de futebol — para reclamar da forma de trabalho do Celso, pois ele é um cara duro, que cobra muito os jogadores. A reunião ocorreu num campo ao lado onde o Celso comandava o treino com o restante do grupo, foi uma situação constrangedora.

Naquele momento percebi que estávamos transferindo aquela situação chata para o Roth. Como eu já o conhecia dos tempos de Grêmio e Inter, pedi a palavra ao Mattos. Recordei que o Cruzeiro havia tido nos últimos meses o Joel Santana, que já havia sido meu treinador no Botafogo e que tem um jeito paizão. Mesmo assim, o time não tinha rendido com o Joel. Da mesma forma aconteceu com o Mancini, com quem joguei ao lado no Tricolor gaúcho. Foi então que perguntei: "quando vamos olhar para nós e nos colocarmos como os verdadeiros culpados?"

Pedi a liberação para o Alexandre Mattos para fazermos uma reunião apenas com o Celso, junto com os mais cascudos — Fábio, Borges, Wellington Paulista, Ceará, Sandro Silva e eu. Lavamos as roupas sujas com o Roth à véspera da partida contra o Figueirense. Com as arestas aparadas, as coisas começaram a fluir. O Cruzeiro, que havia livrado do rebaixamento no ano anterior na última rodada ao golear o Atlético-MG por 6 a 1, terminou o Brasileirão 2012 na nona colocação e com a vaga garantida na Copa Sul-Americana.

Normalmente, o bom treinador não é mandado embora. O ciclo num clube só encerra depois que as taças são empilhadas na sala de troféus e ele não consegue tirar mais nada do elenco após sucessivas temporadas.

*Com colaboração de Augusto Zaupa