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OPINIÃO

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Paixão está de volta para onde nunca deveria ter saído: o futebol

Paulo Paixão (à esq.) ao lado do treinador Diego Aguirre, na apresentação da nova comissão técnica do Inter - Crédito: Ricardo Duarte
Paulo Paixão (à esq.) ao lado do treinador Diego Aguirre, na apresentação da nova comissão técnica do Inter Imagem: Crédito: Ricardo Duarte

25/06/2021 04h00

Com mais de 20 títulos no currículo, entre eles duas Copas do Mundo (1994 e 2002), um Mundial de Clubes (2006) e três Libertadores da América (95, 99 e 2006), Paulo Paixão regressou a um local que nunca deveria ter se afastado: o futebol. No início desta semana, o Internacional anunciou o retorno do preparador físico ao confirmar o acerto com o treinador uruguaio Diego Aguirre.

O último trabalho de Paixão havia sido no Bahia, mas deixou o clube em setembro passado após a demissão do técnico Roger Machado, hoje no Fluminense. Agora, ele reassume um posto que já foi seu há oito anos no Colorado, time que ajudou a ganhar a América pela primeira vez na história do clube.

Nunca consegui compreender como profissionais como o Paixão ficam afastados do que mais sabem fazer. Não vou aprofundar sobre os méritos de conhecimentos técnicos, visto que hoje muitos têm acesso, mas sim pelo caráter. O Paulo é uma pessoa muito confiável, amigável, solista...

Por causa disto, lapidei por um tempo que o Roger Machado um dia trabalhasse com o Paulo em sua comissão técnica, apesar de eles se conhecerem dos tempos de Grêmio, quando o Roger ainda era lateral. Hoje, o Roger me fala o imenso aprendizado que absorveu por ter o tido ao seu lado por uma temporada no Bahia. O Paulo pode contribuir em qualquer que seja o ambiente que esteja.

Paulo Paixão em treino do Internacional no CT Parque Gigante - 22/06/2021 - Ricardo Duarte/Internacional - Ricardo Duarte/Internacional
Paulo Paixão durante treino no CT Parque Gigante, em seu retorno ao Internacional
Imagem: Ricardo Duarte/Internacional

A minha relação com o Paulo é heterogênea. Em alguns momentos, ele foi o meu pai, em outros um amigo muito próximo, quase um irmão, além de ter trabalhado ao seu lado no Inter, em 2006. Antes disso, o Paixão teve grande participação no início na minha carreira, no Grêmio.

Foi no Tricolor que ele teve essa figura paterna por me aconselhar, ser rígido e me corrigir diariamente, além de sempre incentivar e inspirar quem está ao seu lado. Aprendi como ele a ser simples e humilde. O observava e o via sempre cumprimentado todos ao chegar no estádio Olímpico, pois com um olhar macro se importava com todos, e nunca abandonou isso.

Ao passar do tempo, iniciamos uma relação de irmandade, pois fui ganhando experiência neste meu processo de amadurecimento. Com o perdão do trocadilho, temos uma paixão em comum que é o samba, o Carnaval, e isso nos aproximou ainda mais. Não deixamos a ligação se limitar apenas à rotina dos clubes, pois rotatividade de jogadores e profissionais de comissões técnicas é cíclica. Tanto que, dos meus 20 anos como profissional, trabalhei ao seu lado cerca de 30% do tempo em que dediquei ao futebol de alto rendimento.

Com todo o respeito aos demais especialistas na área, mas acredito que não há no Brasil um preparador físico com tanta experiência, com tantos títulos e que tenha trabalhado com tantos treinadores de alto escalação como o Paulo Paixão. Não à toa, esteve em seis Copa do Mundo, cinco delas a serviço da seleção brasileira (1994, 1998, 2002, 2010 e 2014) e uma com o selecionado dos Emirados Árabes Unidos, em 1990.

Mas não é só de glórias que os laços de amizades se reforçaram. Também estive ao lado do Paixão em experiências tristes. Estávamos juntos com a delegação do Grêmio para uma excursão em Portugal quando veio a notícia da morte de um dos filhos dele, o Alessandro Paixão, então com 25 anos, por causa um ataque cardíaco. A bomba veio quando estávamos concentrados para o amistoso com o Benfica.

Aquilo mexeu muito comigo, pois foi bem na época em que o meu primeiro filho, o Davis, estava prestes a nascer. Refleti muito sobre como seria essa dor, dor a qual o Paulo passou por mais uma vez, infelizmente, quando ocorreu a tragédia com o voo da delegação da Chapecoense, em novembro de 2016. Desta vez, ele perdeu o filho Anderson Paixão, que seguia seus passos na comissão técnica da Chape. Eu vi o Anderson crescer, sempre acompanhava o pai nos treinos, pois ainda estudava para um dia seguir a carreira do Paulo. Depois, já formado, passamos a trabalhar juntos.

Talvez eu não conheça um ser humano tão forte para superar tanta dor. O mais incrível é que sempre recebia mensagens dele de conforto nas nossas conversas diárias. Ele sempre teve um lado espiritual muito forte, como se tivesse ganho mais dois filhos, e não os perdido. Nunca o vi proferir uma palavra negativa para condenar o universo pelas mortes dos filhos.

Sem 'migué' com o carnavalesco

Trabalhei com o Paulo Paixão em três ocasiões em clubes (duas no Grêmio e uma no Inter), além da seleção brasileira. Em umas destas passagens pelo Tricolor, o Ronaldinho Gaúcho e eu tentávamos engabelá-lo. Sabíamos que ele gostava de samba e, quando chegava a hora da corrida em volta do campo, puxávamos papo sobre Carnaval. Bem mais calejado que nós, nem nos dava ouvidos e nos mandava correr.

Mas ele também não deixava barato. Quando nos via tentando nos esconder lá no fim da fila no momento dos tiros de corrida, ele gritava: "vocês são abre alas, da comissão de frente, nada de bateria, de ficar aí nos fundos".

O Paixão trazia as termologias do Carnaval para nos fazer correr. Eu até gostava, mas o Gaúcho não era muito fã da atividade física. Até para cobrar, exigir empenho dos atletas, ele sempre teve um bom espírito.

O futebol brasileiro precisa de pessoas como o Paulo Paixão, não só o Internacional. Precisa de pessoas que confiamos de olhos fechados. Ele sabe transitar em todos os ambientes e com todos os públicos, pois não foi campeão apenas num clube específico, mas sim no Inter, no Grêmio, no Palmeiras, no Bahia, na seleção brasileira...

*Com colaboração de Augusto Zaupa