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OPINIÃO

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De Bruyne é o melhor do mundo e me lembra geração de 82

De Bruyne, meia do Manchester City, virou o favorito aos prêmios de melhor do mundo - Andy Rain/Efe
De Bruyne, meia do Manchester City, virou o favorito aos prêmios de melhor do mundo Imagem: Andy Rain/Efe

07/05/2021 04h00

Uma das sensações do futebol europeu, o Manchester City vai disputar pela primeira vez na sua história a final da Liga dos Campeões no duelo inglês diante do Chelsea. Com isso, Pep Guardiola volta a decidir o título da Champions após dez anos.

Os Citizens têm demonstrado um futebol coletivo, que tem como cérebro Kevin De Bruyne. O meia belga é um jogador muito inteligente, técnico e que oferece toda o seu talento ao grupo. Ele e os demais membros do elenco têm demonstrado que não há mais espaço para o individualismo. Multifuncional, este atleta de 28 anos me recorda ídolos daquela seleção brasileira de 1982, composta por craques versáteis, capazes de exercer diferentes posições numa mesma partida.

Já faz algum tempo que acompanho os passos do De Bruyne nos gramados europeus, desde os seus tempos de Wolfsburg. Claro, ficou mais evidente depois de sua transferência do futebol alemão para o City, em agosto de 2015. Ele é um dos caras mais influentes no jogo, deixando de lado a trinca Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar, que está numa outra prateira acima.

Guardiola comemora com De Bruyne a vitória do City sobre o Chelsea - Carl Recine/Reuters - Carl Recine/Reuters
Guardiola e De Bruyne comemoram vitória do City
Imagem: Carl Recine/Reuters

Pelo seu vasto entendimento do jogo, De Bruyne é disparado o melhor jogador do mundo na atualidade, que lê melhor todas as partes da partida. As tomadas de decisões dele são sempre aquelas que imaginamos quando assistindo ao jogo pela TV, com frações de segundos antes de a bola chegar aos pés do belga. Mas a grande diferença é que nós estamos vendo tranquilamente o duelo sentados no sofá da nossa sala, enxergando o campo todo e onde estão os marcadores. Já ele, mesmo com a cabeça baixa, tem uma visão panorâmica da situação.

O camisa 17 do Manchester City é um dos pouquíssimos, talvez o único, jogador da atualidade com capacidade de atuar em todas as posições. Ele tem comportamento de lateral quando está nas extremas do campo, tem responsabilidade de zagueiro/volante quando o time não tem a posse de bola, tem toda a habilidade de meio-campo ao distribuir o jogo com a velocidade necessária e tem a visão/faro de artilheiro ao concluir à meta.

A sua conduta em campo transverte conforme o espaço em que está pisando no gramado naquele momento. Sempre que um meio-campo me pergunta sobre uma referência na posição, falo para assistirem aos jogos do Kevin De Bruyne. Sempre indico ao meu filho Davis, de 18 anos, que joga como meia, para acompanhar aos duelos do Manchester City quando ele está em campo. Costumo dizer que são aulas de futebol, que valem mais do que um monte de treinos.

Já ouvi várias vezes o Tite enaltecer este meia, que esteve em campo na eliminação da seleção brasileira na última Copa do Mundo diante da Bélgica. Tenho uma relação muito próxima ao Tite, conversamos muito sobre futebol. Em certa ocasião, logo após o Mundial da Rússia, o Tite me disse que o De Bruyne "atrapalhou muito" o Brasil naquela partida das quartas de final e que "desiquilibrou da maneira dele". Mas o que isso quer dizer?

De Bruyne não é um showman, que sai driblando todo mundo até ficar cara a cara com o goleiro. Pelo contrário, ele desequilibra a partida de uma maneira simples. Sabe jogar sem a bola ao abrir os espaços, se posicionar do ponto certo, puxar a marcação para ceder o avanço aos companheiros e promover o ritmo certo do seu time, além de possuir uma visão absurda do que está ocorrendo em campo. No futebol atual, cada atleta tem em média dois minutos de posse de bola durante os 90 que é disputado. Já De Bruyne consegue ser influente em boa parte do jogo sem precisar a bola em seus pés.

Quando eu vejo o De Bruyne em campo, me recordo do Toninho Cerezo, do Paulo Roberto Falcão, do Zico e, recentemente, do Juninho Pernambucano, que tinham total capacidade de atuar em qualquer posição, tomar as decisões coerentes naquele momento crucial e entendiam todos as etapas da partida.

Seleção brasileira de 82 contava com craques como Falcão, Zico e Cerezo -  -
Seleção brasileira de 1982: Valdir Peres (goleiro), Leandro (lateral), Oscar (zagueiro), Luisinho (zagueiro), Júnior (lateral), Cerezo (meio-campo), Falcão (meio-campo), Sócrates (meio-campo), Zico (meio-campo), Serginho (atacante) e Éder (atacante)

Pela formação dos atletas nos nossos times, será cada vez mais difícil ver jogadores como estes atuando no Brasil. Lembro do De Bruyne atuando como extrema pelas pontas do campo, como meia e até como volante quando ainda defendia o Wolfsburg.

Antigamente, tínhamos facilidade de encontrar esses jogadores polivalentes porque eles tinham liberdade de atuar em múltiplas funções. Agora, é cada um no seu quadrado. Desde a base, os meninos que estão despontando são condicionados — ou ordenados — a exercer apenas uma função. Durante uma hora de treino, esse jovem é obrigado a atuar numa formação com duas linhas de quatro, sem que a criatividade possa ser exercitada.

Como hoje tudo é mastigado e estipulado, esta nova safra tem dificuldades de entender as alterações necessárias ao longo de uma partida, não sabem tomar as decisões necessárias. É por isso que o futebol está engessado.

Gosto muito de ver o Manchester City em ação. Por mais que o Pep Guardiola gire muito a formação titular, o time consegue ter uma identificação com a figura do De Bruyne. Como ele joga em todas as posições, é capaz de apoiar quem começa entre os 11 iniciais. Parece que o City sempre repete a mesma formação. A banda troca, mas o maestro continua sendo o mesmo. Lógico, a inteligência dos demais atletas do grupo, muito devido à imposição do seu treinador, faz o clube inglês ser uniforme. Porém, a grande disparidade é o meia belga.

Vejo o Kevin De Bruyne entre os maiores destaques há alguns anos. Tanto que acreditava que estaria já na temporada passada entre os três finalistas do prêmio de melhor jogador do mundo. Independentemente de o City ser campeão da Champions ou não, acredito que essa honraria será entregue a ele neste ano.

De Bruyne é um "craque humilde". Não faz escarcéu e não é midiático, mas não se esconde nunca em campo. Até quando os Citizens são pressionados, lá está ele se esforçando como um volante ou como um cabeça de área.

Essa peculiaridade também transpassa os campos. Na recente renovação contratual com o Manchester City, ele utilizou a sua inteligência para fechar a extensão contratual até 2025 no valor de 83,2 milhões de euros (cerca de R$ 529 milhões na cotação atual) sem precisar de um empresário.

Este acordo foi custado muito devido ao Big Data, que vai muito além das tradicionais estatísticas. Por meio da tecnologia, foram cruzados a análise e a interpretação de um grande volume e variedade de dados que estudaram o desempenho do belga em campo. Não é nada fácil sentar-se à mesa e ficar a frente com um grupo de dirigentes e debater olho no olho o seu futuro sem o aporte de um empresário. Essa maturidade nos gramados o ajudou nestas negociações.

Já passei por esta situação de ajustar valores de salários e bonificações, além do tempo de vínculo, sozinho. Sempre tomei as minhas decisões. É preciso transmitir os teus valores sem arrogância para que você possa ser prestigiado. É uma tarefa complicadíssima.

Como falamos no mundo da bola, ele é um cara que joga olhando para frente, mas sem descuidar de espiar para o retrovisor. Parece ser um drone por esta visão ampla, de 360 graus, tanto dentro como fora dos campos.

*Com colaboração de Augusto Zaupa