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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que move o mundo são as perguntas, e não as respostas

Tinga é proprietário da agência Sieben Tour, que atende mais de 150 jogadores de futebol - Arquivo pessoal / Tinga
Tinga é proprietário da agência Sieben Tour, que atende mais de 150 jogadores de futebol Imagem: Arquivo pessoal / Tinga

02/04/2021 04h00

A pandemia de Covid-19 acertou em cheio não só a saúde da população, mas também a economia mundial, tanto que o cenário é nebuloso depois que tudo isto passar. Este caos deixará cicatrizes no mercado de trabalho, tanto que a imprensa destacou recentemente relatório do McKinsey Global Institute, que apontou que até 2030 mais de 100 milhões de trabalhadores terão de encontrar novas ocupações mais qualificadas.

No meio disto tudo, outro ponto que me chama atenção são as ofertas que pipocam em nossas caixas de e-mails, redes sociais e na internet de como se tornar milionário sem precisas sair de casa e num curto período de tempo. Estamos criando uma geração que basta arrastar a tela para cima no Instagram que lá estará a receita do sucesso imediato e sem esforço.

Mas por que decidi tocar neste assunto exatamente agora? Porque, dias atrás, reencontrei pessoas que foram importantíssimas na minha vida depois que decidi parar de jogar futebol profissionalmente. Com auxílio delas, despertei que é que possível aprender de todas as formas e se reinventar a qualquer momento, mas é preciso esforço e dedicação para isso.

Eu tinha 38 anos quando encerrei a carreira em 2015. Deixei para trás 20 anos no futebol e, mesmo com uma condição financeira confortável, não me acomodei. Ao deixar Belo Horizonte e voltar para Porto Alegre, encarei dois anos no supletivo EJA (Educação de Jovens e Adultos) para completar os meus estudos, pois havia largado a escola na 5ª série. E, mesmo sem a formação educacional adequada, estava envolvido em diferentes ramos comerciais que não seria possível pela minha formação.

Paralelemente ao meu retorno aos estudos, aproveitei o grande leque de contatos que fiz ao longo de quase duas décadas no futebol, principalmente pelo fato de ter passado duas vezes por Grêmio e Internacional, e selecionei cerca de 20 empresários que eu havia conhecido ao longo dos anos, uma vez que o futebol desperta a curiosidade e a paixão de muita gente.

Nestas conversas, pedi para ficar alguns dias dentro das suas empresas para ter novas experiências, pois todas eram de segmentos completamente diferentes do mundo que vivi até aquele momento. Eu só tinha conhecimento do ramo do futebol, precisava de repertorio, ver soluções em outras áreas. Todos foram receptivos e me levaram para dentro das suas companhias. Ali, comecei a questionar algumas coisas e entender diferentes situações de setores distintos.

Tinga ao lado de funcionários da empresa Marcopolo, fabricante de carrocerias de ônibus - Arquivo pessoal / Tinga - Arquivo pessoal / Tinga
Tinga ao lado de funcionários da empresa Marcopolo, fabricante de carrocerias de ônibus
Imagem: Arquivo pessoal / Tinga

Estive na Marcopolo, que foi responsável por ter construído e adaptado o ônibus do meu projeto Fome de Aprender. Vi todo o processo de barras de ferro se transformando em ônibus de luxo. Já na Tramontina, estive com o presidente Clovis, que é neto dos fundadores Valentin e Elisa Tramontina. Até brinquei ao perguntar como faziam para colocar talheres e utensílios domésticos na casa de todos dos brasileiros e hoje até em outros países — até na Alemanha, quando joguei pelo Borussia Dortmund, comprei garfos e facas desta empresa da Serra Gaúcha.

Estive também na Dufrio (refrigeração e ar condicionado), Jorge Bischoff (calçados), Plastcromo (especializada em metalização a vácuo), Sambatech (plataforma para transmissão e distribuição de vídeos pela internet), Hotmart (cursos online), SLC Máquinas John Deere (máquinas agrícolas) e no escritório Feijó Lopes Advogados, além de outras empresas e de papos com donos de cafeteria, padaria, carrocinha de cachorro quente e salão de beleza.

Mas esta minha curiosidade de conhecer outros setores já me acompanhava há muito tempo. Recordo muito bem de um fato que ocorreu comigo quando ainda jogava no Grêmio. Em 2001, havia aproveitado uma folga e fui viajar. Estava no aeroporto esperando o meu voo. Um homem sentou ao meu lado e fez uma pergunta que já estava acostumado a ouvir: "Tinga, como é o Tite dentro do vestiário?" Respondia sempre da mesma forma: "Você pode perguntar o que quiser sobre futebol, mas também posso perguntar o que eu quiser da tua carreira?"

Para a minha surpresa, neste dia havia sido um cardiologista que tinha me abordado. Confesso que naquela época, pelo meu pouco entendimento e estudo, achava que o médico era especialistas em todas as áreas da medicina. Perguntei a ele se o coração tinha mesmo aquela formato bonita e de cor vermelha que aparece na TV. Ele achou que eu estava brincando, mas, na sequência, puxou um livro e me mostrou como realmente é este importante órgão do nosso corpo. Aquela figura não tinha nada a ver com o que acreditava ser de verdade. Achei feio, parecia até uma pedra cheia de ramificações.

Aquilo mexeu muito comigo. Por anos ficou na minha cabeça que precisava aprofundar os meus conhecimentos com profissionais de diferentes setores.

Acredito que o que move o mundo são as perguntas, e não as respostas. Eu cresci, e não financeiramente, mas internamente, perguntando. E foi num destes momentos de inquietude que acabei conhecendo o Gustavo Caetano, criador da Samba Tech.

Tinga e Gustavo Caetano, criador da empresa Samba Tech - Arquivo pessoal / Tinga - Arquivo pessoal / Tinga
Tinga e Gustavo Caetano, criador da empresa Samba Tech
Imagem: Arquivo pessoal / Tinga

Inicialmente, o que me despertou a vontade de conversar pessoalmente com ele foi um artigo noticioso que eu havia lido sobre o então jovem brasileiro de 23 anos comparado com o bilionário empresário Mark Zuckerberg, o pai do Facebook.

Dois dias depois de conseguir o contato e ter conversado com o Gustavo por telefone, estava no escritório da Samba Tech, em Belo Horizonte. Foi então que iniciei uma imersão para conhecer melhor a empresa sempre que tinha folga no Cruzeiro — à época, exercia a função de gerente de futebol no time mineiro. Ele abriu muito a minha mente pelas nossas conversas e pelos feitos que ele havia alcançado.

"Fiquei impressionado, porque nunca havia recebido uma ligação de um ex-jogador de futebol interessado no mundo corporativo, do mundo das inovações e das startups. Fiquei de boca aberta pela ousadia e pelo interesse. Isto me deixou muito surpreso e feliz por saber o que o Tinga estava buscando era verdadeiro, uma inspiração em outros lugares para que pudesse implementar no seu cotidiano. É gratificante ter sido uma inspiração e depois me inspirar no Tinga, pela capacidade dele de misturar mundos diferentes num lugar só, de fazer um 'zoom out' ao olhar para fora, ver outros mundos, e depois fazer o 'zoom in', que é trazer isso para o cotidiano. Isso me faz refletir sobre o que estou fazendo e como estou construindo as coisas a partir de visões de fora do meu mundo", me disse o amigo Gustavo Caetano em recente troca de mensagens.

Num determinado encontro, perguntei ao Gustavo o que era inovar. Ele me respondeu que inovar era conseguir entregar soluções para as reclamações que ouvimos constantemente no dia a dia. De imediato, recordei de umas férias em Miami, em 2007, e passei um tremendo perrengue sozinho. Ao chegar ao aeroporto nesta cidade na Flórida, tive dificuldades para alugar um carro que a minha esposa havia reservado.

Aquilo era novo para mim, pois durante 20 anos como profissional no futebol fui acostumado a ter tudo entregue nas minhas mãos. Nunca havia comprado uma passagem área, feito o check-in para embarcar, despachado a mala... Até a consulta com os médicos eram agendadas para mim e eles que iam até o clube para me examinar.

Tinga e Clovis Tramontina, presidente da empresa metalúrgica gaúcha - Arquivo pessoal / Tinga - Arquivo pessoal / Tinga
Tinga e Clovis Tramontina, presidente da empresa metalúrgica gaúcha
Imagem: Arquivo pessoal / Tinga

Naquele momento veio a ideia de criar uma agência de turismo para atender jogadores de futebol. Pensei que, se eu tive estas dificuldades em Miami, os meus colegas de profissão também esbarariam nestes perrengues. Não demorou muito para colocar em prática a minha agência, a Sieben Tour (sieben significa sete em alemão). Para isso, contei com a ajuda do meu cunhado, que já trabalhava na área, e da minha esposa, que sempre gostou muito de viajar e tinha conhecimento no ramo.

Logo em 2014, pouco antes do fim da temporada, cheguei no Willian Bigode (hoje no Palmeiras), no Egídio (atualmente no Fluminense) e no Léo, que eram meus companheiros no Cruzeiro. Ofereci os serviços da agência. Eles foram os meus primeiros clientes. Sete anos depois, atendemos mais de 150 jogadores pelo mundo todo. São atletas que atuam na China, Japão, Arábia Saudita, Itália, Espanha... Temos clientes em praticamente todos os clubes da Série A do Brasileirão.

O curioso disto tudo é que atuei com apenas 20% destes 150 jogadores que nós atendemos, visto que muitos começaram a carreira depois que eu me aposentei. Estes jovens atletas chegaram até a Sieben Tour pelo boca a boca devido ao serviço que prestamos. Além disto, o nosso carro-chefe atualmente são as empresas.

Graças a essas conexões e oportunidades que me abriram, pude aprender para gerenciar os meus negócios. Hoje tenho cursos on-line, a Sieben Ttour By Tinga, uma marca de roupas (Território Sagrado), ministro a palestra "Gestão Além da Planilha" e sou sócio de parques de entretecimento em Gramado (RS).

Tenho convicção que isso tudo só foi possível por eu também ter sido persistente, não ter tido vaidade nenhuma de levantar a mão e assumir a minha ignorância sobre determinados assuntos ao longo desta jornada e por sempre perguntar.

Ainda bem que curiosidade não tem cura, ela nos ajuda a desbravar o mundo.

*Com colaboração de Augusto Zaupa