Topo

Tinga

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cancelamento de rede social não reflete a vida real

Tinga teme cultura de cancelamento na internet - Divulgação
Tinga teme cultura de cancelamento na internet Imagem: Divulgação

05/03/2021 04h00

Sei que não é algo novo, que já está enraizado no nosso cotidiano. Mas com o advento de mais uma edição do Big Brother Brasil, o assunto está mais evidente nas últimas semanas. Estou me referindo à cultura do cancelamento. Vejo este termo como um julgamento e condenação virtual, sem espaço para defesa.

A cultura do cancelamento é uma onda que incentiva pessoas a deixarem de apoiar e passam a boicotar determinados atletas, celebridades ou empresas devido a um erro ou conduta reprovável. Cancelamento, na maioria dos casos, foi um nome bonito encontrado para despejar o ódio e a infelicidade de vidas vazias.

É válido que estes movimentos sejam utilizados para combater atos de racismo, homofobia, preconceitos, desigualdades sociais, entre outros. Mas há uma linha muito tênue em tudo isso.

As redes sociais são uma baita ferramenta. Bem utilizada, você consegue transmitir valores interessantes. Mas elas estão bipolarizadas. A quantidade de likes rótula as pessoas como boas ou más, sem nenhum tipo de análise. A ideia principal é chamar atenção, sem medir possíveis consequências e resultados. As celebridades virtuais atacam profissionais gabaritados que estudaram por décadas para difamar o seu trabalho, baseado apenas na popularidade que aquele post pode alcançar.

Atualmente, as redes sociais são o espelho da nossa sociedade. Todo mundo acredita que pode tudo e que nada terá consequência ou punição. Virou uma terra de ninguém.

Creio que este cancelamento afeta apenas pessoas que "começaram a sua vida" após o surgimento das redes sociais, porque um cidadão que tem uma vida útil, trabalha, estuda, tem seus sonhos, família e amigos, ou seja, que tem uma vida real, e não aquela vida baseada em fotos, não é afetado em nada.

Em determinadas situações, as intenções dos cancelamentos até são boas, porque as pessoas desejam justiça. Porém, especialistas psicossociais apontam que este movimento em massa poder levar à superficialidade, encerrando as vias de diálogo para entender a situação. Em outros casos, há uma disputa para mostrar que está ciente com os fatos que ocorrem no planeta, pois este cancelamento não passa de uma maneira de se vangloriar por estar por dentro dos fatos da política ou sociais, demonstrando estar mais consciente que alguém.

Este tribunal virtual, com boxeadores de teclado, afeta as pessoas que depositam as suas fichas nas redes sociais. Já fui, e serei ainda outras vezes, alvo de críticas, mas ao ler os comentários, não me afeto em nada. Sigo a minha vida como nada tivesse ocorrido. Mas se o meu trabalho estivesse envolvido em todo entorno da internet, talvez teria outro tipo de reação.

Nunca sofri boicote nas redes sociais, no entanto, isto não iria mudar em nada a minha rotina. Mas já sofri ataques por expor as minhas opiniões, como ocorre aqui neste espaço — e respeito todos.

Carrego uma frase comigo: "É mais fácil ser idolatrado por uma pessoa distante que ser respeitado por uma pessoa próxima". Quem convive com você no dia a dia tem realmente ciência do seu caráter e não importa o que você posta aos seus seguidores.

Quer saber a real índole de uma pessoa? Pergunta ao porteiro do prédio onde ela mora como ele o tratado por este cidadão, ao motorista de aplicativo como foi a conduta dela na corrida, como ela age com os atendentes da padaria da esquina... O que realmente importa são os modos no dia a dia.

Não tenho 1 milhão de seguidores, mas, pelo que alcancei por meio do meu trabalho, tenho uma rede de amigos e parceiros que posso contar quando necessário. Eles confiam em mim, e eu neles. Neste nicho, posso solicitar uma mão amiga, uma indicação ou um apoio.

Há centenas de casos de influenciadores que possuem milhões de seguidores, mas, quando precisam solucionar algum problema, não têm para quem recorrer. Os laços reais e olho no olho é o que me importa.

Encaro que a popularidade das redes não é algo efetivo, pois posso seguir uma celebridade, dar likes e não consumir o que ela está me propondo. Muitos estão ali apenas por curiosidade pelo assunto que esta figura famosa carrega, e eu sou um destes usuários entusiastas sem que haja a necessidade de obedecer ao que elas me passam. Seguir é uma coisa, confiar é outra.

Acredito no personal influencer, e não no digital influencer. Se repeti uma prática alheia, é porque me encantei pelo que vi ser realizado, e não pelo discurso. Vejo pseudo personalidades querendo ensinar como ganhar R$ 1 milhão, sendo que ela nunca alcançou essas cifras.

Estamos sendo influenciados por tudo o que está sendo postado. Posso estar em casa tranquilo com a minha família e sentir uma certa necessidade de ir à praia apenas por ver uma foto de alguém pegando sol na areia e com o mar ao fundo. Posso ter feito uma bela refeição, mas sentir um vazio ao visualizar um post de alguém num restaurante com um prato exuberante. Muitas vezes, estas pessoas nem estão nestes lugares glamorosos. As redes sociais criaram um grau gigante de insatisfação nas pessoas.

BBB: Como o colorado Nego Di reagiu ao ver o Inter liderando o Brasileirão - Reprodução/ Globoplay - Reprodução/ Globoplay
Nego Di foi eliminado do Big Brother Brasil 21 com 98,76% de rejeição
Imagem: Reprodução/ Globoplay

No início deste texto, mencionei que essa cultura de cancelamento tomou grande proporção por causa do Big Brother Brasil. Não costumo acompanhar afinco este programa, vi uns três dias apenas por causa do Nego Di, que é amigo meu.

Ele é um cara novo, superbacana, o conheço aqui de Porto Alegre. Ele começou sua história sozinho, com áudios de WhatsApp e foi crescendo sem ajuda de ninguém. É lógico, como humorista, em alguns momentos, vai soltar piadas com assuntos sérios que irão magoar, algumas pessoas vão se sentir agredidas. Ele tem que entender que estará à mercê de críticas e ataques. Mas, com certeza, ele consegue enxergar, com o tempo, quando passa do ponto da brincadeira. Porém, não o vejo como mau-caráter.

Mesmo sendo amigo, tem humor que concordo e outros que não compactuo. Assisto ao material que eu admiro, que gosto. Não assisto o que não consumo, pronto. Simples. Não cancelo ou deixo de seguir por isso. Acompanhei pouco o BBB e, depois que o Nego Di foi eliminado com alto índice de rejeição, fui ver que ele sofreu inúmeros insultos, assim como ocorreu com a sua família. Um absurdo, ele estava dentro de um jogo e não acho que cabe julgar alguém num momento como este. Cancelar alguém é punir quando se comete um crime e cabe à Justiça julgar.

Perigo até no futebol

Este impacto das redes nesta nova geração de jogadores de futebol também me chama a atenção. Os atletas mais novos se preocupam mais com a nota do Cartola ao invés da avaliação do seu próprio treinador. No fim da minha carreira, presenciei no vestiário, logo após o término da partida, atletas pegando o celular para ver qual havia sido a sua nota neste fantasy game.

Pedrinho derruba papel com o nome do Vasco da Gama durante sorteio da Copa do Brasil - Transmissão CBF TV - Transmissão CBF TV
Pedrinho derruba papel com o nome do Vasco em sorteio da Copa do Brasil
Imagem: Transmissão CBF TV

Recentemente, um clube da elite do Brasileirão, que acabou rebaixado à Série B, fechou a contratação de um treinador e postou nas redes pedindo a opinião dos torcedores. A repercussão foi negativa, o profissional acabou execrado pelos internautas. De imediato, a diretoria entrou em contato com o técnico, que estava no aeroporto pronto para embarcar rumo à cidade onde o clube está sediado, e desfez o acordo. Mas pergunto: qual o conhecimento sobre futebol destes torcedores de internet? Muitos sequer nunca pisaram num estádio para ver o time presencialmente.

Outro caso recente que me causou preocupação ocorreu no sorteio da Copa do Brasil. Pedrinho, que retirava as bolinhas dos potes, deixou um papel com o nome do Vasco cair no chão, justamente o clube que o ex-jogador e atual comentarista fez história. Não quero acreditar que os ataques feitos a ele partiram de vascaínos, seria tamanha injustiça e desconhecimento pelo o que ele conquistou com a camisa do time.

Estamos no meio de uma pandemia, isolados em casa, com vários setores fechados. Agora, e se também fôssemos impedidos de acessar qualquer rede social, você conseguiria sobreviver? Quantos iriam seguir a vida numa boa e quantos iriam entrar em depressão?

*Com colaboração de Augusto Zaupa