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365 dias de Natal

Tinga e esposa Milene Nascimento em mensagem de Natal - Arquivo pessoal
Tinga e esposa Milene Nascimento em mensagem de Natal Imagem: Arquivo pessoal

24/12/2020 04h00

Gurizada, chegamos à reta final do árduo 2020. Nesta época, nos agarramos nas festas de fim de ano com a esperança de que coisas melhores virão. É um momento em que demonstramos gratidão pelo que conquistamos e enfrentamos nesta jornada. É natural que as pessoas sejam mais amorosas e altruístas.

Nestas últimas semanas de dezembro, parece que tudo é preparado para vivermos o famoso espírito natalino. Tenho a impressão que viramos uma chave e entramos no modo coletivo, estimulados por comerciais de TV cheios de fé e novas perspectivas. A celebração do Natal se confunde com o desejo pelo consumo e muitos tentam compensar o distanciamento de amigos e familiares com o excesso de presentes. As fachadas das casas, prédios, lojas e vias públicas estão repletas de decorações — tudo muito bonito.

Parece que tudo é programado para ser perfeito no dia 25 de dezembro. Mas me pergunto, e os demais 364 dias do ano?

Não é só no Natal que os mais necessitados sentem fome. Esta parte excluída da nossa sociedade também tem outras necessidades ao longo de todos os dias. Há vários movimentos sociais que são ótimos, coletivos, que ajudam os desamparados. Mas é necessário que tenhamos isso em todos nos 365 dias.

Passamos o ano todo atarefado com o trabalho, alegamos que não temos tempo e quase sempre esquecemos de atitudes básicas, como dizer "bom dia" e "muito obrigado" às pessoas que fazem parte do nosso cotidiano.

Geralmente, quando o Natal se aproxima, é comum os moradores de um condomínio se juntarem para fazer a tradicional 'vaquinha' para prestigiar os porteiros, pessoal da faxina e da segurança, ou seja, os funcionários em geral que cuidam diariamente do espaço onde residem. Mas a realidade é outra no dia a dia, pois muitos passam batido sem nem sequer olhar nos olhos e falar "bom dia", sem agradecer por um serviço bem prestado.

Em boa parte dos casos, temos esta espiritualidade de ajudar o próximo num momento muito específico que é a época do Natal. Se pudéssemos exercer cada vez mais essa reciprocidade, poderíamos fazer a diferença na vida destes desamparados. Se em um ano totalmente atípico, que todos tiveram muitas dificuldades, o brasileiro foi coletivo além do costume, com inúmeras ações sociais em meio desta pandemia, me pergunto o que podemos fazer quando estivermos em condições favoráveis?

Também fiz parte deste grupo, pois só me preocupava em ser benevolente quando as festas de fim de ano se aproximavam. Mas há um bom tempo tenho tentado praticar esta assistência ao longo dos 12 meses do ano, e não apenas em dezembro.

Tinga entrega refeições a moradores de rua, em Porto Alegre, em ação do projeto Fome de Aprender - Divulgação - Divulgação
Tinga entrega refeições a moradores de rua, em Porto Alegre, em ação do projeto Fome de Aprender
Imagem: Divulgação

Neste ano repleto de dificuldades, colocamos em prático o projeto Fome de Aprender, que oferece entre 250 e 300 almoços diariamente aos moradores de rua. Pensamos como seria a ceia de Natal. Onde estes desamparados estariam? O que iriam comer? Enquanto isso, nós estaremos no aconchego do nosso lar, fazendo uma refeição farta numa mesa decorada e cheios de presentes.

Então, vamos oferecer, na noite de hoje (24), a estes cidadãos que estão em situação de rua as mesmas condições que temos na nossa casa, ou seja, um vasto jantar para cerca de 300 pessoas, na Esplanada da Restinga, bairro humilde de Porto Alegre que tenho orgulho de carregar em meu apelido. Teremos no cardápio chester, arroz à grega, saladas, frutas e sobremesas.

Acredito que, devido à crise desta pandemia que assolou boa parte da população, também teremos a presença de cidadãos que possuem um teto, mas que não estão em condições de adquirir uma ceia de Natal. Faço questão de, ao lado da minha família, cear com estas pessoas.

Costumo levar os meus filhos de 13 e 18 anos nestas ações, pois acredito que esta é a melhor maneira de educá-los ao mostrar na prática a realidade do nosso povo. Isto tem ajudado muito para o amadurecimento deles. Assim, conhecem-na prática a situação do nosso país e valorizam cada vez mais o que têm.

A ideia surgiu junto com o meu braço direito, que é o Sandro Leote, responsável pela operação do Fome de Aprender. É importante ressaltar que eu encabeço esta iniciativa, mas conto com o apoio de uma rede de empresários e amigos, que ajudam financeiramente e também colocam a mão na massa. Temos dois conselhos: o prático, que executa no dia a dia se é possível implementar as ideias; e o de gestão, que conta com vários empresários — muitos que tiveram prejuízos devido à crise, mas não nos abandonam nesta jornada. Sou muito a grato pela entrega de todos.

Natal promovido por Tinga e empresários vai doar 200 camisas da rede de lojas Aduana  - Arquivo pessoal / Divulgação - Arquivo pessoal / Divulgação
Natal promovido por Tinga e empresários vai doar 200 camisas da rede de lojas Aduana
Imagem: Arquivo pessoal / Divulgação

Para a minha grata surpresa, o Nelson Jawetz, proprietário da Aduana, rede de lojas de roupas de grife na grande Porto Alegre, doou 200 camisas para estas pessoas que irão jantar conosco. É uma marca de roupas que eu não tinha condições de usar na minha juventude por ser top, fora da realidade de muitos brasileiros.

Estou ciente que sempre terá uma minoria que vai prestar atenção nos detalhes, levantar os problemas neste momento de pandemia. Lógico que iremos ter todo o cuidado e obedecer às recomendações de higiene. Mas nunca me preocupei com esta parcela da sociedade que só quer apontar os erros e fazer as críticas por meio das redes sociais (algo que virou moda), sem nunca ter colocado um pé num bairro de periferia para ajudar os que necessitam.

Procuro focar na grande necessidade, na solução. Estamos com este projeto há cerca de 11 meses, e nas inúmeras ocasiões que acompanhei as entregas das refeições nunca me pediram ajuda para conseguir um leito de hospital ou remédio, mas sim por um emprego ou uma cesta básica. Estamos cientes do risco que é este vírus, e vamos nos cuidar. Mas viver no Brasil é um eterno risco, pois não temos segurança, educação, saúde, empregos...

O nosso foco principal é o mal maior da humanidade, que é a fome, que mata milhares por ano — segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 135 milhões de pessoas foram consideradas em situação de fome aguda em 2019.

Desejo um feliz Natal e um próspero ano a todos, que possamos manter este espírito natalino nos próximos 364 dias, com respeito, consideração e um olhar coletivo.

*Com colaboração de Augusto Zaupa