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Sem mídia, Bigode é o mais consistente do Brasil

Willian Bigode comemora gol pelo Palmeiras - Bruno Ulivieri/Agif
Willian Bigode comemora gol pelo Palmeiras Imagem: Bruno Ulivieri/Agif

17/12/2020 04h00

Presente em momentos decisivos e sempre participativo, é peça-chave nos clubes por onde passou, tanto que acumula no currículo quatro títulos brasileiros e um da Copa Libertadores. Esta regularidade apresentada em quase dez anos consecutivos o transformaram em objeto de desejo de diversas equipes a cada janela de transferência. Não, eu não estou me referindo a uma estrela que atua no futebol europeu, mas sim de Willian Bigode. Aos 34 anos, é um dos jogadores mais regulares no país na última década.

Tanto que, recentemente, o Bigode completou 200 jogos com a camisa do Palmeiras. Ele é o atual artilheiro da equipe na temporada, com 17 gols e é o jogador do Palmeiras que em mais jogos esteve em campo em 2020: atuou em 53 dos 56 jogos realizados. Ele só ficou fora dos três compromissos por ter contraído o novo coronavírus.

No total, já são 55 gols com a camisa palmeirense, fato que o coloca, isoladamente, como vice-artilheiro do clube no século, atrás apenas de Dudu (70 gols). E olha que este paulista de Santa Fé do Sul não foi aproveitado como titular em boa parte da última passagem de Vanderlei Luxemburgo pelo Palestra Itália, assim como ocorreu no perídio em que o auxiliar Andrey Lopes, o Cebola, comandou o time antes da chegada Abel Ferreira, que também costuma utilizá-lo ao longo das partidas.

Willian comemora o primeiro gol do Palmeiras na partida contra o Bahia pelo Brasileirão - ANDERSON LIRA/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO - ANDERSON LIRA/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO
Willian celebra o seu gol na vitória sobre o Bahia. Atacante havia completado 200 jogos pelo clube no duelo anterior, contra o Libertad
Imagem: ANDERSON LIRA/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Devido ao seu perfil profissional, o Willian não é de reclamar nos microfones da imprensa quando é sacado do time. Convivi com o Bigode por cerca de três anos no Cruzeiro, e se tínhamos uma ou duas quedas, ele era um dos primeiros a ser escolhido para sair do time. Claro que isso o afeta, mas ele não deixa transparecer ao grupo. O respeito é primordial no dia a dia do Willian, pois não costuma fazer cara feia e reclamar pelos cantos. Pelo contrário, trabalha duro e aceita com obediência todos os processos para retomar a sua vaga.

Demonstra a sua entrega e competência ao dominar a parte técnica e tática, pois é um cara que entende muito bem as funções dentro de campo. São poucos os atletas que compreendem a estratégia do jogo. Geralmente, o jogador tem a bola nos pés por cerca de dois minutos ao longo de toda a partida. Mas é preciso também ser ativo nos outros 88 minutos. O Willian consegue fazer isso com posicionamento, participação e movimentação para abrir e fechar espaços. Por isso que ele tem facilidade de jogar pelo lado, como centroavante ou penúltimo homem por dentro.

"O Willian é um cara sensacional, um baita profissional, exemplar nas suas tarefas e obrigações. É um atleta agregador, dá gosto de falar sobre ele. Trabalho com ele há três anos e tenho esta visão sobre o seu profissionalismo. Como homem, tem uma relação sensacional com a família. Ele é um exemplo a ser seguido", me relatou o Andrey Lopes, o Cebola, auxiliar técnico no Palmeiras.

Apesar da preferência dos últimos comandantes do Palmeiras, o camisa 29 não amarga mais do que dois ou três jogos no banco de reservas. Se isso período perpetua por mais algum tempo, o telefone dele e do seu empresário já começa a tocar, com ofertas de outros grandes clubes brasileiros e até do exterior.

Além de ser um grande profissional, o Bigode é um grande amigo. Jogamos juntos no Cruzeiro e me recordo de uma passagem engraçada. Na época, ele chegava na Toca da Raposa para treinar todo vestido socialmente, mas calçando uma bota preta muito feia. Eu pegava muito no pé dele, sempre brincava com ele. Um dia, numa roda de bobinho, o alertei. Disse que, se aparecesse novamente com aquela bota, iria usá-la no treino. No dia seguinte, ele aparece com a tal da bota. A Adidas recém havia lançado aquela chuteira botinha. Para sacanear, peguei a bota do Willian e coloquei três listras feitas de esparadrapo e subi para o treino. Todo mundo ria, e ele não entendia nada. Demorou para ele perceber. O Marcelo Oliveira, que era o nosso treinador, parou a atividade e todos caíram na gargalhada. Ele é um cara sensacional.

Depois de conquistar dois títulos do Brasileirão pelo Cruzeiro (2013 e 2014), o Willian regressou em 2017 ao futebol paulista, onde já havia sido feliz pelo Corinthians com as conquistas do Nacional de 2011 e da América, na temporada seguinte. Logo de cara, fez 17 gols na sua temporada de estreia no Palmeiras, fechando o ano como artilheiro do time.

Na temporada seguinte, foi o jogador que mais esteve em campo pelo Alviverde, com 68 jogos, e repetiu o feito de 17 bolas nas redes, ajudando o clube a conquistar mais um título do Brasileiro. Neste campeonato, aliás, ficou evidente a sua entrega em campo. Nem a grave contusão no joelho direito, que o afastou dos gramados por cerca de sete meses, tirou dele a alegria e o seu comprometimento.

Willian comemorou o título com o joelho machucado em São Januário - Cesar Greco/Ag. Palmeiras/Divulgação - Cesar Greco/Ag. Palmeiras/Divulgação
Ao lado de Deyverson, Willian comemora título brasileiro com o joelho machucado em São Januário
Imagem: Cesar Greco/Ag. Palmeiras/Divulgação

No dia seguinte ao título brasileiro, liguei para ele para parabenizá-lo e brinquei se havia se arrependido por ter dado a assistência para o gol do título marcado pelo Deyverson contra o Vasco — foi este lance que ocasionou a lesão em dois ligamentos (cruzado e colateral medial). O Bigode me respondeu que faria tudo de novo, que se sacrificaria novamente pelo grupo e pelo Palmeiras. É este tipo de profissional que merece ser reconhecido.

Este reconhecimento poderia ter vindo em algum momento com uma convocação à seleção brasileira. Vemos constantemente jogadores com menos tempo de protagonismo sendo ovacionado pela torcida e pela imprensa. Não é comum ouvirmos aclamações populares pedindo a sua convocação, nem quando a seleção é composta apenas por jogadores que atuam apenas no Brasil.

O jogador precisa ter uma influência da mídia para chegar à seleção ou ser um pouco polêmico. Mas este é o perfil do Bigode. Se ele nem exige ser titular do seu time, longe dele cobrar uma convocação. Ele tem vários momentos que poderia ter sido lembrado, mas, mesmo assim, continua trabalhando sem chiar.

Willian tieta Usain Bolt na Academia de Futebol do Palmeiras - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Willian tieta Usain Bolt na Academia de Futebol
Imagem: Reprodução/Instagram

"Geralmente, me perguntam se tenho pouca mídia por tudo que conquistei, pois fui campeão em quase todos os clubes por onde passei. Já ouvi até de companheiros de time que, se tivesse mais mídia, poderia ter tido uma chance na seleção brasileira. Mas não sei como provocar esta mídia, se isso parte da torcida ou da imprensa. A minha conduta nunca irá mudar, vou sempre mostrar todo o meu trabalho dentro de campo e os frutos vão aparecer de uma forma natural", disse o Bigode, em rápida conversa comigo.

Apesar de estar com 34 anos, acredito que o Bigode tem mais uns três anos para queimar e jogar em alta performance pelo seu profissionalismo e cuidado com a parte física.

Ele tem sucesso dentro e fora do campo porque sabe conduzir muito bem a sua carreira e a vida particular. Quando parar de jogar e anunciar aposentadoria, o Bigode será respeitado por todos, pois quando a acabam os gols e as glórias, você é lembrando pela sua conduta e respeito, não apenas pelos títulos. Isto ele tem de sobra ao adquirir ao longo da sua trajetória.

*Com colaboração de Augusto Zaupa